Publicada em 27/12/2023 às 09h30
Porto Velho, RO – O Poder Judiciário do Estado de Rondônia, por meio do Tribunal de Justiça de Rondônia, emitiu uma decisão que anula a votação do Projeto de Lei Ordinária n. 126 de 2023, referente às Diretrizes Orçamentárias do Município de Cacoal para o exercício de 2024.
A sentença, proferida pelo juiz Elson Pereira de Oliveira Bastos, da 1ª Vara Cível, destaca a concessão de segurança em resposta a um mandado impetrado por vereadores que alegaram irregularidades no processo legislativo.
O magistrado considerou que houve descumprimento do rito do processo legislativo constitucional, com supressão do direito à recontagem e computação dos votos.
A decisão acatou o pedido liminar para suspender a tramitação do processo legislativo, sendo que, após a notificação da Câmara Municipal de Cacoal e das autoridades coatoras, o Município se manifestou, argumentando interesse na lide em razão do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O Presidente da Câmara, por sua vez, defendeu a clareza do comando para votação e questionou a aplicabilidade do mandado de segurança, sugerindo que o Chefe do Executivo poderia vetar a emenda e devolver a matéria para apreciação da Câmara.
O Ministério Público opinou pela concessão da segurança, argumentando que houve violação ao Regimento Interno e a princípios de direito administrativo.
O juiz Elson Pereira de Oliveira Bastos, em sua decisão, destacou que os vereadores impetrantes não possuem o poder de veto e, portanto, a ação mandamental é cabível.
O magistrado fundamentou sua decisão na análise da gravação da sessão, que evidenciou o descumprimento do Regimento Interno da Câmara dos Vereadores de Cacoal. Houve infração ao art. 177, § 1º, que assegura aos vereadores a possibilidade de requerer a verificação do resultado mediante votação nominal, pedido que foi ignorado pelo Presidente da Casa.
Além disso, a decisão ressaltou que a votação do Projeto de Lei e suas emendas ocorreu em meio a um tumulto generalizado, sem a observância dos procedimentos regimentais, contrariando princípios constitucionais da legalidade e moralidade.
O magistrado julgou procedente o pedido inicial, concedendo a segurança e determinando a anulação da votação do Projeto de Lei, assim como todos os atos praticados após a votação no referido processo. Uma nova sessão legislativa foi determinada para incluir o projeto na ordem do dia, considerando a iminência do exercício de 2024.
A sentença é passível de reexame necessário, sujeita à análise do Tribunal de Justiça de Rondônia em caso de eventual recurso. O magistrado extinguiu o feito com resolução do mérito, sem a condenação em honorários e custas, e determinou a intimação das partes via Diário de Justiça Eletrônico.
CONFIRA:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça de Rondônia Cacoal - 1ª Vara Cível Avenida Cuiabá, nº 2025, Bairro Centro, CEP 76963-731, Cacoal, - de 1727 a 2065 Processo: 7015523-20.2023.8.22.0007 §Classe: Mandado de Segurança Cível IMPETRANTES: E. C., P. R. D. B., R. R. M., E. K. L., J. C. D. A., M. D. S. M., L. A. N. F. ADVOGADOS DOS IMPETRANTES: TONY PABLO DE CASTRO CHAVES, OAB nº RO2147A, ABDIEL AFONSO FIGUEIRA, OAB nº RO3092 IMPETRADOS: V. C., M. D. D. C. M. D. C. ADVOGADO: ERIVELTON KLOOS, OAB/RO 6710
SENTENÇA
Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado em face de atos do Presidente da Câmara Municipal de Cacoal e da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Cacoal, alegadamente lesivos a direito líquido e certo dos impetrantes, consistentes no indeferimento do direito de ter a repetição da contagem dos votos e na alteração do resultado da votação simbólica. Aduzem que houve o aviltamento do devido processo legislativo constitucional e dos princípios constitucionais que regem a administração pública. Deferido o pedido liminar para suspender a tramitação do processo legislativo. Realizada a notificação da Câmara Municipal de Cacoal e das autoridades indicadas como coatoras. O Município de Cacoal apresentou manifestação aduzindo ter interesse na lide em razão da tramitação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentarias – LDO, bem como argumentou que houve violação do processo legislativo com inobservância do art. 177, § 1º, do Regimento Interno da Câmara. Assim, manifestou-se anulação da votação do projeto de lei e convocação de nova sessão legislativa com urgência. O Presidente da Câmara Municipal de Cacoal apresentou informações aduzindo que o comando para votação foi claro e que não restou dúvidas quanto ao resultado da votação, sendo esta simbólica nos termos do art. 176, § 1º do Regimento Interno. Argumenta que a disposição do § 1º está obsoleta em razão das atas eletrônicas e o não cabimento da ação mandamental, pois poderia o Chefe do Executivo vetar a emenda e fazer com que a matéria fosse devolvida para apreciação da Câmara Municipal. Por fim, aduz não ser possível a dilação probatória e que os impetrantes não comprovaram a existência de direito líquido e certo devendo ser denegada a segurança. O Ministério Público apresentou manifestação aduzindo que houve violação ao Regimento Interno e a princípios de direito administrativo e opinou pela concessão da segurança pleiteada. É o relatório. Decido. O impetrado argumenta o não cabimento da ação mandamental ao fundamento de que o veto do Chefe do Poder Executivo seria o caminho adequada de recurso administrativo e que o conhecimento da matéria controvertida demandaria dilação probatória, o que não é admitido na via eleita. Os impetrantes são vereadores do Município de Cacoal e, logicamente, não possuem o poder de veto reservado ao Executivo, evidenciando a existência de interesse legal e o cabimento desta ação mandamental.
