Publicada em 13/12/2023 às 15h33
Numa intervenção especial no Fórum Global de Refugiados, que teve hoje início em Genebra (Suíça), onde chegou na terça-feira à noite proveniente de Gaza, o diretor da UNRWA, Philippe Lazzarini deu conta de um cenário de devastação e desespero, reiterando o que escrevera na véspera na rede social X (antigo Twitter): a Faixa de Gaza é hoje um "verdadeiro inferno", onde "não há qualquer sítio seguro".
"As infraestruturas civis e as instalações da ONU não foram poupadas pelos bombardeamentos [de Israel]. Fiquei horrorizado com as imagens de ontem [terça-feira] de uma escola da UNRWA a ser destruída por bombas no norte de Gaza. A população de Gaza está a ficar sem tempo e sem opções, pois enfrenta bombardeamentos, privações e doenças num espaço cada vez mais reduzido", apontou.
Lazzarini explicou que "a maior parte da população de Gaza foi deslocada à força, em grande parte para a parte sul da Faixa, Rafah", cidade que alberga atualmente "mais de um milhão de pessoas", quando antes acolhia 280 mil, e que "não possui as infraestruturas e os recursos necessários para sustentar uma tal população".
"Dentro dos nossos armazéns, as famílias vivem em espaços minúsculos, separados por cobertores pendurados em finas estruturas de madeira. Ao ar livre, surgem abrigos frágeis por todo o lado. Rafah tornou-se uma comunidade de tendas", descreveu, acrescentando que "os espaços à volta dos edifícios da UNRWA estão congestionados com abrigos e pessoas desesperadas e esfomeadas".
O responsável da ONU sublinhou que "a população de Gaza está agora amontoada em menos de um terço do território original, perto da fronteira egípcia", e advertiu que "é irrealista pensar que as pessoas se manterão resistentes face a condições de vida tão inabitáveis, sobretudo quando a fronteira está tão próxima".
"A visão de um camião que transporta ajuda humanitária provoca agora o caos. As pessoas têm fome. Param o camião e pedem comida, e comem-na na rua. Testemunhei isto em primeira mão quando entrei em Gaza na segunda-feira à noite. Chamar a estas cenas desumanas é um eufemismo. A ordem civil está a ser quebrada", disse.
Assinalando que já escreveu na semana passada ao presidente da Assembleia-Geral da ONU para "alertar para o facto de a capacidade da UNRWA para cumprir o seu mandato em Gaza estar seriamente limitada", o diretor da agência, que voltou a apelar a um cessar-fogo humanitário em Gaza - rejeitado por Israel -, reforçou que "toda a resposta humanitária depende em grande medida da capacidade da UNRWA e esta está atualmente à beira do colapso".
"A UNRWA ainda está a operar oito centros de saúde, de um total de 22. Estamos a abrigar mais de um milhão de pessoas nas nossas escolas e noutras instalações. Os nossos assistentes sociais estão a apoiar as pessoas traumatizadas o melhor que podem. Continuamos a distribuir os alimentos que conseguimos trazer, mas, muitas vezes, isso não passa de uma garrafa de água e uma lata de atum por dia, por família, muitas vezes com seis ou sete pessoas", descreveu.
O diretor da UNRWA alertou uma vez mais que "esta realidade operacional não é sustentável, nem para a população, nem para a agência", que já perdeu mais de 130 membros, mortos desde o início da ofensiva israelita no enclave palestiniano.
"Muitos dos nossos funcionários, eles próprios deslocados, levam os filhos para o trabalho para garantir que estão seguros juntos ou que morrem juntos. Perguntei a um colega como é que ele conseguia manter-se calmo e oferecer ajuda num abrigo. Disse-me que procurava um canto do edifício para chorar dez vezes por dia", narrou Philippe Lazzarini.
Fazendo votos para que o II Fórum Global sobre Refugiados que hoje arrancou em Genebra dê um sinal forte da vontade política da comunidade internacional em defender os direitos humanos daqueles que fogem de conflitos, e agradecendo aos países que, "ao longo das últimas sete décadas, acolheram milhões de refugiados palestinianos", assim como aos parceiros e doadores pelo seu apoio, Lazzarini concluiu, no entanto, com uma advertência para as consequências graves do sentimento de abandono e de injustiça hoje reinante nos territórios palestinianos.
"Os refugiados da Palestina precisam de uma solução justa e não apenas de ajuda. Atualmente, sentem-se abandonados pela comunidade internacional. Sentem-se traídos pelo facto de o mundo não agir face a uma das piores catástrofes humanitárias do nosso tempo em Gaza. Acreditam agora que as vidas humanas não são iguais e que os direitos humanos não são universais. Esta é uma mensagem perigosa, que terá graves repercussões", alertou.
Segundo a ONU, mais de metade das casas foram destruídas ou danificadas pela guerra na Faixa de Gaza, onde 1,9 milhões de pessoas - 85% da população -- estão deslocadas.
De acordo com o Ministério da Saúde tutelado pelo Hamas, mais de 18 mil pessoas foram mortas na Faixa de Gaza, na sua grande maioria mulheres e menores de 18 anos, pelos bombardeamentos israelitas desencadeados pelo ataque do movimento islamita Hamas contra Israel a 07 de outubro, que provocou 1.200 mortos, na maioria civis.
Paralelamente à sua campanha de ataques aéreos devastadores, o Exército israelita conduz desde 27 de outubro uma ofensiva terrestre contra o Hamas, inicialmente concentrada no norte de Gaza e depois alargada a todo o território.