Publicada em 05/10/2023 às 08h15
Crise aérea: não vá à Justiça!
Professor Nazareno*
Havia naquela província subdesenvolvida e incivilizada praticamente um só aeroporto para atender as pessoas que precisassem viajar para outros pontos do país. Só que a procura por voos para as cidades civilizadas era muito pequena e por isso as maiores companhias aéreas, talvez prevendo prejuízos, decidiram retirar e cancelar a maioria dos seus voos. Além do mais, algumas dessas companhias alegavam que havia muitas demandas judiciais contra elas naquele insólito lugar. E não tardou para que “soluções mágicas” aparecessem de imediato: com o cancelamento de voos, exige-se que as pessoas retirem as suas reclamações e de quebra aumenta-se o valor das passagens, uma vez que a procura por viagens fica superior à oferta de aeronaves. Isso sem falar que a apagada classe política pode aparecer de repente como a “salvadora da pátria” para sanar o caos.
Assim, todos ganham com a incomum manobra. As empresas aéreas têm quase todas as suas reclamações retiradas na Justiça, a classe política local vira a heroína do povo e todo mundo daquele atrasado rincão volta a viajar de avião saindo direto da capital da província sem precisar viajar cinco dias de barco ou 24 horas de ônibus para embarcar em outra cidade ou Estado vizinho. Dessa forma, se a partir de agora o seu voo atrasar cinco, seis ou até mesmo dez ou doze horas não vá à Justiça. Aceite tudo calado! Caso contrário, a sua cidade ou até mesmo o Estado podem ficar isolados para sempre. Se por acaso você ficar sem uma conexão, fique resignado em nome da estrita possibilidade de “avião para todos”. E se por qualquer motivo você se sentir injustiçado, explorado, rebaixado, nada de buscar reparos na Justiça comum. Seja paciente, ria e pense nos outros.
O que custa uma pessoa simples, quando quer viajar, ser infringida, desrespeitada, desconsiderada, violada, desvalorizada, ridicularizada, diminuída, pisada, menosprezada, aviltada e arrasada por uma empresa aérea? Tudo passa, inclusive esses sentimentos toscos. Não te deram comida nem hospedagem numa cidade estranha por que o seu voo foi cancelado? Aguente o tranco e acredite que tudo vai dar certo depois. Nada de tentar buscar os seus direitos nos tribunais. E se você tem alguma demanda judicial contra qualquer empresa aérea, desista logo. Se seu parente morreu por que não chegou a tempo para ser tratado em um outro Estado, nada de estresse ou de picuinhas. Lembre-se: “todo mundo tem que morrer um dia mesmo”. Não há tragédia maior do que uma cidade inteira ou um Estado ficar sem voos regulares em seus aeroportos. Fato: deve-se é evitar o pior.
Não busque nunca os seus direitos mais elementares caso se sinta abusado algum dia. Pense sempre nos lucros que as empresas aéreas podem perder. Essa busca pode ser prejudicial à comunidade inteira, pois apesar da morosidade, a Justiça até que às vezes funciona. Há bons advogados que ganham muitas demandas. Por isso, se as suas férias foram “estragadas”, relaxe! No próximo ano haverá outras férias. O seu tratamento fora de domicílio, TFD, está com problemas de logística nos raros voos disponíveis? Sossegue, vá à rezadeira que talvez o problema seja resolvido por aqui mesmo. Voo atrasado é progresso. Afinal viajar de avião não é para todo mundo nos confins do mundo. Mas já há sinalizações de que os voos na província atrasada vão voltar ao normal. Os seus políticos são supimpa, mano! Todo final de ano aumenta a procura de pessoas que vão pegar praia e fazer fotos para as redes sociais. Só se vê bondade nessas empresas aéreas!
*Foi Professor em Porto Velho.