![Ucrânia e Europa rejeitam paz imposta por Trump e Putin](/uploads/1c0pc07o6n70ugk.jpg)
Publicada em 14/02/2025 às 15h44
A negociação de paz para acabar com a Guerra da Ucrânia sugerida por Donald Trump a Vladimir Putin em um telefonema gerou um terremoto político. A União Europeia e o governo ucraniano correram para dizer que qualquer conversa precisa incluir Kiev.
Após ter tido os contatos iniciais rejeitados por Moscou, que considerou seu termos vagos e favoráveis a Volodimir Zelenski, Trump fez seu movimento na quarta (12). Ligou para o russo, com quem ficou uma hora e meia ao telefone, e depois relatou o teor da conversa ao ucraniano.
No seu caótico estilo, misturando postagens na rede Truth Social e falas a repórteres na Casa Branca, Trump disse que irá se encontrar com Putin, provavelmente na Arábia Saudita, disse que a Ucrânia deverá perder territórios e que nunca será admitida na aliança militar Otan.
Nesta quinta (13), Zelenski disse que os líderes mundiais "não devem acreditar na prontidão de Putin em acabar com a guerra" iniciada em 2022.
Já a chefe da diplomacia do bloco europeu, a estoniana Kaja Kallas, disse que "qualquer acordo por trás das nossas costas não vai funcionar". "Qualquer acerto rápido será um acordo sujo, algo que não funcionou antes", disse.
Quando era premiê de seu país, Kallas ficou famosa por sua instância anti-Putin agressiva. "Apaziguamento não vai funcionar. Se a Ucrânia decidir resistir, nós estaremos com ela", afirmou.
Em entrevista ao site Politico, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, foi mais realista. "Para mim está bem claro que não deve have solução [para a guerra]. que não envolva os EUA. A próxima missão é garantir que não haja uma paz imposta [aos ucranianos]", disse.
SECRETÁRIO DE TRUMP NEGA TRAIÇÃO
O secretário de Defesa de Trump, Pete Hegseth, negou nesta quinta que o chefe dele esteja "traindo a Ucrânia". Ele disse que o fato de o presidente ter ligado para Zelenski, além de todos os contatos prévios com Kiev, provam a boa intenção da Casa Branca.
Ele também negou que Trump esteja sendo engambelado por Putin. "Não se engane, o presidente Trump não pemitirá que ninguém transforme o Tio Sam em Tio Otário", disse -em inglês soa melhor, "Uncle Sam" e "Uncle Sucker".
"Não se engane, o presidente Trump não pemitirá que ninguém transforme o Uncle Sam (Tio Sam) em Uncle Sucker (Tio Otário) - Ao comentar a suposição de que Trump está sendo manipulado por Putin
Resta combinar com os ucranianos, como a queixa de Zelenski deixou claro. O chanceler do governo Zelenski, Andrii Sibiha, disse ao jornal francês Le Monde que "nada pode ser discutido sobre a Ucrânia sem a Ucrânia, ou sobre a Europa sem a Europa".
Ele voltou a dizer que a forma mais rápida de manter a estabilidade no Leste Europeu é a admissão da Ucrânia à Otan, algo que nominalmente o clube apoia desde 2008, mas que nunca ocorreu dada a oposição russa -a pretensão é um dos "casus belli" de Putin para a invasão que completará três anos no dia 24.
Se fosse membro da Otan, a Ucrânia muito dificilmente seria invadida: o artigo 5º da carta de fundação do clube militar obriga a defesa mútua caso algum de seus membros seja atacado. Na prática, portanto, oporia potência nucleares e arriscaria a Terceira Guerra Mundial.
Sibiha não quis se antagonizar diretamente com Trump, que vinha fazendo aberturas a Zelenski. "Nós queremos um acordo completo. Isso é do interesse dos EUA. Com a liderança de Trump, com um comprometimento europeu, a unidade europeia, nós temos uma chance de dar um ímpeto novo a esse processo", disse.
"Mas, até onde eu sei, nossos aliados americanos ainda não finalizaram seus planos", disse, repetindo o que se ouvia em Moscou até o fim de semana, quando o governo Putin emitiu sinais de que iria frear os contatos com o time de Trump até ver uma abordagem menos especulativa, como a Folha relatou.
