Publicada em 27/04/2024 às 11h40
Na mitologia grega, Narciso era um jovem de rara beleza que, incapaz de amar qualquer outra pessoa além de si mesmo, apaixonou-se perdidamente por sua própria imagem refletida na superfície de um lago. Consumido por seu amor não correspondido, ele murchou ao lado das águas, transformando-se em uma flor que hoje leva seu nome. Este antigo mito ressoa com estranha clareza no cenário político de Rondônia, particularmente na figura de Ivo Narciso Cassol, cujas recentes ações revelam uma fascinação semelhante por sua própria imagem e legado político.
Ivo Cassol, ex-governador de Rondônia e multimilionário, com um patrimônio declarado de R$ 134 milhões, recentemente reivindicou ao Supremo Tribunal Federal a retomada de uma pensão vitalícia. Esta pensão, baseada em uma lei já extinta que previa o pagamento vitalício a ex-governadores, foi julgada inconstitucional pelo mesmo STF. No entanto, a corte manteve os pagamentos para aqueles que já recebiam o benefício antes da decisão, em nome da "segurança jurídica". Aqui, o legal e o moral se bifurcam, deixando à mostra um dilema ético que ressoa nas águas estagnadas do interesse público.
O pedido dos advogados de Cassol para retomar o pagamento dessa pensão, justificado pela suposta necessidade de “manutenção de sua subsistência”, soa paradoxal diante do vasto patrimônio do ex-governador. Argumentar que a suspensão da pensão impacta significativamente sua vida financeira parece desafiar a credulidade pública, especialmente quando confrontado com o conceito de subsistência que a maioria dos cidadãos enfrenta diariamente.
O espelho d'água em que Cassol se mira parece distorcer a realidade ao seu redor. Em uma entrevista recente a uma rádio do interior, ao falar sobre sua inelegibilidade, Cassol declarou: "Eu não, na verdade quem está pagando é o povo, porque quem perdeu esse tempo todo, dessa minha inelegibilidade, dessa situação, foi a população de Rondônia, foi a população do meu Estado". Agora, paradoxalmente, Cassol quer que esse mesmo povo pague pelo resto de sua vida uma pensão que ele alega ser vital para sua subsistência.
Esta afirmação é uma reflexão distorcida, considerando que sua inelegibilidade decorreu de condenação por fraude em licitação ocorrida quando foi prefeito de Rolim de Moura/RO entre 1998 e 2002. É uma narrativa que reflete a mesma fascinação de Narciso por sua imagem, uma imagem que, no caso de Cassol, é construída não a partir de sua beleza, mas de um poder que ele reluta em reconhecer como perdido.
Além disso, ao pleitear não apenas a retomada da pensão, mas também o pagamento retroativo, Cassol não apenas olha para sua própria imagem nas águas, mas deseja que a sociedade reflita essa mesma imagem, custe o que custar. A alegação de que a pensão tem "natureza de verba alimentar" e que o impacto de sua falta é devastador para ele, contrasta estridentemente com a realidade financeira de um patrimônio de milhões.
Este cenário levanta uma reflexão mais profunda sobre a distância entre liderança e o culto à própria imagem. Assim como Narciso, Cassol parece incapaz de perceber algo além do reflexo de sua própria figura na superfície da política. A tragédia do mito grego não está apenas na morte de Narciso, mas na incapacidade de reconhecer o mundo ao seu redor, algo que se assemelha perigosamente à cegueira de Cassol para com as verdadeiras necessidades do povo de Rondônia.
Portanto, enquanto Ivo Narciso Cassol contempla sua imagem refletida no lago de suas conquistas passadas, ele faz pouco para convencer a população de que sua liderança é algo além de um amor próprio que desconsidera as realidades econômicas e éticas de seus eleitores. O espelho que Cassol escolhe olhar talvez mostre mais do que ele gostaria: uma imagem de alguém que, embora afastado do poder direto, ainda deseja as recompensas sem enfrentar o seu verdadeiro reflexo.
Excelente texto e reflexão.. parabéns ao Rondoniadinamica. Jornalistas assim, estão em falta, atualmente.