![“Ainda Estou Aqui” e o debate que a política insiste em ignorar- por Ivan de Lara](/uploads/eyjumpgck520s9h.jpg)
Publicada em 11/02/2025 às 11h28
Fui assistir ao filme Ainda Estou Aqui no cinema em Porto Velho. Uma produção bem executada, com uma narrativa envolvente, que retrata o lado da família de uma vítima do regime militar. Não se trata de um filme que deva ser ignorado. A história que ele conta é interessante, mas apresenta apenas um lado. E essa não é uma crítica ao filme, mas sim uma reflexão sobre o problema do debate político no Brasil. Ele se fecha em narrativas prontas, sem espaço para ampliar a discussão e trazer à tona questões que são tão ou mais urgentes do que as do passado.
Já vimos isso antes no caso do Pix. A discussão deveria ser sobre rastreabilidade financeira e formalização econômica, mas o debate foi sequestrado por discursos polarizados. Um lado distorcia os fatos para atacar; o outro evitava esclarecer para não se desgastar politicamente. O mesmo está acontecendo agora com Ainda Estou Aqui. De um lado, a esquerda exalta o filme como um grande acerto. Do outro, a direita finge que ele nem existe. E, mais uma vez, perde-se a oportunidade de um debate real sobre o que está acontecendo hoje.
A questão central deveria ser outra. Segundo a Comissão da Verdade, durante os 21 anos do regime militar, foram registradas 434 mortes e desaparecimentos políticos. Um número trágico, sem dúvida. Mas agora, em 2024, segundo o Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Giel/Unirio), o Brasil teve 76 assassinatos políticos, além de centenas de agressões, ameaças e atentados. Hoje, a política mata mais do que na ditadura. E quem está discutindo isso?
O silêncio estratégico domina a política brasileira. Para um lado, interessa manter o foco no passado, porque é uma narrativa consolidada e emocionalmente mobilizadora. Para o outro, interessa ignorar completamente a discussão para não desgastar sua base. Ninguém quer trazer o debate para o presente, porque isso exigiria reconhecer que a violência política hoje não é uma abstração, mas um problema concreto que afeta a democracia.
E aqui está a oportunidade desperdiçada. Em um cenário polarizado, aqueles que conseguirem romper essa lógica binária e trazer o debate para onde ele realmente importa podem se destacar. Em vez de seguir a cartilha previsível dos extremos, é possível construir um posicionamento sólido ao apontar fatos, questionar o que está sendo ignorado e propor soluções. Quem souber transformar esse silêncio em uma pauta relevante pode não apenas capturar um espaço inexplorado no debate público, mas também construir uma imagem de liderança e compromisso real com a sociedade.
A pergunta não gira em torno de Ainda Estou Aqui, mas sim: onde está o debate político real? Enquanto os extremos continuam presos às mesmas narrativas, quem tiver coragem de sair desse roteiro previsível terá uma oportunidade única de se destacar.
Ivan Lara – Estrategista, consultor de marketing político e especialista em comunicação governamental