Publicada em 25/06/2024 às 15h51
O palestino Muslim M.A. Abuumar, de 37 anos e que foi impedido de entrar no Brasil por suposta ligação com o grupo terrorista Hamas, afirmou nas redes sociais que a decisão da Justiça Federal de autorizar sua repatriação foi injusta e motivada por suas atividades acadêmicas que apoiam os palestinos na guerra contra Israel.
"Acabo de chegar à minha casa em Kuala Lumpur depois de uma viagem familiar malsucedida para visitar o meu irmão no Brasil, que infelizmente foi prejudicada pela intervenção sionista, claramente devido às minhas atividades acadêmicas de apoio à luta palestina", diz.
Muslim é diretor fundador do Asia Middle East Center (AMEC), grupo dedicado à pesquisa e análise de diversas sociedades da Ásia e do Oriente Médio. A missão da instituição é aumentar a produção de conhecimento e aprofundar a compreensão sobre essas regiões entre intelectuais, acadêmicos e políticos.
Neste domingo (23), a Justiça Federal de São Paulo decidiu autorizar a repatriação dele por suposta ligação com o grupo terrorista Hamas. Ele ficou retido no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, com a esposa grávida de sete meses, o filho de seis anos e a sogra.
"Ao chegar ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, na noite de sexta-feira (21 de junho de 2024), vários policiais me abordaram na entrada do aeroporto e me levaram, junto com minha família, para interrogatório. As perguntas centraram-se nas minhas opiniões políticas e atividades acadêmicas em apoio à causa palestiniana", relata.
"Fui questionado sobre como falar em conferências acadêmicas internacionais sobre a Palestina, sobre a minha participação em fóruns internacionais organizados por grupos de reflexão internacionais e sobre a minha opinião sobre a guerra em curso em Gaza. Fui muito claro ao afirmar que, como acadêmico e como palestino, acredito que Israel é um regime de apartheid que está a cometer um genocídio em Gaza e que deve ser levado à Justiça, e que isto está em conformidade com o direito internacional e a posição do próprio governo brasileiro", diz.
No sábado (22), a defesa do palestino ajuizou um mandado de segurança na Justiça Federal para tentar reverter a decisão da PF. Em liminar, a Justiça deu prazo de 24 horas para a instituição prestar informações.
Entretanto, no domingo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região entendeu legítimos os motivos de impedimento, conforme acordos e convenções internacionais, e autorizou a repatriação. No mesmo dia, a família embarcou em um avião da Qatar Airways, às 20h15, com destino a Doha.
"Rejeitei a ordem de deportação e pedi esclarecimentos sobre o motivo da proibição, principalmente porque possuo um visto válido de entradas múltiplas e já visitei o país anteriormente sem problemas. Além disso, nunca violei nenhuma lei brasileira e sei muito bem que o governo brasileiro não vê a resistência palestina como terrorismo".
"Nessa altura era muito claro que as ordens vinham de fora do país, de uma potência imperialista estrangeira que tem uma longa e obscura história de intromissão nos assuntos de outros países. Nas 48 horas seguintes, com a ajuda de estimados ativistas palestinos, especialmente o chefe do Instituto Brasil-Palestina, Ahmed Shehada, travei uma batalha legal contra a decisão injusta da polícia", ressaltou.
Conforme Muslim, a polícia apresentou "um conjunto de alegações forjadas de apoio ao terrorismo".
"Infelizmente, o meu advogado de defesa não teve tempo suficiente para refutar estas acusações e alegações infundadas, que simplesmente violam a própria constituição brasileira, que estipula que o Brasil respeita o direito internacional, e a lei brasileira que não vê a resistência palestiniana como terrorismo", afirma.
E complementa: "Para mim e para os ativistas brasileiros que apoiam os direitos palestinos, a batalha ainda não acabou, e continuaremos a busca legal para anular esta decisão injusta e exigir desculpas e indenizações. Estou absolutamente certo de que a justiça prevalecerá no final".
palestino Muslim M.A. Abuumar, de 37 anos e que foi impedido de entrar no Brasil por suposta ligação com o grupo terrorista Hamas, afirmou nas redes sociais que a decisão da Justiça Federal de autorizar sua repatriação foi injusta — Foto: Reprodução/rede social X
Suposta ligação com terrorismo
Segundo a decisão judicial, a Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo da Polícia Federal recebeu a informação de que um "operativo" e "membro do gabinete internacional do grupo" Hamas, identificado como Muslim Abuumar, estaria chegando ao país.
O nome do palestino tem registro no Terrorism Screening Center (Centro de triagem de terrorismo, em português), que é um banco de dados do FBI (Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos) que contém informações sobre pessoas com "comprovado envolvimento com terrorismo e sobre pessoas sobre as quais recaem fundadas suspeitas".
O nome de Abuumar, então, foi incluído no Sistema de Alertas e Restrições da PF como impedido de ingressar no país.
De acordo com a decisão judicial, a família alegou que o motivo da viagem é turismo. Entretanto, para as autoridades brasileiras, o objetivo verdadeiro era fixar residência no país, já que a mulher está na fase final da gestação e em razão da quantidade de bagagens trazidas.
"Há indicativo de que a viagem ao Brasil foi realizada com o objetivo de propiciar o nascimento do filho do casal em solo brasileira, tornando-o brasileiro nato e facilitando a naturalização dos demais", justifica a decisão.
O Instituto Brasil-Palestina criticou a repatriação do palestino com base nas informações compartilhadas pelo FBI e acusou a PF de atuar "a serviço de governos estrangeiros". Uma nota de esclarecimento foi publicada nas redes sociais na instituição e assinada pelo presidente Ahmed Shehada.
"O caso é absurdo em todos os sentidos. Primeiro, e mais importante, porque a Polícia Federal está atuando para aplicar determinação do governo norte-americano no Brasil. A lista do TSC (Terrorism Screening Center) não tem amparo na legislação brasileira. Ao utilizá-la como critério para impedir a entrada de um cidadão palestino no Brasil, e a PF está atuando como sucursal do FBI."
"A PF está acusando Muslim de fazer parte de uma organização terrorista sem conduzir nenhum tipo de investigação. Ou seja, levaria em consideração não só a lei dos EUA, mas também a própria investigação norte-americana. Coloca-se assim, mais uma vez, como verdadeira fachada para a atuação do FBI no Brasil".
Na avaliação do advogado de defesa Bruno Henrique de Moura, a PF agiu com arbitrariedade e ilegalidade.
"Espero que a Justiça reconheça a abusividade da polícia - que não respeitou nem os prazos da Portaria que ela cita - e que haja uma reparação, ainda que moral, a Muslim. Seguiremos demonstrando que a repatriação foi motiva por questões políticas e não por risco à sociedade brasileira", disse em nota.