Publicada em 19/05/2023 às 09h55
Porto Velho, RO – Em caso envolvendo “assédio moral, intolerância, propagação de preconceitos, homofobia e misoginia”, de acordo com o próprio despacho do Ministério Público Federal de Rondônia (MPF/RO), um inquérito civil contra a Univerdade Federal de Rondônia (UNIR) foi arquivado.
Isto, após a universidade se compromter com o órgão de fiscalização e controle em decorrência do comportamento de um de seus professores.
A investigação começou com representação impetrada por uma acadêmica. Ela narrou que, na data de 17 de fevereiro destre ano, durante aula de Direito Civil I, o professor [...] teria feito alusão a fatos acontecidos em 2016 e novamente teria proferido o seguinte discurso:
"Teve uma pesquisadora que veio aqui falar de ideologia de gênero, de aborto de não sei quê, eu chamei ela de vagabunda, fiz um processo, mas quem foi condenado foi a Unir. Essa sapatona (risos). Eu liberei meus alunos pra assistir uma palestra e aí a palestra era sobre isso...", relatou à instituição.
“Assim, constatada a reiteração e gravidade dos fatos ocorridos na data de 17/2/2023, o Ministério Público Federal em conjunto com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB/RO expediu a Recomendação Conjunta 5/2023, que fora integralmente acatada pela UNIR [confira todas as respostas no depacho ao fim da reportagem]”, sacramentou Daniela Lopes de Faria, procuradora Regional dos Direitos do Cidadão, em substituição.
Levanto em conta o acatamento, ela determinou o arquivamento do feito:
“Portanto, de todo o exposto, verifica-se que acompanhamento do expediente por meio de Inquérito Civil não se mostra adequado, tendo em vista não haver necessidade de diligências investigatórias, tampouco de medidas que desafiem Recomendação e Termo de Ajustamento de Conduta e/ou mesmo judicialização da questão, pelo que promovo o ARQUIVAMENTO do feito, com fulcro no art. 9º da Lei 7.347/85”.
CONFIRA:
"[...] Pois bem. Analisando os autos, verifica-se que esgotou-se o objeto de atuação do MPF. Cuidavam os autos de investigação acerca de eventual conduta inadequada e assédio moral cometidos por docente do curso de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia - UNIR em desfavor de aluna daquela instituição, cuja investigação culminou com o acatamento pela aludida IFES de medidas recomendadas por esta Procuradoria da República, conforme fatos e diligências a seguir detalhados.
A presente investigação teve sua gênese em representação narrando que, na data de 17/2/2023, durante aula de Direito Civil I, o professor [...] teria feito alusão aos fatos acontecidos em 2016 e novamente teria proferido o seguinte discurso:
"Teve uma pesquisadora que veio aqui falar de ideologia de gênero, de aborto de não sei quê, eu chamei ela de vagabunda, fiz um processo, mas quem foi condenado foi a Unir. Essa sapatona (risos). Eu liberei meus alunos pra assistir uma palestra e aí a palestra era sobre isso...".
Observou-se, assim, que os fatos apurados guardavam relação com o quanto tratado nos autos de IC 1.31.000.001263/2016-80 que fora instaurado para apuração dos fatos e responsabilização do professor da UNIR [...], em razão de discurso homofóbico e misógino proferido em sala de aula no dia 21/10/2016, proferido inicialmente contra a professora [...], cujo procedimento extrajudicial resultou no ajuizamento da ACP 1008191-70.2020.4.01.4100, que, em recente audiência realizada na data de 18/04/2023, a UNIR se comprometeu a apresentar ao MPF, no prazo de 60 dias, uma minuta de proposta de acordo contendo:
1) texto de retratação em relação ao fato objeto da ação, a ser publicado no portal e nas redes sociais da Universidade e nos canais de mídia local;
2) uma minuta de cartilha com protocolo de acolhimento e encaminhamento de pessoas que passem por situações de violência, assédio ou importunação;
3) um cronograma com os eventos relacionados à temática previstos nos programas regulares da Universidade e com a possibilidade de aulas inaugurais sobre o tema
Sequencialmente, após a representante relatar tais fatos num determinado grupo de WhatsApp, o professor [...] teria lhe enviado áudios nos quais, em resumo, alega que: apenas contou um fato que aconteceu; que a opinião emitida pela representante era pessoal; que a representante tornou essa opinião aberta e que, por isso, seria responsabilizada; que se a representante quer respeito, teria que respeitar a opinião dele e de qualquer outra pessoa; que respondeu pelo ocorrido em 2016; que a representante ressuscitou, por opinião própria e pessoal, uma situação que na realidade não existe.
Em decorrência desses fatos, após pesquisas junto ao sistema PJe 1º Grau do TJ-RO, constatou-se a tramitação da ação indenizatória 7012450-58.2023.8.22.0001 em que figura como Autor: [...] e Requerida: [...], bem como tramitação dos autos 103119-97.2023.4.01.4100 (4ª Vara Cível).
No mesmo sentido, constatou-se a tramitação dos autos 103119-97.2023.4.01.4100 junto à 4ª Vara Federal de Juizado Especial Cível, em que figura como Autora: [...] e Requeridos: UNIR e [...].
Ainda sobre os fatos ocorridos no ano de 2016, constatou-se a tramitação, junto à Justiça Federal, dos autos 1019597-54.2021.4.01.4100, tratando-se de ação de regresso da UNIR em desfavor de [...], em decorrência da condenação daquela IFES no processo 0006570-89.2018.4.01.3400, que tramitou junto à 27ª Vara JEF da Seção Judiciária do Distrito Federal, intentada pela Srª [...].
