Publicada em 10/09/2024 às 08h32
Parque tem 216 mil hectares; fogo já consumiu uma área cinco vezes maior que o tamanho da zona urbanizada de Porto Velho. Autoridades apontam que os incêndios são criminosos.
Há dois meses incêndios criminosos destroem a fauna e a flora do Parque Estadual (PES) Guajará-Mirim, uma das maiores unidades de conservação de Rondônia. O fogo já consumiu uma área cinco vezes maior que o tamanho da zona urbanizada de Porto Velho.
O PES Guajará-Mirim tem 216 mil hectares de floresta protegida. Os incêndios criminosos destruíram mais de 73 mil campos de futebol, equivalente a 33% de toda a área.
Por se tratar de uma unidade estadual, o parque é de responsabilidade do governo de Rondônia.
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Nas primeiras semanas do incêndio, o Ibama informou que o fogo já tinha consumido 70 hectares. Em um mês as chamas se espalharam e atualmente a área queimada é 1 mil vezes maior do que a informada inicialmente.
Os incêndios cresceram de forma tão significativa que se tornaram o maior registro ativo em Rondônia e contribuíram para colocar o estado nos piores índices de queimadas dos últimos 14 anos.
Incêndios criminoso
Desde que identificou os incêndios, a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) já apontava a possibilidade de ações criminosas. A hipótese foi reforçada quando garrafas de combustíveis foram encontradas próximas aos focos de incêndio, além de pegadas.
Segundo o promotor de justiça do Ministério Público de Rondônia (MP-RO), Pablo Hernandez Viscardi, os indícios apontam que os incêndios foram causados como retaliações às fiscalizações ambientais, sobretudo àquelas realizadas na Operação Mapinguari: a maior ação de desocupação já realizada em Rondônia.
Na ocasião, pelo menos 10 pessoas foram presas, mais de 2 mil cabeças de gado foram retiradas da unidade de conservação e centenas de estruturas irregulares de invasores foram destruídas.
“Sabemos que os incêndios são criminosos, sabemos que esses criminosos que atuam lá atuam de forma organizada, de forma articulada, já temos linhas investigativas nesse sentido. Não há incêndio acidental, não há incêndio voluntários, há dolo, há crimes”, apontou o promotor.
Para dificultar a ação dos brigadistas, os invasores espalham armadilhas pelo caminho, como árvores derrubadas e objetos pontiagudos para furar os pneus dos veículos.
“É um artefato caseiro chamado de ouriço que eles utilizam nas estradas para evitar a fiscalização, pequenas lanças que furam geralmente os quatro pneus das caminhonetes”, relata o tenente da Polícia Militar Ambiental, Paulo Henrique.
Segundo o promotor Pablo Hernandez Viscardi, o cenário no Parque é de guerra, inclusive com ataques diretos.
“Uma guarnição do corpo de bombeiros que estavam tentando apagar focos de incêndio ali foram alvos de emboscada, inclusive foram disparados 10 tiros contra a guarnição”, revelou.
Histórico de combate
Documentos que o g1 teve acesso mostram que as chamas foram identificadas no dia 11 de julho. A Sedam acionou o Ibama no dia 12; seis dias depois, uma equipe do Prevfogo se deslocou para atuar no local. Ou seja, quando o combate foi iniciado, o parque já queimava há pelo menos uma semana.
A equipe inicial de combate era formada por 12 pessoas, utilizando apenas meios terrestres. Desde então, os brigadistas já apontavam que a quantidade de agentes no combate era pouca.
Na sequência, equipes da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam), do Batalhão da Polícia Ambiental e da Polícia Militar também moveram pessoas e meios terrestres para atuar no combate às chamas.
A falta de apoio aéreo foi outro grande problema. Os agentes que trabalham há dois meses no combate relatam a exaustão de se deslocar a pé para onde os focos estão concentrados, além da dificuldade em chegar aos pontos mais isolados.
“Um apoio aéreo seria muito importante para lançar água, para recolher os brigadistas ao final do dia. Nós já andamos praticamente uns 4 km fazendo aceiros e nós vamos ter que retornar esses 4 km de volta na pernada. O apoio aéreo deixaria onde nós precisássemos combater o fogo”, relata José Baldino, chefe de esquadrão.
Sobre o apoio aéreo, a Sedam informou ao g1 que “fez tratativas” para que o Núcleo de Operações Aéreas (NOA), da Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania (Sesdec) fosse enviado ao local, mas que “devido ao mau tempo, a trafegabilidade que não é possível ter uma visão perfeita, o pessoal do NOA não pode estar atendendo” o pedido.
Na última semana, quase dois meses depois, o governo de Rondônia pediu apoio aéreo para o governo federal.
Força-tarefa
Com o objetivo de combater as chamas no Parque de forma mais efetiva e identificar os possíveis criminosos por trás dos incêndios, o MP-RO, através do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema), articulou a Operação Temporã.
Mais de 200 agentes estão envolvidos na operação, incluindo membros do Ibama, Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Militar Ambiental, Comando de Fronteira do Exército, Secretaria de Desenvolvimento Ambiental, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar e Politec.
“Isso [os incêndios] tem melhorado muito nos últimos dias, principalmente depois do dia 30, quando o Ministério Público Estadual capitaneou uma reunião com todas as forças que fecharam todas as vias de acesso ao parque e nós tivemos um excelente reflexo”, aponta o superintendente do Ibama, César Guimarães.
O superintendente aponta que existiam três grandes frentes de incêndios ativas no Parque Guajará, todas sem controle. Com o início da Operação Temporã, duas delas foram completamente controladas.
“Isso deixa bem claro, que todos os incêndios que ocorreram no parque eram criminosos, porque uma vez que todos os acessos foram fechados, houve uma redução significativa no número de focos”, revela.
Recordes de queimadas
Em 2024, Rondônia bateu recordes de queimadas. Entre janeiro e 5 de setembro foram registrados 7.282 focos: a maior quantidade dos últimos 14 anos para o período.
As queimadas expressivas ocorrem em um período de estiagem e seca extremas. Pela primeira vez, desde que começou a ser monitorado em 1967, o rio Madeira ficou abaixo de um metro. A capital do estado, Porto Velho, está há mais de três meses sem chuvas significativas, de acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
A última vez que o estado de Rondônia registrou uma quantidade tão significativa entre janeiro e setembro foi em 2010, com uma diferença muito pequena. Na ocasião foram identificados 7.293 focos.