Publicada em 13/05/2024 às 15h28
Nos livros de Ciências, ela está presente e é muito falada durante a escola: doença de Chagas — causada por um protozoário (Trypanosoma Cruzi) e transmitida pela picada do barbeiro. Para muita gente, a história com a doença termina aí. Mas essa não é a realidade de muitos brasileiros. Oitenta por cento dos pacientes que recebem implante de marcapasso, em procedimentos realizados no Hospital de Base de Brasília, no Distrito Federal, deram entrada na unidade com problemas cardíacos causados pela doença de Chagas. É o que relata o cirurgião cardiovascular José Joaquim Vieira Junior. O especialista trabalha na unidade de referência regional na rede do SUS em cirurgias cardíacas, onde são realizados 600 implantes anuais desse dispositivo que controla os batimentos do coração em casos de arritmias.
A estimativa do especialista ilustra a persistência desta doença secular, descoberta pelo médico sanitarista Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, em 1909, como problema de saúde pública, com baixa notificação.
Informação de boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, publicado em abril deste ano, sobre notificações da doença de Chagas, reforça isso. O documento destaca: “apenas 7% das pessoas com doença de Chagas são diagnosticadas, e somente 1% recebe tratamento adequado no século XXI”. “[A Doença de Chagas] Segue ainda nos dias de hoje acometendo principalmente pessoas com alta vulnerabilidade social, podendo gerar intensos impactos na qualidade de vida, em especial a incapacidade, o medo e o estigma”, reforça o documento.
Segundo o levantamento, entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024, 5,4 mil casos confirmados de doença de Chagas crônica, de 710 municípios, foram registrados no sistema e-SUS Notifica. Além disso, autoridades de saúde estimam que entre 1 milhão e 3 milhões de pessoas tenham a doença no país, representando perigo para moradores de áreas endêmicas, concentradas nas regiões Norte e Nordeste brasileiras. Consta ainda como uma das 11 doenças e 5 infecções socialmente determinadas a terem cargas de transmissão e mortalidade reduzidas, num esforço conjunto de 14 ministérios no programa Brasil Saudável, do Governo Federal.
Se não identificada no início da infecção, a doença de Chagas pode se tornar crônica e atacar órgãos como esôfago, intestino e coração. Outra estimativa apontada pelo boletim do Ministério é a de que entre 30% e 50% dos pacientes desenvolverão a forma de cardiopatia crônica. Essa condição médica possui três formas de apresentação clínica: síndrome arrítmica, insuficiência cardíaca e complicações tromboembólicas sistêmicas e pulmonares.
Doença de Chagas: ‘Mega coração’ e necessidade do marcapasso
“O parasita atinge a musculatura cardíaca e faz uma espécie de inflamação no músculo cardíaco, levando à degeneração das fibras, causando um aumento da área do coração. Como se você esticasse um elástico por muito tempo e ele ficasse frouxo. Conhecido como o 'mega coração'”, explica o cirurgião José Joaquim Vieira Junior.
“É o primeiro acometimento — o coração. Geralmente, é o mais trágico e o que as pessoas se preocupam mais. A maioria dos pacientes que colocam dispositivos cardíacos na nossa região é por doença de Chagas”, complementa o médico do DF.
Considerada multissistêmica, a doença de Chagas é caracterizada por uma fase aguda — que pode durar até algumas semanas ou meses — apresentando frequentemente sintomas leves ou pode ser até mesmo assintomática. Mas também existe a fase crônica. E é assim que o vigilante Carlos José Rosa, de 56 anos, morador do Gama, no Distrito Federal, convive com Chagas há mais de 40 anos. Ele contraiu a doença ainda menino, em Goiás. Aos 12 anos, teve o primeiro sintoma — um estreitamento no esôfago — que foi resolvido com cirurgia.
Anos mais tarde, quando Carlos tinha 38 anos, os primeiros problemas cardíacos começaram a surgir e mais uma cirurgia, dessa vez para a implantação de um marcapasso, foi feita. “O coração estava ruim, perdendo batimento cardíaco — batendo a 25 por minuto —, pressão a 6 por 4. Foi quando fiz a implantação do marcapasso que resolvi esse problema. O batimento normal passou para 60 e a pressão voltou ao normal”, relata.
Mas Carlos sabe que a doença Chagas crônica pode afetar outros órgãos, como intestino, por exemplo. Segundo ele, já aprendeu a conviver com a doença e quando um novo órgão é afetado, ele vai “trocando as peças”.
Doença de Chagas: transplante de coração
O coração do aposentado e morador de Samambaia, no Distrito Federal, Adelino da Costa Lima, de 51 anos, também foi o órgão mais afetado pela doença de Chagas. Há 30 anos, ele foi infectado pela doença, em Bonfinópolis de Minas (MG), no noroeste mineiro. Em 2011, precisou implantar um marcapasso para ajustar os batimentos cardíacos. Mas em 2019, o órgão foi ficando mais fraco e só um transplante seria capaz de salvar a vida dele. Adelino recebeu o novo coração. Mas conta que conviver com a Chagas exige cuidados.
“A partir do momento que a pessoa descobre e acusa a doença, todo ano é preciso fazer exames para descobrir se a doença está se desenvolvendo ou não”, explica Lima.
Doença de Chagas: alta incidência no estado do Pará
No Brasil, o estado com maior incidência da doença é o Pará — responsável por 80% das ocorrências. As informações são da Secretaria de Estado de Saúde Pública do estado. Em 2022, foram 352 casos confirmados.
Uma doença silenciosa, que pode impactar diversos órgãos do corpo e até mesmo levar à morte, como explica o coordenador estadual do Programa de Controle da Doença de Chagas no Pará, Eder Monteiro.
“Pode levar a complicações cardíacas graves como insuficiência cardíaca, congestiva, problemas gastrointestinais, podendo resultar em óbito em casos mais graves. No Pará, a prevalência varia de acordo com as regiões, mas estima-se que uma parcela significativa da população esteja em risco de infecção. Especialmente em áreas rurais ou em condições socioeconômicas desfavoráveis”, analisa Monteiro.