Publicada em 20/04/2024 às 09h12
Porto Velho, RO – O deputado federal Coronel Chrisóstomo, do PL regional, moveu uma ação contra o portal de notícias Rondônia Dinâmica pedindo, judicialmente, direito de resposta a editoriais veiculados pelo site.
Usando servidor de seu Gabinete em Brasília como advogado na demanda, fora solicitado, em nome do político de direita, censura prévia do site de notícias invocando, ainda, artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Por fim, quis levar para casa nada mais nada menos do que R$ 30 mil em indenização por danos morais em decorrência de postagens que, segundo ele, o expuseram de maneira degradante.
Na última quarta-feira, 17, a juíza Jackeline Cordeiro de Oliveira, da 22ª Vara Cível de Brasília, julgou o pleito improcedente. Chrisóstomo terá de arcar com as custas processuais, mas pode recorrer.
O advogado de Chrisóstomo é secretário parlamentar e recebe remuneração em torno dos R$ 11 mil por mês para desempenhar o ofício legislativo, como funcionário público, logo custeado pelo esforço do povo brasileiro. Em suma, é, para todos os efeitos, um homem muito bem remunerado.
A atividade dele como servidor público parece não se confundir, no entanto, com a figura de procurador legal do parlamentar, que assinou procuração em seu nome num documento autônomo e de relação privada que leva a logomarca do escritório, também na capital federal.
Como advogado, questionar seus métodos não seria algo plausível nem correto. Pela defesa do cliente o procurador deve fazer o possível, dentro da lei, para fazer valer seus direitos.
Mas como funcionário público em cargo de confiança não merece o mesmo tratamento, já que, custeado com dividendos do povo, tem de prestar contas sobre o exercício de suas atividades. E não à imprensa em si, mas à sociedade, de modo geral.
É ilegal advogar para o homem que o empregou na esfera pública? Não! Mas será que é moral? Será que é justo? Será que as duas atividades estão alinhadas em termos de horários e prestação de serviços? São perguntas que a própria Câmara Federal, o deputado, o servidor/advogado ou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) podem fornecer, caso queiram maior transparência nesse assunto.
Uma das estratégias adotadas por Coronel Chrisóstomo e seu representante legal, o funcionário público, pareceu, então, justamente geográfica. Isto, visando “tocar” a ação em Brasília num rito extramamente acelerado, dificultando a defesa do jornal situado em Porto Velho, Rondônia.
Acabou que os autos se resolveram por si. O jornal foi revel, e, ao fim, a magistrada anotou na sentença:
“Relevante repisar que o autor [Coronel Chrisóstomo] é pessoa com atividade pública, o que recrudesce a sujeição a críticas, inclusive veiculadas por meios amplos de comunicação, de modo que o teor da matéria, que desvela crítica negativa, ainda que acarrete dissabores à pessoa do requerente, não pode ser reputado ofensivo”, anotou em trecho da demanda.
Em outro techo, aponta:
“A matéria impugnada não desvela a prática de excesso, a solapar a honra e o nome do autor, transparecendo, ao revés, o ânimo de opinar e informar sobre aspectos revestidos de evidente interesse da sociedade. [...] Com isso, se faz afastada a configuração de ilicitude, a evidenciar a ofensa contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome ou a imagem do autor, antecedente necessário para que se tutele o direito de resposta [...]”, encerrou.
Antes da sentença, o Rondônia Dinâmica foi intimado para explicar, em 24 horas, as razões pelas quis não concedeu o direito de resposta a Coronel Chrisóstomo.
Essa resposta foi elaborada pela direção do site de notícias, repassada a seus advogados, mas, com tamanha dificuldade para ingressar nos autos em Brasília, a causa se resolveu sozinha, sem a inserção da solicitação do Judiciário.
O Rondônia Dinâmica, então, veiculará sua visão jornalisticamente, fora dos autos. A posição marca um manifesto a favor da liberdade de expressão e imprensa repudiando qualquer forma de censura intentada por autoridades fora da seara democrática.
