Publicada em 26/05/2023 às 14h24
Um ato de protesto marcou a abertura do 1° Simpósio de Direitos da Pessoa Autista, na tarde desta quinta-feira (25), no auditório do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO). Com roupa preta, tarja na boca e ‘mãos atadas’, um grupo de mães atípicas se manifestou virando as costas para as autoridades presentes na mesa, simbolizando a indignação pelos descasos e negligências do poder público com os direitos da pessoa com deficiência.
“Viemos sem ser ouvidas, acorrentadas, há anos sendo ignorados”, bradou uma mãe, sucedendo outra fala com pedido de respeito: “Que os direitos dos nossos filhos sejam respeitados. Respeito não é favor! Direito não é privilégio!”. O ato foi pacífico, e representou o grito de milhares de famílias em Rondônia por um melhor tratamento aos seus filhos, com políticas públicas efetivas, que viabilize o acesso à serviços mais dignos em saúde, educação, e uma assistência social mais humanizada.
“Um quarto da população de Porto Velho tem algum tipo de deficiência”. O dado foi divulgado em 2016 pelo Centro de Reabilitação de Rondônia (Cero), mas está bem longe da realidade, já que se baseou nos atendimentos nesta unidade, que possui um número de profissionais de saúde insuficiente para atender a alta procura. Não temos noção do quantitativo de pessoas com deficiência em Rondônia. Os números do Censo de 2010 são imprecisos e não abrangem as diversas deficiências física e neurológica.
As pessoas com deficiência são uma parcela da população ainda invisível, uma sociedade paralela que vem sofrendo injustiças há décadas, muitas vezes longe das lentes da imprensa e dos olhos da sociedade. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência impõe ao poder público a obrigação de “garantir a dignidade ao longo de toda a vida” (Art. 10), mas esse mesmo poder massacra, discrimina e trata com descaso a pessoa com deficiência e sua família.
Isso os gestores não sabem?
- O sofrimento de muitas famílias em suas jornadas por tratamento para o filho com deficiência está ausente nas agendas prioritárias dos gestores públicos. Talvez eles não saibam que pessoas com deficiência tiveram interrompido o tratamento medicamentoso por falta de acompanhamento, retorno médico (neurologista, psiquiatra, ortopedista) para renovação de laudo e receita. Por conta disso, estão impossibilitadas de fazer a retirada de seus medicamentos nas farmácias estaduais e municipais pela falta do acesso aos médicos.
- Talvez eles também não saibam que a literatura vigente demonstra que a intervenção realizada antes dos 3 anos de idade aumenta a probabilidade de recuperação das manifestações, e com o passar dos anos há uma queda nessa janela de desenvolvimento cerebral, diminuindo os ganhos nas terapias ou aumentando o tempo de intervenção. Atualmente o Centro de Atendimento Psicossocial-CAPS realiza atendimento para crianças diagnosticadas com autismo apenas a partir dos 5 anos de idade, prestando um atendimento tardio que compromete o desenvolvimento.
- E parece que os gestores ainda não sabem que, quem cuida, principalmente as mães atípicas, necessitam de atenção à saúde mental. Um estudo publicado no site americano Disability Scoop afirma que os níveis de cansaço e exaustão de mães de pessoa com deficiência são semelhantes aos apresentados por soldados em campo de batalha. A sobrecarga familiar que tem em sua composição uma pessoa com deficiência é bem maior do que em outras famílias, devido a rotina diária intensa, que ao longo de anos leva a pessoa que cuida à total exaustão, desencadeando transtorno de ansiedade e depressão. Vale ressaltar que a negligência do poder público na manutenção das garantias em saúde da pessoa com deficiência consequentemente piora o prognóstico das mães.
NEGLIGÊNCIA DO ESTADO: O CAPS estadual dispõe de um atendimento psicossocial precário, com difícil acesso ao atendimento psiquiátrico. Não existe um atendimento de urgência para quem está em crise – o atendimento é por agendamento; a pessoa retorna para casa e tem que aguardar, ou tentar atendimento na psiquiatria do Hospital João Paulo II. A saúde mental das mães atípicas precisa ser considerada pelo Estado.
O 1° Simpósio de Direitos da Pessoa Autista segue até a noite de sábado (27) no Tribunal de Justiça, com a participação de magistrados, autoridades acadêmicas e dos poderes Executivo e Legislativo. Ainda dá tempo para aprofundar o debate, trazendo à pauta outras versões da realidade, também dando voz às famílias em vulnerabilidade social, que não podem contratar um plano de saúde, nem pagar um atendimento particular de um especialista. Mal podem sustentar o filho com deficiência em suas necessidades básicas. Os serviços públicos são tudo o que essas famílias podem contar, e são tratadas com descaso.