Publicada em 21/03/2024 às 14h54
Por Larina Rosa*
Porto Velho, RO – Viajando de ônibus sozinho para outro município me deparei com aquele sentimento que todas nós sentimos diariamente. Aquele que foi inserido ainda criança e que infelizmente faz parte da vida de todas nós mulheres mesmo quando não queremos, o medo.
É um alívio quando tem uma poltrona ao lado vazia para arriscar um cochilo durante a viagem. Mas e se por acaso algum homem sentasse do lado e tentasse me tocar sem o meu consentimento? Eu iria gritar ou travar? Se eu gritasse poderia ser que ninguém tomasse partido ou acreditasse em mim. A segunda opção é a que mais acontece no nosso dia a dia.
O choque do abuso nos paralisa e na maioria das vezes faz com que a gente se culpe. Eu devia ter escolhido outra poltrona, ou outro ônibus, horário ou até outra vida. Funciona assim no trabalho em casos de assédio, em relações amorosas e até de amizade onde também acontece assédio, abuso e agressão. O medo é diário e muitas vezes nos impede de seguir.
Viver em um mundo machista, liderado por homens faz com que ações e pensamentos de culpa por abuso ou assédio persistam nos pensamentos de mulheres antes de denunciar. A notícia de liberdade provisória do jogador condenado por estupro que pagou fiança para sair da prisão é um recado para homens violentarem mulheres e continuarem impunes.
Mais uma vez precificaram o valor do estupro e chamaram de justiça. É mais um exemplo de que mesmo quando alguém faz algo contra a nossa vontade somos responsabilizadas por tamanha covardia.
“Se ele fez isso é porque deu abertura, ou o seu desconforto com a ação do outro não é necessário”. São esses e outros piores confortos recebidos, às vezes até por outras mulheres, vítimas do machismo.
Precisamos aprender a tomar partido da dor do outro e de leis mais severas em casos de abusos ou assédio contra mulheres. São ações solidárias que nos fazem humanos e mudam nossos costumes. Ninguém sentou do meu lado durante a viagem e nem sequer sofri abuso, assédio nem agressão. Mas e se tivesse? Quanto vale minha dignidade?
Deixo aqui toda minha solidariedade às mulheres que já passaram por casos parecidos e não viram seus agressores sendo punidos. Haverá um dia que qualquer ato de abuso ou importunação não será tolerado, e a violência sobre os nossos corpos também não será precificada. Até lá só nos resta reivindicar leis mais severas para tentar transformar a cultura de que ainda hoje não merecemos respeito.
*Jornalista rondoniense que acredita na luta contra a violência de gênero e igualdade de direito das mulheres