Apesar da tentativa de Chrisóstomo de obter uma censura prévia e uma indenização por danos morais, a Justiça julgou a ação improcedente, enfatizando que a posição pública do autor o torna mais suscetível a críticas, que devem ser toleradas desde que não ultrapassem o limite do respeito e da legalidade. A decisão reforça a importância da imprensa livre e da responsabilidade judicial em proteger o direito à informação e à crítica construtiva, essenciais para a manutenção da democracia.
CONFIRA A RESPOSTA QUE SERIA ENVIADA À JUSTIÇA:
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
Vigésima Segunda Vara Cível de Brasília
Número do processo: 0704278-91.2024.8.07.0001
Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)
REQUERENTE: JOAO CHRISOSTOMO DE MOURA
REQUERIDO: RONDONIA DINAMICA COMERCIO E SERVICOS DE INFORMATICA LTDA
Ao senhor excelentíssimo juiz de direito,
Com os cumprimentos de praxe,
A negativa de veiculação do pedido de direito de resposta tem base estritamente moral e filosófica. Em quaisquer outras ocasiões, a empresa jamais se eximiria em fazê-lo. Lado outro, por uma questão daquilo que percebe como tentativa de censura por meio de ativismo judicial custeado com dinheiro público, não viu opção senão deixar o parlamentar invocar a Justiça para que esta, aí sim, deliberasse sobre o caso.
Primeiramente é importante ressaltar o seguinte: o jornal eletrônico Rondônia Dinâmica existe desde 2007, com sede em Porto Velho, Rondônia. Seu trabalho de imprensa, especialmente no campo investigativo, já rendeu ao site três prêmios de Jornalismo do Ministério Público de Rondônia (MP/RO).
Além disso, há mais de uma década, escreve opiniões avulsas durante a semana e editoriais “religiosamente” publicados aos sábados.
Desses editoriais, saíram mudanças institucionais importantes para o estado: como, extinção de pensões vitalícias custeadas a ex-governadores e dependentes; ferramenta de transparência em decisões do Tribunal de Contas do Estado (TCE/RO) e estancamento de vazamentos de dados privados de funcionários públicos por uso negligente do Sistema Eletrônico de Informação (SEI).
A ideia de se opinar sobre a categoria política local, com ênfase, linguagem por vezes rebuscada, embora ligeiramente irônica – e bem humorada –, é simples: chamar a atuação da sociedade rondoniense às respectivas atuações.
Na ação que move contra o veículo de comunicação, o deputado federal João Chrisóstomo de Moura, conhecido como Coronel Chrisóstomo, do PL, alega, entre outros pontos, ser vítima de gravíssimas ofensas, descontextualização de suas falas na Tribuna, e, ainda, perseguição de ordem política.
Para respaldar seus pontos, anexou dois links publicados pelo Rondônia Dinâmica, ambos textos de opinião publicanos pelo site.
O primeiro, intitulado ¹“Ofensas de Chrisóstomo a Flávio Dino mostram que o espelho do coronel está quebrado: deputado se vê como o suprassumo da beleza” trata da sua falta de autocrítica ao ofender o então ministro Flávio Dino [atual ministro do STF] no Plenário da Câmara Federal, falando de seu peso e, ainda, ameaçando-o.
A publicação foi resultado direto de seu comportamento que ganhou as páginas jornalísticas da imprensa nacional. O texto invoca uma reflexão acerca da sua auto-percepção, vez que, apelando ao físico de um desafeto político, o parlamentar esqueceu que ele próprio não é o suprassumo da Humanidade no quesito.
A segunda veiculação, denominada ²“Capital de Rondônia – O xadrez político da direita: entre a experiência e o caricato nas eleições de Porto Velho” fala sobre candidatos de direita nas eleições de 2024 em Porto Velho, a capital de Rondônia.
No texto, Chrisóstomo é citado logo no começo assim:
“[...] O Coronel Chrisóstomo, do PL, emerge como um nome sondado, destacando-se por sua lealdade a Jair Bolsonaro. Contudo, sua atuação na política é marcada por uma personalidade controversa e por críticas relacionadas à falta de iniciativas efetivas para beneficiar Rondônia. No espectro bolsonarista, Chrisóstomo se destaca, mas não apenas por suas posições políticas. Sua abordagem ruidosa e polêmica, expressa principalmente em pronunciamentos estridentes no Plenário, levanta questionamentos sobre sua capacidade de efetivamente promover políticas públicas no estado. Seu estilo, caracterizado por embates com o Poder Judiciário e ataques a autoridades, revela uma abordagem que se distancia do pragmatismo observado em outros líderes políticos de direita”.
