Publicada em 16/04/2024 às 14h43
Porto Velho, RO – No cerne da Amazônia, onde as árvores guardam segredos mais antigos que o próprio tempo, a Justiça de Rondônia demonstrou uma firmeza rara e necessária. Com a condenação a 18 anos de reclusão de um réu por homicídio duplamente qualificado do professor e ativista indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, observa-se não apenas um veredito judicial, mas um manifesto claro de que a violência contra os povos originários não será tolerada.
Este caso, que culminou na sentença proferida esta semana, reforça a mensagem de que em Rondônia, a lei deve proteger todos os cidadãos, independentemente de sua etnia ou posição social.
Ari Uru-Eu-Wau-Wau não era apenas um professor; ele era um baluarte na luta pela preservação da floresta e pela soberania de seu povo sobre a terra que ancestralmente lhes pertence. Sua morte em 2020 foi não apenas um ato brutal de violência, mas um ataque direto às linhas de frente do ativismo ambiental e indígena. Por muito tempo, Rondônia, um estado com raízes conservadoras, pareceu fechar os olhos para as injustiças sofridas por suas minorias.
No entanto, a decisão do Tribunal do Júri de Jaru é um sinal de mudança, uma esperança de que a impunidade está perdendo terreno.
O Promotor de Justiça Roosevelt Queiroz Costa Júnior desempenhou um papel crucial nesse avanço. Com uma acusação meticulosamente preparada, ele não só assegurou a condenação do assassino, mas também reiterou a dignidade da causa pela qual Ari lutou. Além disso, merece destaque o esforço descomunal do assistente de acusação, Ramires Andrade, que colheu provas pessoalmente.
Ao enfatizar as qualificações do crime — motivo fútil e uso de meio que dificultou a defesa da vítima —, o promotor destacou a premeditação e crueldade envolvidas, ressaltando a gravidade de tais atos contra um defensor dos direitos indígenas.
Essa condenação é mais do que uma resposta a um crime; é uma declaração política e social de que os direitos dos povos indígenas devem ser resguardados com vigor. O papel da Justiça não é apenas punir, mas também prevenir, educar e transformar uma sociedade. Rondônia está em um ponto de inflexão, enfrentando o desafio de equilibrar o desenvolvimento e a conservação, a inovação e a tradição.
O caso de Ari Uru-Eu-Wau-Wau já deixou sua marca fora dos tribunais, inspirando obras artísticas e um documentário que levam sua mensagem a um público mais amplo. Este é o poder do legado: transformar tragédia em ação, silêncio em diálogo.
Com essa decisão, a Justiça de Rondônia não apenas honra a memória de Ari, mas envia uma mensagem clara aos seus cidadãos e ao mundo: a era da impunidade está chegando ao fim.
Pairam dúvidas ainda assim
Ainda sobre a investigação sobre a morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau, um manto de suspeitas e inconsistências persiste por parte de quem o conhecia, lançando dúvidas sobre a narrativa de um crime motivado por razões fúteis. A comunidade indígena, profundamente cética em relação à simplicidade do motivo alegado, sustenta uma teoria mais sombria e complexa. Acreditam que Ari, conhecido por sua dedicação como guardião da floresta, foi assassinado a mando de interesses contrariados por sua atividade ambiental. Este caso, tratado inicialmente com negligência pela polícia civil que ignorou evidências cruciais, somente ganhou a devida atenção com a intervenção da Polícia Federal, que, apesar de confirmar a autoria do crime, admitiu a possibilidade de cumplicidade ainda não investigada. O povo Uru-Eu-Wau-Wau não apenas busca justiça pelo assassinato, mas também clama por respostas sobre quem, de fato, estaria por trás desse ato brutal.
O trabalho investigativo de Luciana Oliveira, uma jornalista independente, tem sido vital para trazer à luz a complexidade e as camadas de injustiça envolvidas nesse caso e em outros tantos. Através de seu engajamento com entidades de luta social e a cultura local, Luciana tem ajudado a narrar essa e outras histórias similares. Seu trabalho encontra ressonância até mesmo no documentário "O Território", que além de iluminar essas questões, alcançou reconhecimento internacional ao vencer três categorias no 75° Emmy Awards, incluindo a de Mérito Excepcional na Produção de Documentários. Este reconhecimento não é apenas um triunfo artístico, mas também um endosso da importância da luta dos povos indígenas na preservação de suas terras e culturas.
A comunidade e apoiadores continuam a pressionar por investigações mais profundas, esperando desvendar as verdadeiras motivações e os possíveis coautores que permanecem nas sombras deste caso trágico. São, para todos os efeitos, a mola propulsora daquilo que se compreende como o começo de uma centelha de justiça.
Esta não é apenas uma vitória para a família de Ari ou para os Uru-Eu-Wau-Wau; é uma vitória para todos aqueles que acreditam em um Brasil justo e equitativo. O Rondônia Dinâmica aplaude a determinação e coragem demonstradas pelo Ministério Público e pelo sistema judicial do estado, além de seus “provocadores”, os membros da etinia, os amigos de Ari, seus familiares e amigos, esperando que este caso sirva como um farol para futuras ações em defesa dos direitos de todos os povos originários.