Publicada em 20/01/2025 às 14h49
O debate em torno do Pix e sua relação com a arrecadação tributária revelou uma lacuna importante no discurso político brasileiro. Nenhum lado, seja governo ou oposição, abordou o verdadeiro cerne da questão. Não se trata de criar novos impostos nem de taxar diretamente o Pix, mas de ampliar a fiscalização de movimentações financeiras acima do limite de isenção do Imposto de Renda, atualmente fixado em R$ 2.259,20 por mês. Essa é uma tentativa de usar a rastreabilidade das transações digitais para identificar inconsistências fiscais. Contudo, em vez de esclarecer essa realidade, o debate foi tomado por narrativas polarizadas, alimentando confusão e desinformação.
Esse limite de isenção, desatualizado frente à inflação e ao aumento do custo de vida, tem colocado um número crescente de brasileiros na obrigatoriedade de declarar renda, mesmo sem terem ganho real em poder de compra. Muitos trabalhadores autônomos, pequenos empresários e profissionais informais ultrapassam esse valor em suas movimentações financeiras, especialmente com o uso crescente do Pix, mas continuam fora da formalidade, seja por desconhecimento ou por dificuldades estruturais do sistema tributário brasileiro. Essa desinformação, aliada à complexidade do tema, abriu espaço para o caos narrativo que beneficia tanto o governo quanto a oposição.
Por um lado, o governo evita tocar diretamente na questão da fiscalização para não ser acusado de aumentar a carga tributária. Por outro, a oposição propaga a ideia de que o Pix será taxado, criando pânico e desconfiança na população. Essa abordagem binária transforma o debate em um embate ideológico raso, sem espaço para soluções concretas. Além disso, há indícios de que essa confusão pode ser intencional. Quando a discussão pública é dominada por narrativas opostas e desconectadas dos fatos, cria-se um ambiente de caos que dificulta a responsabilização. Para o governo, isso permite avançar com medidas de fiscalização sem enfrentar questionamentos diretos. Para a oposição, é uma oportunidade de desgastar a imagem do governo, mesmo que isso alimente a desinformação.
O silêncio estratégico diante desse tema também revela a falta de preparo de muitos políticos. A incapacidade de transformar um tema técnico, como a rastreabilidade financeira, em uma bandeira política relevante é um sintoma de uma política que prefere simplificações fáceis a discussões necessárias. O assunto exige preparo, clareza e habilidade para comunicar temas complexos de forma acessível. Infelizmente, a política brasileira muitas vezes carece dessa profundidade.
Essa ausência de liderança no debate também evidencia uma oportunidade perdida. Um político ou grupo político que se posicionasse com clareza e coragem sobre o tema poderia se destacar, explicando que o objetivo do governo é fiscalizar movimentações acima do limite de isenção, e não taxar diretamente o Pix. Tal posicionamento seria uma demonstração de honestidade e liderança. Ao mesmo tempo, propor soluções como a atualização do limite de isenção, a simplificação tributária e a formalização de pequenos negócios poderia transformar o tema em uma pauta mobilizadora e relevante para a população.
Romper com a lógica binária que domina o debate exige mais do que coragem. É necessário reconhecer que a política não é apenas sobre vencer narrativas, mas sobre construir confiança e entregar resultados. Explicar o que está em jogo de forma clara e propor caminhos viáveis são passos que podem não apenas mudar o tom da discussão, mas também criar um legado de responsabilidade e liderança.
O caso do Pix é um exemplo de como a política brasileira ainda prefere explorar conflitos ao invés de construir pontes. Alimentar o discurso inflamado ou manter o silêncio estratégico são escolhas que impedem o avanço de um debate maduro. Quem souber enxergar isso e transformar complexidade em clareza terá não apenas uma vantagem no debate público, mas também a chance de construir algo significativo em um cenário político cada vez mais carente de propostas reais.
Ivan Lara – Estrategista e consultor de marketing político, especialista em comunicação governamental