Publicada em 20/10/2024 às 09h50
"Não haverá penas: ... b) de caráter perpétuo". Art. 5º, XLVII.
Fui recentemente surpreendido em um processo que tramita em um dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Porto Velho, com uma inusitada e “inovadora” decisão do juiz. No processo havia sido concedida uma Medida Protetiva de Urgência (MPU), com prazo de vigência de 6 meses, que se expiraria no dia 09/10/2024; todavia, eis que sou notificado de um Despacho onde consta que “Assim, tendo em vista a mudança do CNJ, PRORROGO tais medidas por prazo indeterminada, as quais permanecerão válidas até posterior pedido de revogação pelas partes”.
Como assim??? Prazo indeterminado teria, potencialmente, a característica de se tornar perpétua, principalmente nos casos de milhares e milhares de processos com MPU concedidas, nos quais o acusado sequer tem condições de constituir um advogado. Mais surpreso foi pesquisar no Google e não encontrar nenhuma reação contrária – no meu incipiente entender, uma aberração jurídica –, da advocacia, nenhum jurista de renome indignado, tão pouco qualquer veemente protesto de entidades da seara do Direito.
Imaginei Rui Barboza se revirando diante de tamanha omissão nossa, dos atuais operadores do Direito diante dessa flagrante inconstitucionalidade: uma penalidade por prazo indeterminado. Pesquisando melhor, descobri o motivo desse mais absoluto silêncio da advocacia: este “prazo indeterminado” do CNJ para MPU faz parte do rol de 21 recomendações aprovadas durante a realização da XVIII Jornada Lei Maria da Penha, realizadas entre os dias 7 e 8 de agosto, voltadas ao aprimoramento da aplicação da Lei Maria da Penha.
Ocorre que conteúdo da Carta aprovada ainda não foi sequer divulgado, como pode ser constatado na publicação do site www.catedras.com.br, constante no link: https://www.catedras.com.br/
No meu entendimento, primeiramente, os Juizados da Violência Doméstica não poderiam sequer aplicar de imediato tal recomendação, pois ela ainda não foi publicada, tratando-se, portanto, de uma espécie de informação privilegiada da magistratura, sobre a qual os demais atores no processo, como advogados e Ministério Público, não tiveram qualquer conhecimento, para analisarem o contexto em que tal recomendação foi aprovada. Ferido de morte, no meu entendimento, o princípio da ‘paridade de armas’, analogamente, no caso, estendido ao juiz.
“Segundamente” como diria Odorico Paraguaçu, personagem icônico da novela “O Bem Amado” (80% da advocacia não tem como ter visto), é preciso que as entidades da seara do Direito cobrem a imediata suspensão da aplicação de tal “recomendação secreta” em si; além de se iniciar um debate urgente sobre o acolhimento de tal recomendação em nosso ordenamento jurídico; pois, salvo visão totalmente equivocada deste advogado, trata-se sim da instituição de uma ‘penalidade de caráter perpétuo’ ou que potencialmente pode se tornar perpétua.
* Itamar Ferreira, advogado