Esse argumento tem base em inúmeros vídeos onde o parlamentar usa a Tribuna, e, na visão da empresa, se utiliza do histrionismo a fim de chamar a atenção. É uma crítica de ordem estritamente política, levando em conta praticamente todos os pronunciamentos feitos na Câmara Federal.
Em suas redes sociais, há muitas veiculações a respeito das denominadas pautas “morais”, contra o “comunismo”, e muito pouco em relação às políticas públicas fomentadas por ele enquanto deputado de Rondônia. Esse é o termômetro utilizado para caracterizá-lo de tal forma.
O jornal Rondônia Dinâmica, em sua história recente, divulgou diversas críticas a políticos do estado.
³O senador Confúcio Moura, do MDB, é rotineiramente ironizado por se achar melhor que os outros. ⁴O senador Marcos Rogério, colega de partido de Chrisóstomo, também já foi criticado em editoriais do Rondônia Dinâmica. Por fim, o pecuarista ⁵Jaime Bagattoli, da mesma legenda, idem. ⁶Ivo Cassol, ex-governador de Rondônia, igualmente. Essas veiculações críticas fazem parte da rotina da imprensa, especialmente em ano de eleição, até porque eleitoras e eleitores querem relembrar a postura de seus representantes. A população também gosta de estar por dentro das incoerências, e esta é, ainda, mais uma parte do motivo filosófico pelo qual o Rondônia Dinâmica se negou a dar o direito de resposta a Coronel Chrisóstomo, vez que o parlamentar costuma abordar muito os temas “censura” e “liberdade de expressão”, embora tente praticar o primeiro e cercear o segundo em relação às informações que o desagradam.
Agora, a despeito da incisividade nas cobranças feitas pelo Rondônia Dinâmica, Confúcio Moura, Marcos Rogério, Jaime Bagattoli e Ivo Cassol jamais tentaram criar intimidações judiciais nem muito menos pediram censura prévia de um veículo de comunicação, como o faz Chrisóstomo em sua petição inicial no ITEM G na seção de requerimentos, onde pede:
“[...] Que a Ré se abstenha de veicular a mesma matéria ou semelhante no futuro [...]”.
O Brasil viveu sob ditadura militar por cerca de 21 anos, de 1964 a 1985. O golpe militar ocorreu em 31 de março de 1964, quando as Forças Armadas brasileiras depuseram o presidente democraticamente eleito João Goulart. Foi o período em que o jornalismo e seus artífices mais sofreram com repressão, tortura, censura e até mortes, como no caso de Vladimir Herzog. À memória de Herzog, nós, que herdamos a função de informar, não podemos nos dobrar ao desgosto de autoridades democraticamente eleitas que se negam a receber críticas enquanto se refestelam em glórias e láureas debruçadas sobre a sociedade brasileira à qual juraram servir.
Por fim, mas não menos importante, o direito de resposta não foi concedido ao Coronel Chrisóstomo porque o empreendimento considera que as manifestações feitas por meio de opinião e editorial em relação à sua postura, condutas e falas já são uma resposta a comportamentos deflagrados anteriormente. No mais, o deputado tem uma Tribuna para falar com o Brasil todo, e é exatamente por isso que, ao fim dos seus pronunciamentos, pede que seus discursos sejam veiculados na Voz do Brasil. O papel de vítima não lhe cabe, na visão deste jornal eletrônico, portanto.
Estas foram as motivações que levaram o jornal a rechaçar os pedidos de direito de resposta. E a decisão administrativa, no campo privado, será mantida até ordem judicial em contrário.
Obrigado desde já.
Rondônia Dinâmica
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Referências:
¹ https://www.rondoniadinamica.com/noticias/2023/06/ofensas-de-chrisostomo-a-flavio-dino-mostram-que-o-espelho-do-coronel-esta-quebrado-deputado-se-ve-como-o-suprassumo-da-beleza,164110.shtml