Tratando-se da ação de mandado de segurança, a produção de provas se limita a situações excepcionais de requisição de prova documental em poder de autoridade, repartição ou estabelecimento público que se recuse a fornecê-la (art. 6º, § 1º, Lei n. 12.016 /2009). No entanto, não há nestes autos pedido de produção de outras provas, razão pela qual será o mérito decidido a par da prova pré-constituída nestes autos. Alegam os impetrantes que o ato praticado pelos coatores acarretou lesão a direito líquido e certo, notadamente pelo descumprimento do rito do processo legislativo constitucional, tendo havido supressão do direito à recontagem e computação dos votos. O art. 177 do Regimento Interno da Câmara dos Vereadores de Cacoal dispõe que: Art. 177.
O processo simbólico será a regra geral para as votações, somente sendo abandonado por impositivo legal ou regimental ou a requerimento aprovado pelo Plenário. § 1° Do resultado da votação simbólica qualquer Vereador poderá requerer verificação mediante votação nominal, não podendo o Presidente indeferi-lo. § 2° Não se admitirá segunda verificação de resultado da votação. § 3° O Presidente, em caso de dúvida, poderá, de ofício, repetir a votação simbólica para a recontagem dos votos. No caso dos autos, os documentos apresentados com a exordial, notadamente a mídia audiovisual, demonstram que os impetrantes reclamaram a verificação dos votos da primeira emenda colocada em votação na Casa Legislativa, sendo referido pedido ignorado pelo Presidente, situação esta que se traduz em manifesta infração ao Regimento Interno (art. 177, § 1º). A mera existência de ata eletrônica não é suficiente para afastar o direito dos impetrantes à verificação mediante votação nominal garantida pelo Regimento Interno. Ademais, ao contrário do alegado pelos impetrados, o comando apresentado pelo Presidente da Câmara não foi claro, pois as proposições enunciadas relevaram-se contraditórias e inconciliáveis, conforme trecho constante da gravação (a partir do instante 2:08:18), em que o Presidente da Câmara estabelece que os favoráveis deveriam se manter e na sequência de que os favoráveis a emenda deveriam se levantar. Esta alteração da conduta a ser observada em enunciados contrários proferidos sequencialmente gerou dúvida quanto à ação a ser executada, de modo que o resultado não foi produto de uma escolha racional deliberada, mas ato meramente reflexo, desvinculado dos pressupostos para um juízo deliberativo.
Por isso a insurgência de alguns dos vereadores impetrantes denota ser legítima a disposição regimental que confere ao vereador a possibilidade de requerer a verificação do resultado mediante votação nominal, requerimento que não pode ser indeferido pelo Presidente, conforme expressa disposição regimental (art. 177, § 1º). No tocante a votação das demais emendas e do próprio Projeto de Lei, verifica-se da mídia audiovisual que foram colocados em votação e aprovados em meio a um tumulto generalizado, sem que fossem observados quaisquer dos procedimentos regimentais para a concessão da palavra ou mesmo pudesse ser seguramente aferida a vontade dos vereadores quanto a matéria posta em votação. A votação de um Projeto de Lei com a inobservância do processo legislativo e em meio a um tumulto generalizado certamente contraria também os princípios administrativos constitucionais da legalidade e moralidade, consoante observado pelo Ministério Público.
Por fim, cabe assinalar que o contexto noticiado, para além de violar normas regimentais e os princípios constitucionais afetos à Administração, como a legalidade e a moralidade, resulta também em afronta direta ao devido processo legislativo (art. 59, III, CF), ao livre exercício da função parlamentar (por impedir o próprio voto parlamentar) e ao princípio Democrático (art. 1º, CF), por obstar a livre participação dos representantes eleitos nas deliberações do Poder Legislativo municipal, tornando-se a "deliberação" apenas um simulacro, que em sua essência nada mais é que um ato autoritário, produto unicamente da vontade do Presidente da Casa, que faz prevalecer as suas decisões pessoais sobre as deliberações dos seus pares tomada coletivamente. Assim, é cabível o controle jurisdicional na forma da orientação jurisprudencial do STF, consolidada no Tema 1120 da Repercussão Geral: Em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis.
Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para CONCEDER A SEGURANÇA e ANULAR a votação do Projeto de Lei Ordinária n. 126 de 2023, que dispõe sobre as Diretrizes Orçamentárias do Município de Cacoal para o exercício de 2024 e suas emendas modificativas, e todos os atos praticados após a votação no referido processo, bem como DETERMINAR que seja convocada nova sessão legislativa com inclusão na ordem do dia do aludido projeto de lei ante a iminência do exercício de 2024. Extingo o feito com resolução do mérito, com fundamento no artigo 487, I, do CPC. Sem honorários, nos termos do artigo 25 da Lei Federal nº. 12.016/2009 e Súmulas 512 do STF e 105 do STJ. Sem custas (art. 5º, I, da Lei Estadual nº. 3.896/16).
Sentença sujeita a reexame necessário (art. 14, §1º da Lei Federal nº. 12.016/2009). Registro e publicação pelo PJE. Intimação das partes com advogado constituído via DJe. À CPE: 1. Cadastre-se o advogada da parte impetrada junto ao PJE. 2. Intime-se via PJE as procuradorias. 3. Em caso de recurso, desnecessária conclusão, devendo proceder conforme parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 1.010 do CPC. 4. Após, encaminhe-se os autos ao E. TJRO para análise de eventual recurso e reexame necessário.
Cacoal, 26 de dezembro de 2023
Elson Pereira de Oliveira Bastos Juíza de Direito