Publicada em 29/07/2023 às 09h41
Pouco mais de dois meses após mudar sua política de preços, a Petrobras vive seu momento de maior questionamento sobre o novo modelo. O cenário favorável do qual a estatal se beneficiou até aqui mudou nas últimas semanas, e a cotação do barril de petróleo subindo torna os preços agora defasados em relação ao mercado internacional.
A defasagem da gasolina em relação aos preços de importação varia entre pouco mais de 10% e mais de 20%, a depender da metodologia, segundo fontes consultadas pelo Metrópoles.
Sob a nova política, alterada em maio, a Petrobras cortou três vezes o preço da gasolina em suas refinarias, uma queda de mais de 20%. O preço do diesel foi cortado uma vez, em redução de quase 13%.
Esses cortes, dizem analistas, poderiam ser justificados à época. As reduções foram feitas quando o barril do tipo Brent, usado como uma das referências pela Petrobras, estava na casa dos US$ 70. Além disso, o dólar caiu em relação ao real. O problema é o outro lado do espectro: o barril subiu mais de 13% em um mês e, na sexta-feira (28/7), o Brent já era cotado a mais de US$ 85.
“Quando o preço estava caindo, todos esses reajustes que a Petrobras fez seguiram o mercado internacional de alguma forma. Agora que o preço voltou a subir, estamos vendo a outra face da política”, diz Adriano Pires, fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
A Petrobras nunca divulgou uma fórmula exata para seus novos preços. A precificação foi alterada em maio para deixar de seguir automaticamente o preço dos importadores (a chamada PPI, política de paridade de importação). O modelo era usado desde o governo Michel Temer em 2016, como um parâmetro para se aproximar das flutuações do preço internacional.
A mudança era uma promessa de campanha do governo Lula, que escolheu o ex-senador petista Jean Paul Prates para a presidência da estatal.
A Petrobras diz que sua nova precificação segue acompanhando os preços internacionais, mas que evita repassar imediatamente a volatilidade externa. A estatal também tem dito que leva em conta outros fatores, como diferenciais competitivos ao produzir parte dos combustíveis em refinarias locais, o que a nova gestão tem chamado de “abrasileirar” o preço.
Defasagem
A Abicom, associação que reúne os importadores, estima que há uma defasagem de 24% no preço da gasolina e 21% no diesel em relação ao valor téorico da antiga PPI, uma estimativa do preço nos portos internacionais.
Outra estimativa, da empresa de inteligência de mercado Argus, calcula defasagem menor, mas ainda significativa: em torno de 12% para a gasolina e, para o diesel, entre 11% (no diesel russo, mais barato) e 15%. O cálculo usa como base o preço nas negociações praticadas de fato entre agentes.
Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus, pontua que há uma disputa de vários lados no debate. “A Petrobras diz que não reconhece esse preço, que vai olhar para outros fatores, maximizar o uso das refinarias. A gestão Jean Paul Prates teve um alinhamento de estrelas para fazer essa mudança sem grandes estragos. Agora, o movimento é contrário”, diz.
“Nesse momento, a impressão do mercado é que está na hora de fazer um reajuste, só esperam qual será o momento e a amplitude. Mas há várias questões. O governo ainda tem medo da inflação e pode pressionar para postergar esse aumento”, diz Boutin.
Observando o comportamento desde maio, analistas acreditam que a Petrobras tem optado por não vender combustível muito acima do custo marginal (o preço mínimo suficiente para cobrir os custos de produção), próximo à “paridade de exportação”. Mesmo por esse parâmetro, menos altista do que a paridade de “importação”, a Petrobras estaria agora abaixo do limite inferior. Já o diesel está ainda dentro da margem, diz relatório do Itaú BBA, com base nos preços até a semana passada.
“A principal característica da atual política de preços da Petrobras é a incerteza. Nós não sabemos exatamente quais são os parâmetros”, diz o economista Robson Gonçalves, professor da FGV.
Como o Brasil importa cerca de 15% de sua gasolina e 25% do diesel, nas estimativas do CBIE, parte do mercado aponta para o risco de que falte combustível quando os preços estão defasados.
A Petrobras, embora não fale publicamente sobre uma defasagem, parece reconhecer o risco: a empresa aumentou em mais de 640% suas importações de gasolina em relação ao segundo trimestre de 2022, segundo dados divulgados nesta semana a investidores. As refinarias também têm sido usadas em capacidade quase máxima.
“O fato das vendas de derivados terem subido proporcionalmente menos que a produção e de a importação de derivados ter aumentado consideravelmente […] nos leva a entender que a companhia formou estoques neste segundo trimestre de 2023”, escreveram em relatório os analistas da Ativa Investimentos.
Os importadores privados afirmam que a janela de importação está paralisada há mais de dois meses – uma vez que não há sentido em importar o insumo a um preço maior do que o aplicado no mercado local – e recorreram ao Cade, órgão regulador da concorrência.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendeu a precificação da Petrobras e disse neste mês que as importadoras tentam “impedir a competitividade interna dos combustíveis”. Procurada, a Abicom não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Mais pressões à vista
Enquanto isso, a pressão sobre os preços não deve ceder tão cedo, colocando um elefante na sala para a Petrobras e o governo.
Fatores como risco menor de recessão nos EUA, expectativa de mais estímulos da China e os cortes na oferta pela Arábia Saudita podem fazer com que o preço do barril siga elevado, em patamar perto que pode se aproximar de US$ 90, segundo algumas projeções.
Para Adriano Pires, que chegou a ser indicado à presidência da Petrobras no ano passado, a estratégia de preços é uma “caixa preta”. “Temos de aguardar, mas, se continuar assim, vamos seguir aquele critério do passado em que o acionista paga a conta”, diz.
Boutin, da Argus, afirma que há sempre o que o setor chama de “fantasma” do governo Dilma Rousseff, quando a Petrobras represou preços e aumentou seu endividamento, e, depois, do governo Bolsonaro, que segurou por meses os repasses de altas no período pré-eleição – mesmo sob a PPI.
No curto prazo, outro pepino para a Petrobras virá em setembro e janeiro, quando voltarão a ser cobrados parte dos tributos federais sobre o diesel. Até agora, o fim de desonerações sobre a gasolina foi acompanhado de corte nos preços pela estatal, mas o cenário, então, era de barril mais barato. “A Petrobras vem tentando casar a volta de um tributo com a derrubada de preços. O caso do diesel será mais um teste”, diz Boutin.