Publicada em 20/04/2023 às 09h15
O presidente francês, Emmanuel Macron, tem sido recebido por uma população revoltada contra a reforma da Previdência e outras deficiências do serviço público em seu primeiro giro a regiões do país desde o início do ano. Nesta quinta-feira (20), mil pessoas ocuparam a praça da prefeitura de Ganges, ao norte de Montpellier (sul), duas horas antes da visita de Macron a um colégio, onde ele anuncia recursos para a Educação. Ontem, ele foi insultado e vaiado durante uma visita à Alsácia (leste).
Macron visita nesta quinta a localidade de Ganges acompanhado do ministro da Educação, Pap Ndiaye. Representantes de centrais sindicais, entre elas CGT, Unsa e FSU, tentaram bloquear a entrada do colégio Louise-Michel, onde o presidente faz um discurso, mas foram dispersados pela polícia, que lançou bombas de gás lacrimogêneo. Em cartazes e faixas, moradores da cidade pedem a demissão do presidente da República e a instauração de uma Assembleia Constituinte. A eletricidade no colégio foi cortada, em um boicote de eletricitários da região à visita de Macron.
Para muitos franceses, a atmosfera de insatisfação social e política deflagrada pela reforma da Previdência se transformou em uma crise de representatividade democrática. O líder de centro-direita rejeita esta interpretação dos acontecimentos com veemência. No entanto, o uso de artigos constitucionais que dão ao governo a possibilidade de aprovar legislações passando por cima do Parlamento, como aconteceu com a elevação da idade de aposentadoria para 64 anos, fortaleceu o debate sobre os limites da atual Constituição francesa, que data de 1958.
Em Ganges, o representante local da CGT, Mathieu Guy, vê a visita de Macron como uma provocação. "Ele não responde à questão das aposentadorias e agora passeia pelo país para falar de outros assuntos", protestou o sindicalista. Mulheres carregavam uma faixa exigindo a reabertura da maternidade pública desta cidade de 4.200 habitantes. O estabelecimento foi fechado pelo Ministério da Saúde, que considerou a baixa ocupação dos leitos dispendiosa para o Estado.
Os principais jornais franceses registram nesta quinta-feira a revolta da população com um presidente que menospreza o diálogo com os sindicatos e os pedidos para que não aplique a reforma previdenciária. Em todo o país, Macron tem sido alvo de vaias e panelaços. Ontem, ele também foi recebido por manifestantes furiosos na pequena localidade de Muttersholtz, na Alsácia.
O jornal Libération critica a reação do presidente que, ao contrário das promessas de acalmar a situação, continua, segundo o veículo, relativizando o desgosto da população com essa forma de governança, considerada autoritária. "Não são panelas que farão a França avançar", afirmou o chefe de Estado aos jornalistas que cobriam a visita à Alsácia, antes de ironizar: "Mas podemos também relançar a indústria das panelas, que não está produzindo o suficiente".
Libération afirma que Macron vê a revolta da população como "um momento ruim que vai acabar", esperando "que os franceses passem rapidamente a outras coisas". Ele diz que a reprovação não o impedirá de sair às ruas, "sem admitir que sua impopularidade está limitando sua liberdade de movimento", afirma o jornal.
Apagão em protesto às visitas
O diário Le Parisien destaca o boicote da população de Muttersholtz ao presidente. Assim como aconteceu no colégio em Ganges, Macron enfrentou, ontem, um corte de eletricidade ao visitar uma fábrica especializada na construção de estruturas de madeira no leste do país. As luzes se apagaram, mas não por causa de uma pane. Macron foi informado que a Federação Nacional de Minas e Energia cortou o abastecimento de eletricidade do município inteiro em protesto à sua vinda.
Mais tarde, em Sélestat, uma cidade vizinha, o chefe de Estado tentou cumprimentar alguns moradores. "Você vai cair em breve", lançou um homem. "Pedimos uma mostra de apaziguamento a você e não estamos vendo isso acontecer", retrucou uma jovem.
Novamente questionado pela imprensa, Macron afirmou que esperava esse tipo de reação: "Isso não me impedirá de continuar viajando pelo país", disse. No final da tarde, ao tentar novamente se aproximar da multidão, o chefe de Estado enfrentou novas vaias e teve de fazer meia-volta. "Aqui não vamos conseguir conversar", justificou.
Le Parisien descreve o final da visita do presidente à Alsácia. Em uma última tentativa desesperada de saudar uma cabeleireira e uma mãe de família, junto com seus dois filhos, Macron disse aos pequenos: "Comportem-se", encerrando um dia estressante. "Ainda faltam 98", recorda a reportagem, referindo-se ao pronunciamento feito pelo presidente na TV, na última segunda-feira (17), dando um prazo de 100 dias para apaziguar a revolta.
Reaproximação da população: equação complexa
O jornal Le Figaro critica a insistência do chefe de Estado em "tentar convencer" os franceses a todo custo sobre a necessidade da controversa reforma da Previdência. "Quantas pessoas mudarão de opinião com o contato direto do presidente?" O diário é cético quanto à iniciativa e lembra que a região da Alsácia vota tradicionalmente em políticos de direita. Atualmente, a região é administrada por representantes do partido governista.
Macron quer mostrar a continuidade de seu governo, "mas a equação é complexa", destaca Le Figaro. Em entrevista ao jornal, o especialista em comunicação política Arnaud Benedetti, professor da universidade Paris-Sorbonne, avalia que as imagens do presidente sendo vaiado podem "acentuar ainda mais a distância" do povo. "É uma situação difícil apenas um ano após a reeleição de Macron", conclui o texto.