Publicada em 16/09/2024 às 09h00
O rio Madeira está morto! A média do nível de suas águas está hoje bem abaixo dos 40 centímetros. As chuvas que lhe alimentam não chegaram e há previsões que ainda demorarão mais de um mês. Estamos no meio de setembro de 2024 e no outrora gigante caudaloso já é possível, em alguns trechos, atravessá-lo a pé. O velho Madeira agonizou por anos a fio e finalmente, já sem forças, sucumbiu à ambição do homem, o maior predador da natureza. O maior rio de Rondônia, o quarto maior rio dos brasileiros e o décimo sétimo maior do mundo começou a perder suas forças com a pesca predatória. Depois vieram os madeireiros. Árvores centenárias de suas margens foram arrancadas sistematicamente permitindo o seu assoreamento mais rápido. Depois veio o garimpo assassino envenenando as suas águas e por fim as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau.
Até a neve da cordilheira dos Andes, que muitas vezes lhe alimentava com empenho, não existe mais. O Madeira definhou e hoje se parece com aqueles rios temporários do Nordeste. Água em seu leito está difícil e só se encontra se cavar muito. Tomara que o “pai” e a “mãe” dos rondonienses consiga sair dessa. Mas a situação parece que está irreversível. Assim como também parece estar irreversível toda a Amazônia. Ano após ano, as criminosas queimadas deram o tiro de misericórdia em toda a região. O ar poluído parece ser agora o novo normal. Agonizante e em coma profundo, o antigo “rio das Madeiras” só tem areia em seu antigo e profundo canal. Uma morte que certamente abalará muitas pessoas. Só que não tem, aparentemente, nenhum culpado. Mas a situação, que já está crítica, pode piorar ainda mais. Existem a BR-319 e a infeliz volta do garimpo.
A BR-319 certamente atrairá levas e mais levas de garimpeiros, de madeireiros, posseiros, grileiros, produtores de soja e até mais incendiários. E ninguém terá coragem de barrar esse “progresso” que tanto se anuncia como mais outra panaceia milagreira que fará jorrar mel e leite das ruas. No trecho entre Manaus e Porto Velho, por exemplo, a floresta amazônica durará muito pouco tempo. Será derrubada e em poucos anos incendiada implacavelmente, assim como já fizeram ao longo da BR-364 para criar o Estado de Rondônia. Sem a cobertura vegetal, os caudalosos rios secarão rapidamente e darão lugar a enormes desertos, como está hoje o leito seco do rio Madeira. Além do mais, o garimpo, que a Polícia Federal não consegue vencer, vai assorear ainda mais o seu leito moribundo além de envenenar suas águas com mercúrio. O caos se anuncia em Rondônia.
Com o rio Madeira seco, os poços de água que abastecem a maioria dos porto-velhenses, também já estão secando. Cavados ao lado de fossas imundas, já que a cidade de Porto Velho não dispõe de abastecimento regular de água nem de esgotos, esses poços são o termômetro do horror que se anuncia na “Capital da Seboseira”. Parece que, embora já agonizante e totalmente sem vida, o rio Madeira, ou mesmo o seu espírito, ri da nossa desgraça. “Eu lhes dei a vida e como pagamento vocês me deram a morte!”, poderia pensar o finado rio sobre os seus ingratos filhos rondonienses. Eles venderam o Madeira por duas hidrelétricas, que sequer baixaram o preço da energia aqui consumida. Com a morte desse grande rio e as queimadas na floresta amazônica, os rondonienses contribuem dessa forma para muitos desastres ambientais no Brasil afora como o que aconteceu em maio último no Rio Grande do Sul. Pior, mataram o rio Madeira e não querem enterrá-lo.
*Foi Professor em Porto Velho.