Publicada em 10/06/2024 às 08h52
Esta segunda-feira (10) marca seis meses da posse do presidente Javier Milei na Argentina. Nesse tempo, ele adotou medidas duras para equilibrar finanças do país, que está em crise há muitos anos.
No primeiro episódio da reportagem especial sobre o governo Milei, exibida no último domingo (2), o Fantástico contou como o governo Milei aplicou um choque na economia: com cortes de subsídios, paralisação de todas as obras federais, e o bloqueio dos repasses de dinheiro para os estados. Conseguiu fazer o primeiro superávit fiscal desde 2008, e a inflação mensal começou a cair — de 25%, quando ele tomou posse, para 8,8% em abril.
Os números da economia melhoraram, mas muitos setores foram atingidos por cortes, como a cultura, a ciência e a educação. No segundo episódio, O Fantástico detalha esses e outros impactos causados pelas Medidas de Milei, e mostra como parte da população reagiu nas ruas.
Efeitos na cultura
'A História Oficial', 'O Segredo dos Seus Olhos', 'Argentina, 1985'. Os dois primeiros ganharam o Oscar e o terceiro foi finalista. Todos são filmes argentinos. Mas, este ano, o presidente Javier Milei decretou um grande corte de verbas públicas e o setor artístico está em crise.
"É um momento de mudança. Torço para que se chegue a um equilíbrio", avalia o ator Ricardo Darín.
O astro, que trabalha principalmente para plataformas estrangeiras, não é tão afetado pelas políticas do presidente argentino, mas diz que está preocupado com o cenário pelo coletivo e pelos colegas do audiovisual e do teatro.
Em abril, Javier Milei decretou o fechamento temporário do INCAA, o Instituto Nacional do Cinema da Argentina, uma entidade estatal, argumentando que ninguém via os filmes produzidos pelo Instituto.
"Não é bem isso. Alguns, de fato, ficaram na poeira, vamos dizer assim. Mas muitos outros deram certo", diz Ricardo Darín.
Um exemplo é "Simon de la Montaña", que ganhou o prêmio da semana de crítica no Festival de Cannes deste ano, e teve apoio do Instituto de Cinema, que agora Milei mandou fechar.
Segundo a Secretaria de Cultura do país, os festivais de cinema eram feitos às custas da fome de milhares de crianças.
Para Ricardo Darín, a afirmação é perversa e uma exagerada mentira. Segundo ele, o argumento culpabiliza o setor e os erros da administração do Instituto de Cinema pela pobreza na Argentina.
O bloqueio do dinheiro para a cultura faz parte do que o próprio Milei chamada de batalha cultural. Também entram nessa batalha atritos com a ciência e as universidades.
Antes mesmo da eleição, Victor Ramos, um dos maiores pesquisadores argentinos, alertava em um editorial para a revista científica Nature que Milei era uma ameaça.
O professor emérito da Universidade de Buenos Aires diz que o então candidato "não se comportava racionalmente. E dizia grosserias, coisas tremendas sobre a ciência."
Uma das promessas de Milei era a de fechar o Ministério da Ciência, e ele cumpriu. Agora, a pasta integra um superministério, o do Capital Humano.
Ele também congelou o orçamento das universidades públicas e do maior organismo federal de pesquisa, o CONICET.
Mas os estudantes não deixaram barato, e cerca de um milhão deles foram às ruas.
Nas universidades, a realidade já espelha os cortes. Para economizar luz na Universidade de Buenos Aires, só um elevador funciona na Faculdade de Medicina.
Em defesa do ensino público, os jovens foram às ruas.
Graças a Deus, foi uma manifestação muito importante. O governo percebeu que 80% da população consideram a universidade pública absolutamente necessária. Eram multidões nas ruas. Serviu pro governo abrir um pequeno diálogo com as universidades.
— Victor Ramos, professor emérito da Universidade de Buenos Aires
Divergências entre a população
Mas Buenos Aires não é palco só de protestos. A reportagem foi até a tradicional Feira de Mataderos e encontrou apoiadores e críticos de Milei.
E em San Isidro, na região da Grande Buenos Aires, o apoio ao governo de Javier Milei é ainda maior. De acordo com uma pesquisa divulgada em meados de maio pelo diário Clarin, 53,1% da população da área têm uma visão positiva dos primeiros seis meses do governo Milei.
Longe dali, na comunidade Villa 31, o militante Federico contou, em dezembro passado, que apoiava Sergio Massa, adversário de Milei. Agora, ele diz que perdeu o emprego e o dinheiro não chega ao final do mês.
Mas uma feirante da região passa uma visão oposta. Roxana Orozco conta que votou em Milei na esperança de uma mudança, e que agora os preços estabilizaram. Para ela, o apoio ao governo permanece.
Aumento da pobreza
No ambiente político tão polarizado, os números são os melhores indicadores para seguir, e um deles tem chamado atenção no início do governo Milei: o aumento da pobreza.
Uma pesquisa do Observatório da Dúvida Social, da Universidade Católica Argentina, para o terceiro trimestre de 2023 indicou que cerca de 44,4% da população estava em situação de pobreza.
Quando Milei assumiu, em dezembro, a inflação disparou para 25% mensais, e a equipe fez uma projeção para aquele mês e para janeiro.
Ainda em dezembro, os dados indicaram 49,5% da população em situação de pobreza.
Para janeiro, a projeção era de 57,4%.
Milei costuma dizer que, com ele, a economia vai percorrer um V, caindo no início por causa dos cortes e ajustes, para depois crescer.
O deputado federal Oscar Zago defende que, até aqui, o governo baixou a inflação, acabou com o déficit fiscal, controlou os programas sociais, que eram "dirigidos por delinquentes da pobreza". Mas ele não soube explicar quando esses feitos vão refletir na vida da população.
Desde 10 de abril, a reportagem procurou o presidente Javier Milei, a ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, a ministra da Segurança Pública, Patricia Bullrich, o ministro da Economia, Luis Caputo, o então chefe de gabinete, Nicolás Posse, e o ministro do Interior e atual chefe de gabinete, Guillermo Francos. Nenhum quis falar ao Fantástico.