Assim, constatada a reiteração e gravidade dos fatos ocorridos na data de 17/2/2023, o Ministério Público Federal em conjunto com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB/RO expediu a Recomendação Conjunta 5/2023, que fora integralmente acatada pela UNIR, conforme medidas recomendadas e respectivas respostas a seguir consignadas:
Medida recomendada: I – instaurem os respectivos procedimentos administrativos internos para apurar o ocorrido (em especial os procedimentos para apuração de faltas disciplinares), tendo em vista a possível ocorrência de infrações administravas, civis e criminais, adotando as medidas cautelares necessárias que o caso demandar, bem como de tudo informem às entidades recomendantes;
Resposta da UNIR: Informamos que os fatos envolvendo supostas práticas de atos discriminatórios, intolerantes e de assédios morais, constantes da denúncia encaminhada junto à presente recomendação já estão sendo apurados na esfera correcional desta Universidade, com o objetivo de melhor compreender os acontecimentos e, em caso de comprovada infração disciplinar, promover à imediata penalização de seus autores.
Medida recomendada: II – promovam, de forma ininterrupta, amplos debates em toda comunidade acadêmica sobre a questão da misoginia, homofobia, assédio moral e sexual e os limites da liberdade de expressão em face dos discursos de ódio, bem como promovam oficinas com os docentes sobre o tema, mediante realização periódica de fóruns, seminários, folhetins, publicações em seu portal da internet e outros eventos, sobre o tema em apreço, cujo cumprimento deverá ser comprovado junto aos seguintes órgãos: Ministério Público Federal, Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado de Rondônia, Conselho de Direitos Humanos da OAB/RO, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública Estadual;
Resposta da UNIR: Reforçamos que, embora a Universidade já promova ações nesse sendo, esta Administração Superior irá intensificar a sua atuação junto à Direção de Gestão de Pessoas - DGP e Pró-Reitoria de Cultura e Extensão - PROCEA, no sendo de ampliar as medidasjá realizadas por esta UNIR.
Medida recomendada: III – acaso restem confirmadas as infrações disciplinares (item 1), que a Universidade Federal de Rondônia - UNIR realize retratação pública especificamente em relação ao fato ocorrido e o seu respectivo desencadeamento, cuja retratação deverá se dirigir aos grupos ofendidos e deverá se dar nas dependências do local inicial do fato, isto é, nas dependências da UNIR, e prosseguir em todos os meios de comunicação (TV, rádio, jornais impressos, internet, portal da UNIR, etc), mediante a apresentação formal de pedido de desculpas.
Resposta da UNIR: Nesse aspecto, esta Reitoria se compromete a realizar retratação, com ampla divulgação, caso as denúncias relatadas sejam confirmadas em âmbito disciplinar.
Portanto, de todo o exposto, verifica-se que acompanhamento do expediente por meio de Inquérito Civil não se mostra adequado, tendo em vista não haver necessidade de diligências investigatórias, tampouco de medidas que desafiem Recomendação e Termo de Ajustamento de Conduta e/ou mesmo judicialização da questão, pelo que promovo o ARQUIVAMENTO do feito, com fulcro no art. 9º da Lei 7.347/85.
Havendo homologação e retorno dos autos, o efetivo cumprimento pela UNIR acerca das medidas inseridas na Recomendação Conjunta 5/2023/MPF poderá ser objeto de acompanhamento no bojo do PA 1.31.000.001592/2020-15, que tem por objeto: Acompanhar Recomendações e Termos de Ajustamento de Conduta - TACs originados da PRDC/RO.
Tendo em vista a relevância da atuação do MPF na presente temática precipuamente no que concerne ao combate ao assédio moral, intolerância, propagação de preconceitos, homofobia e misoginia, determino que o presente despacho seja encaminhado à ASCOM para divulgação da atuação da PRDC e o desfecho satisfatório do presente procedimento.
Por oportuno, esclareça-se que nada impede a reabertura do presente inquérito, conforme previsto no art. 19 da Resolução 87 do CSMPF, in verbis:
Art. 19 – O desarquivamento do inquérito civil, diante de novas provas ou para investigar fato novo relevante, poderá ocorrer no prazo máximo de 6 (seis) meses após o arquivamento. Transcorrido esse lapso, será instaurado novo inquérito civil, sem prejuízo das provas já colhidas (Redação dada pela Resolução CSMPF nº 106, de 6.4.2010).
Tendo em vista que o presente Inquérito Civil fora instaurado mediante representação, aplique-se, ao(s) representante(s) e ao(s) representado(s), as disposições do art. 17, §§ 1º e 3º, da Resolução CSMPF 87, de 6/4/2010, bem como do art. 9º, § 2º, da Lei 7.347/85, preferencialmente via correio eletrônico.
Considerando o interesse público, a natureza da matéria e em atenção ao princípio da publicidade e ao accountability, encaminhe-se o presente despacho também para publicação no sítio eletrônico desta Procuradoria da República, possibilitando que qualquer interessado possa recorrer do presente arquivamento no prazo legal (10 dias).
Após os procedimentos de praxe, remetam-se os autos ao NAOP-PFDC da 1ª Região para o necessário reexame, em cumprimento ao disposto nos arts. 62, IV, da LC 75/93, 9º, § 1º, da Lei 7.347/85, 17, § 2º, da Resolução CSMPF 87/2010 e na Portaria PGR 653 de 30/10/2012.
Publique-se, na forma do artigo 16, § 1º, I, da Resolução CSMPF 87, de 6/4/2010.
DANIELA LOPES DE FARIA
Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão - Em Substituição".
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