Publicada em 05/09/2024 às 15h32
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, citou nesta quinta (5) o Brasil, a China e a Índia como potenciais mediadores para uma negociação de paz entre seu país e a Ucrânia, vizinho que invadiu em 2022.
Falando no Fórum Econômico Oriental, em Valdivostok (Extremo Oriente russo), Putin mudou o tom que vinha adotando desde que as forças de Volodimir Zelenski promoveram uma invasão do sul da Rússia, na região de Kursk.
Antes, Putin dizia que a ação visava forçar os russos a negociar, o que não iria ocorrer. Agora, o líder afirmou que a incursão falhou em drenar energia de suas forças dentro da Ucrânia, o que é fato: a Rússia avança cada dia mais na região de Donetsk, leste do país invadido.
A mudança retórica não é ampla: Putin voltou a dizer que nunca se recusou a negociar, dentro de seus termos conhecidos, que incluem a aquisição das áreas que decretou anexadas na Ucrânia e a neutralidade militar do rival. Kiev, por óbvio, não topa.
A citação explícita aos parceiros russos no grupo Brics, que inclui também a África do Sul, é estratégica e remete às negociações promovidas primariamente pela China antes do ataque a Kursk. Nas semanas anteriores ao 6 de agosto, houve intensa movimentação de diplomatas de Pequim, e tanto Moscou quanto Kiev sinalizaram aceitar conversar.
A ofensiva paralisou isso. Para o Brasil, a fala de Putin é música, dados os esforços malfadados do presidente Lula (PT) de intervir no conflito. Inicialmente, ele se ofereceu como mediador, posição reforçada pelo fato de o Brasil ter condenado a invasão na ONU, mas rejeitado sanções contra a Rússia.
Depois, falas desastradas equivalendo Putin a Zelenski acabaram minando sua posição, que acabou salva pelos chineses. Como principal aliada de Putin, a ditadura comunista trouxe para seu lado o Brasil em um comunicado conjunto pedindo conversas.
Isso criou uma divisão entre países que buscam independência ante a polarização Pequim-Washington vigente, expressa na recusa de nações como a Índia em assinar o texto final de uma cúpula de paz montada pelos aliados da Ucrânia na Suíça, em julho. A China boicotou o encontro, e o Brasil apenas o observou.
Agora, o cenário se desenha sob a ótica dos Brics. No fim de outubro, haverá uma reunião do grupo em Kazan, na Rússia. O Itamaraty não vinha considerando o encontro um fórum para falar de Ucrânia, e havia sido colocado em uma posição delicada pela proposta russa de convidar à entidade a Venezuela e a Nicarágua.
As duas ditaduras latino-americanas estão em graus diferentes de crise com o Brasil, devido ao questionamento da eleição fraudada por Nicolás Maduro e ao rompimento com Manágua. Introduzir a Ucrânia na equação ajuda a mudar o foco.
"Estamos prontos para negociar com eles? Nós nunca nos recusamos, mas não sob demandas efêmeras, mas na base de documentos que foram acordados e assinados em Istambul", disse, se referindo às negociações que colapsaram no fim de março de 2022 na capital turca.
Desde então, não houve mais negociações diretas, apenas contatos indiretos, como a Folha relatou e a Rússia confirmou.
Apesar do malabarismo retórico, a avaliação de Putin no campo militar é correta. "O objetivo do inimigo era nos fazer nervosos e preocupados, transferindo tropas de um setor para outro para parar nossa ofensiva em áreas chaves, principalmente no Donbass [nome histórico da área de Donetsk e a vizinha Lugansk]. Deu certo? Não", afirmou.
"Ao transferir unidades algo grandes e bem treinadas para as áreas de nossa fronteira, o inimigo se enfraqueceu em áreas centrais, e nossas forças aceleraram as operações ofensivas. Nenhuma ação está ocorrendo para conter nossa ofensiva", disse, sobre o avanço contra o centro logístico de Pokrovsk, em Donetsk.
A crise e pressão renovada em ataques aéreos acelerou a queda de metade do governo de Zelenski, na quarta (4). O presidente disse que precisa de "nova energia" para lidar com a guerra.
Nesta quinta, o Ministério da Defesa russo anunciou a conquista de mais uma cidade na região. O dia registrou também uma pausa na campanha aérea renovada por Putin desde a semana passada, que teve na terça (3) um auge com o ataque com mísseis contra uma academia militar, deixando 51 mortos.