Publicada em 08/05/2023 às 15h25
"Este verão será o pesadelo dos mulás. Eles vão conhecer nosso melhor lado" afirmou Paria (nome modificado), uma iraniana de 19 anos, à DW. Aos risos, a estudante de Teerã disse que "o tempo está esquentando e nós queremos embelezar a cidade com nossas roupas lindas e coloridas".
Já faz algum tempo que Paria deixou de cobrir a cabeça em público com o hijab, o véu islâmico. Muitas outras mulheres fazem o mesmo, frisou. Ela observou que, nos últimos meses, o número de mulheres sem o véu aumentou significativamente.
Após a brutal repressão aos protestos em todo o país que eclodiram em razão da trágica morte da jovem Jina Mahsa Amini sob custódia da polícia, as mulheres parecem ter ficado mais corajosas e resilientes.
Há um ano era difícil imaginar que tantas mulheres apareceriam em público não apenas sem o véu, mas também sem o uso obrigatório do manto, somente com camisetas e calças jeans ou vestidos. O mesmo vale para aquelas que há muito tempo já lutavam contra o hijab obrigatório, como a fotógrafa Ghazall Abdollahi, de 28 anos
Ghazall deixou o Irã há sete meses, quando os protestos estavam a todo vapor. Ela participou de uma manifestação na qual amigas suas acabaram presas. A jovem conseguiu escapar das autoridades e se esconder com pessoas conhecidas. Como já possuía um visto de entrada na Alemanha, ela decidiu deixar o país.
A fotógrafa continua em contato com suas amigas no Irã, que relatam a ela suas experiências, diz Ghazall em entrevista à DW. "Elas me contam, por exemplo, como é estranho sair de casa sem o véu e o manto. Elas com frequência descrevem isso como um sentimento de estarem nuas, mas, ao mesmo tempo, como algo natural e correto. Acho muito interessante como todas me dizem que, mesmo nas cidades menores e mais conservadoras, elas raramente percebem alguém lhes observando."
Número de mulheres que se recusam a usar o véu islâmico aumentou após onda de protestos© UGC
O sistema político, no entanto, ainda impõe o código de vestuário para as mulheres adotado no início da Revolução Islâmica de 1979. Elas devem cobrir seus cabelos e vestirem roupas longas e largas para encobrir suas silhuetas, como é exigido pela lei islâmica Sharia.
O código de vestuário não é somente um símbolo da moral religiosa, mas também uma ferramenta política de opressão à emancipação das mulheres. As violações são punidas com multas ou prisão.
Autoridades reforçam repressão
Nos últimos meses, novas câmeras de vigilância foram instaladas em ruas e praças públicas. O objetivo é identificar mulheres que apareçam em público sem o hijab. Existe a suspeita de que as autoridades possam utilizar dados de carteiras de identidade biométricas, que foram gradualmente introduzidas a partir de 2015.
Os chips nesses documentos podem armazenar imagens do rosto, da íris e impressões digitais. Segundo a polícia, as mulheres que não acatarem as regras deverão receber uma "mensagem de alerta" em seus telefones sobre as possíveis punições.
Esse tema gerou discussões nas redes sociais. "Vocês querem comparar as imagens de nós nas ruas com nossas fotografias biométricas com rostos tristes vestindo os véus e assim nos identificarem? Boa sorte", escrevem as mulheres, encorajando umas às outras.
Mas o controle do Estado não para por aí. Lojas, restaurantes e locais que atendem mulheres sem o hijab são ameaçados de fechamento. Até hospitais e aeroportos estarão sujeitos a controles mais rígidos. Quem violar as regras poderá não ser atendido pelos médicos ou não receber seu cartão de embarque.
Vários especialistas duvidam que essas tentativas de intimidação possam provocar um retrocesso. "A mudança ocorreu de maneira muito profunda na sociedade", disse à DW a pesquisadora de religiões Haila Manteghi Amin, da Universidade de Münster, na Alemanha.
"Isso não se limita aos estratos mais educados e intelectuais da sociedade ou às grandes cidades. Não se trata de um ordem vinda de cima. O que testemunhamos é uma forte transformação cultural, uma nova maneira de pensar que poderá levar a mudanças maiores. Não acho que os poderosos poderão deter essa mudança. Eles estão lidando com uma geração rebelde, bem informada e com a mente aberta, graças à internet, que continua a luta da geração anterior, de seus pais, e são apoiados por eles."