Publicada em 26/04/2023 às 15h39
O Estado de Israel comemora o 75º aniversário de sua criação em 14 de maio de 1948, mas os israelenses já celebram esse dia de acordo com o calendário judaico. O aniversário – e os feriados – têm como pano de fundo uma crise profunda: manifestações se sucedem todos os sábados contra a coalizão de direita e extrema direita do primeiro-ministro Benyamin Netanyahu, e contra seu projeto de reforma judicial, que muitos em Israel descrevem como perigoso para a democracia.
"O povo palestino não existe." Foi com essa frase simples e portanto de grande envergadura política, que emula os áureos tempos do fascismo ideológico, que o atual ministro da Economia de Israel, Betsalel Smotrich, líder do partido Sionismo Religioso, de extrema direita, decidiu celebrar o 75° aniversário do Estado israelense.
O atual governo de Israel é considerado o mais à direita dos 75 anos de história do país. Além do partido do Sionismo Religioso (Tsionut HaDatit) de Betsalel Smotrich, o gabinete conta com um representante da Força Judaica (Otsma Yehudit), o Ministro da Segurança Interna, Itamar Ben Gvir. Este último representa uma preocupação especial para as centenas de milhares de israelenses que se manifestam toda semana contra o governo e seus planos.
Israel comemora seu 75ᵉ aniversário em um cenário de fraturas gigantescas. É verdade que o governo declarou uma pausa em seu projeto de reforma judicial, mas sem desistir dele. O objetivo continua sendo o de reduzir as prerrogativas da Suprema Corte, o que enfraqueceria o único contrapoder neste país que não tem Constituição.
Fascista
"Por que Ben Gvir é um fascista? Porque ele não acredita na democracia! E ele diz isso", exclama Noam, 29 anos, durante em uma manifestação semanal em Tel Aviv contra o governo israelense. "Toda vez que ele vai a algum lugar, seus partidários gritam 'morte aos árabes'. Ele é um extremista. Se você hesita se Israel já é um Estado de apartheid ou não, o que Ben Gvir está defendendo é o apartheid e ele diz isso claramente. Nunca aceitaremos isso. E vamos lutar", diz Noam, com a voz rouca, em entrevista à RFI.
Um dos aliados do ministro que afirma que os palestinos “não existem”, Arieh King, vice-prefeito de Jerusalém, acusa o premiê israelense de ser “exageradamente moderado”. "Netanyahu não nos permite construir para os (colonos) judeus em Jerusalém, não permite que os judeus se comportem como deveriam no Monte do Templo [nome judaico para a Esplanada das Mesquitas em Jerusalém]. Temos apenas um lugar sagrado no mundo, que é o Monte do Templo... e nosso primeiro-ministro não nos permite ir até lá”, critica.
No meio da multidão de manifestantes das últimas semanas contra a reforma judiciária e o governo de Netanyahu, é possível também ver israelenses que estão à direita do espectro político, alguns usando a kipá dos judeus religiosos, porém inquietos com os rumos da democracia. Muitos ex-soldados, acima de qualquer afiliação política, reivindicam sua carreira no Exército israelense, como o general da reserva Reuven Benkler, de barba grisalha e camiseta com o logotipo de sua unidade de artilharia. “Devemos continuar sendo uma democracia", disse ele, defendendo "uma Suprema Corte independente", ou seja, posicionando-se claramente contra a reforma desejada pelo atual governo.
Equilíbrio dos poderes
Nas manifestações, israelenses de várias origens convivem com grupos de radicais de esquerda contrários aos assentamentos dos colonos israelenses em terras palestinas. Todos eles têm em comum o fato de rejeitarem o projeto de questionar o equilíbrio dos poderes em Israel, um Estado que não possui Constituição e depende, portanto, desse frágil equilíbrio.
"É uma crise institucional, uma crise de governo, mas também uma profunda crise social", resume a socióloga israelense Perle Nicolle-Hasid, da Universidade Hebraica de Jerusalém. A pesquisadora observa, por um lado, o protagonismo de "uma população liberal e ativa, em sua maioria não religiosa, que está experimentando um novo despertar político, inédito há vinte anos. E, por outro lado, o despertar e o ativismo de grupos radicais que estão cada vez mais explícitos sobre seus objetivos para toda a sociedade".
Para Perle Nicolle-Hasid, "estamos enfrentando uma crise de definição dos objetivos políticos e sociais do Estado de Israel". O que significa ser israelense hoje? "Estamos em um impasse para definir isso", conclui a pesquisadora.