Publicada em 08/02/2023 às 15h10
"É horrível”, exclama Cristian, um migrante venezuelano que, com uma enorme mala no ombro, esconde seu rosto e sobrenome, mas mostra sua frustração com o bloqueio da passagem na fronteira de Desaguadero, que liga Peru e Bolívia.
Camponeses aimarás impedem o trânsito nesta região andina ao sul do lago Titicaca desde o início de janeiro como forma de protesto exigindo a renúncia de Dina Boluarte, que assumiu a presidência do Peru em dezembro após a deposição do ex-presidente Pedro Castillo por tentar dissolver o Congresso e governar por decreto.
Em Desaguadero, uma cidade localizada na fronteira entre Peru e Bolívia, a falta de combustível e suprimentos torna mais difícil a travessia de venezuelanos que buscam chegar ao Chile ou à Argentina passando pela Bolívia, e para haitianos que saem do Chile com destino à América do Norte.
"É horrível, não te dão passagem, pegam seu dinheiro em todas as fronteiras em que para. Aqui onde estou já pedi ajuda dez vezes para passar minha mala e eles não deixaram", diz Cristian do lado peruano da fronteira, a mais de 3.000 quilômetros da Argentina, seu país de destino.
Há várias semanas, caminhoneiros estão estacionados em filas intermináveis junto ao posto da fronteira. Cristian os vê de longe enquanto tenta continuar avançando com sua companheira.
Nas últimas semanas, sete imigrantes haitianos morreram no Peru, seis deles em Desaguadero, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
O centro médico rural "colapsou", disse à AFP o médico José Alberto Capaquira, que contabiliza que entre janeiro e a primeira semana de fevereiro, dezenas de haitianos foram atendidos e alguns "lamentavelmente faleceram".
Entre as causas de morte estão as doenças relacionadas à altitude, devido à incapacidade do corpo de se adaptar à falta de oxigênio, como o edema pulmonar e a insuficiência respiratória.
Nesta região a 3.800 metros acima do nível do mar com temperaturas entre 3 e 14 °C, os migrantes arrastam suas malas e agradecem à população local por um prato de sopa quente ou pelo abrigo fornecido.
"Soubemos que os haitianos haviam morrido porque não tinham mais dinheiro, outros foram enganados, além dos subornos que recebem", diz um voluntário peruano de uma igreja em Desaguadero, que prefere não ser identificado com medo das represálias, já que os policiais são acusados de pedir os piores subornos.
"Como estamos em uma anarquia, o prefeito não pode fazer nada sobre os protestos, os vizinhos que bloqueiam as estradas não obedecem, não há policiais, não há promotores, então a situação dos haitianos era terrível. As facções cobram US$ 200 para passar por eles" na fronteira, acrescenta.
Até mesmo os caminhoneiros, que já conhecem o trajeto, o clima e a altitude do local, estão ficando doentes.
"Alguns companheiros estão mal de saúde devido ao mau tempo, à chuva e ao frio", conta Gregorio Ramos.
Longe dali, Cristian e sua companheira atravessam um piquete, depois uma barricada, passam por um protesto de camponeses contra o governo peruano e retomam a estrada, um caminho que se perde na paisagem montanhosa rumo à Bolívia.