Publicada em 19/06/2023 às 08h30
Há quase quatro décadas, a usina nuclear Chernobyl e a cidade vizinha ucraniana de Pripyat foram palco do pior desastre nuclear do mundo. Transformada em uma zona radioativa quente, anos e anos depois, o local virou um “paraíso” para a vida selvagem.
Na região que os seres humanos sobreviventes foram obrigados a abandonar, a vegetação cresceu e tomou de volta boa parte do lugar antes urbano. Cavalos selvagens, pássaros, bisões, lobos, alces, cães – e uma infinidade de outros bichos – vagam entre os prédios de concreto decadentes e as florestas circundantes do que hoje é uma das maiores reservas naturais da Europa.
Curiosa sobre os clãs caninos, uma equipe internacional de pesquisadores conduziu uma nova análise genética sobre os espécimes da região, para aprender como a contaminação que circunda até hoje a paisagem pode ter afetado o DNA desta e de outras espécies ao longo das gerações. O estudo foi publicado na revista científica Science Advances.
A pergunta frequente de cientistas é sobre quais efeitos décadas de exposição à radiação de baixa dose podem ter tido na vida selvagem da área. Isso porque alguns estudos apontaram declínios acentuados nas populações de pássaros e um aumento nas mutações genéticas entre certas espécies em locais com níveis de radiação mais altos. Outras apurações, no entanto, encontraram poucas evidências de tais efeitos de radiação.
Gerações do desastre
A confusão científica é se os animais estão absorvendo pequenas quantidades de radiação persistente em níveis pouco prejudiciais ou herdando diferenças observadas de gerações anteriores que experimentaram a explosão. E até mesmo as duas coisas.
O que se sabe é que, de forma espontânea, os animais realizaram um experimento natural. Eles provavelmente entraram e saíram da zona contaminada ao longo dos anos, e a experiência é extremamente útil para melhorar a compreensão humana dos efeitos que a radiação tem na biologia.
Caracterizando populações distintas de cães que vivem em Chernobyl e arredores, eles detalharam que alguns desses animais podem ser descendentes de outros de estimação deixados para trás pelos que fugiram na época do desastre nuclear, mas não está claro quantas populações permanecem ou quão diversas são essas populações, e se elas diferem de outros cães selvagens em toda a Ucrânia e países adjacentes.
Grandes mamíferos, como cães e cavalos, são de particular interesse porque os efeitos em sua saúde podem nos esclarecer sobre o que pode acontecer quando os humanos eventualmente retornarem.
Radiação continua a emanar da Zona de Exclusão de Chernobyl , que se estende por cerca de 2.600 quilômetros quadrados ao redor da usina em ruínas.
Apesar da radioatividade, o número de cães selvagens tem aumentado. Isso levou inclusive à formação da Chernobyl Dog Research Initiative (CDRI), que fornece cuidados veterinários para esses cães desde 2017.
Caninos radioativos
Estima-se que mais de 900 cães vivam em Chernobyl e arredores, alimentados por trabalhadores da usina que retornam para manter as instalações. Até onde tenham estudado, cientistas relatam que existem ao menos três populações distintas, que foram expostas a vários níveis de radiação. A nova análise, no entanto, revela uma quantidade surpreendente de sobreposição genética e laços de parentesco entre eles.
Uma população vive na própria usina; a segunda ocupa a cidade de Chernobyl, uma área residencial abandonada a cerca de 15 quilômetros da usina; e o terceiro mora a 45 quilômetros de distância, em Slavutych, uma cidade relativamente menos contaminada onde ainda residem alguns trabalhadores da usina.
Ao longo de dois anos, os veterinários do CDRI coletaram amostras de sangue de 302 cães nas três populações. Com base nos parentescos genéticos, eles relataram que cães de Chernobyl também têm uma genética totalmente diferente de cães de criação livre na Europa Oriental, Ásia e Oriente Médio.
Houve, no entanto, alguns influxos de material genético de cães modernos, como mastins, em algumas populações de Chernobyl. Isso pode ocorrer porque os residentes e seus animais de estimação começaram a voltar para a cidade de Chernobyl, suspeitam os pesquisadores.
“Perfis de todo o genoma de Chernobyl, cães de raça pura e de raça livre, em todo o mundo revelam que os indivíduos da usina e da cidade de Chernobyl são geneticamente distintos, com o primeiro exibindo maior semelhança e diferenciação genética intrapopulacional. A análise dos segmentos do genoma ancestral compartilhado destaca as diferenças na extensão e no momento da introgressão da raça ocidental”, explica o estudo.
A pesquisa, ainda inicial, deve buscar encontrar variantes genéticas críticas que se acumularam neste ambiente contaminado e hostil e, principalmente, a relação disso com a exposição a que estes animais estão submetidos por lá.
Relembre
Em 1986, a Usina Nuclear de Chernobyl explodiu e espalhou grandes quantidades de radioatividade no meio ambiente. É considerado o maior acidente industrial da história. Mais de 120 mil pessoas de 189 aldeias foram evacuadas deixando tudo para trás.