O secretário Hegseth visitou a sede da Otan em Bruxelas, e reafirmou que os sócios europeus do clube deveriam assumir a defesa do continente. Trump quer que os 30 membros da aliança na Europa elevem para 5% a meta hoje de 2% do PIB com gastos de defesa, o que é irrealista.
CHEFE DA OTAN DIZ QUE PUTIN É "NEGOCIADOR FORTE"
Já o chefe da aliança, o holandês Mark Rutte, tentou passar uma mensagem à Rússia, mas acabou dando más notícias aos ucranianos. Dizendo que a Otan estava "unida" e que qualquer paz passa por Kiev, ele disse que a admissão na aliança "nunca fez parte" de qualquer ideia de negociação para o fim da guerra.
Antes, a ideia da entrada era trombeteada a cada reunião da entidade. Rutte ainda fez uma deferência ao homem forte do Kremlin. "Eu não sei o que passa exatamente na cabeça do presidente Putin, claro. Ele é um negociador forte, muito imprevisível, mas ao fim se nós quisermos chegar a um acordo de paz, precisamos dele lá."
O Kremlin, por usa vez, buscou manter-se fleugmático. Nesta quinta, o porta-voz Dmitri Peskov disse que o contato entre Trump e Putin demonstra que "há vontade política de ambos os lados" para terminar o conflito na Ucrânia -deixando claro que não considera Zelenski na equação.
Por outro lado, ele afirmou depois que "de um jeito ou de outro, a Ucrânia vai participar das negociações, é claro". Sem dar detalhes, ele disse que haverá "uma via bilateral de diálogo russo-americana, e outra que estará relacionada ao envolvimento ucraniano".
Peskov disse também ter ficado "impressionado" com a disposição de Trump. Segundo a agência RIA, a preparação do encontro pode levar semanas ou até meses.
Restou a um radical livre da órbita de Putin, o ex-presidente Dmitri Medvedev, cutucar os europeus com seu linguajar habitualmente rude. No Telegram, ele escreveu: "A Europa, solteirona frígida, está louca de ciúmes e raiva". Descrevendo que a UE não foi alertada do telefone de Trump, ele disse que isso "mostra o seu real papel no mundo". "O tempo da Europa acabou", finalizou.
A próxima etapa das conversas será a partir desta sexta (14), na Conferência de Segurança de Munique, onde Zelenski e o vice-presidente americano J.D. Vance deverão se encontrar. O clima, que parecia favorável ao ucraniano, contudo será outro.
ZELENSKI APLICA SANÇÃO A RIVAL POLÍTICO
A situação política de Zelenski parece estar se agravando em casa também. O presidente editou um decreto com sanções contra um de seus principais rivais, o antecessor Petro Porochenko, a quem derrotou de forma surpreendente na eleição de 2019.
Porochenko, um dos homens mais ricos do país e líder do maior partido de oposição no Parlamento, teve seus bens congelados. Segundo o Serviço de Segurança da Ucrânia, suas atividades "minavam a segurança nacional".
"Os bilhões feitos no que equivalia à venda da Ucrânia têm de ser bloqueados e usados para proteger os ucranianos", disse Zelenski.
O presidente tem perdido popularidade, e segundo pesquisas locais hoje seria derrotado pelo ex-chefe das Forças Armadas Valeri Zalujni em uma eleição. Seu mandato expirou no ano passado, mas a lei marcial devido à guerra impede eleições, o que tem sido denunciado pelos rivais como uma forma de perpetuação no poder.
Putin mesmo já se aproveitou dessa cizânia, dizendo que Zelenski é ilegítimo para negociar a paz. Por outro lado, o russo não tem penetração na oposição ucraniana hoje: Porochenko é um adversário declarado da Rússia.
Desde o fim da União Soviética em 1991, governos pró-Rússia e pró-Ocidente se alternaram em Kiev, mas em 2014 a derrubada do aliado do Kremlin Viktor Ianukovitch levou Moscou a anexar a Crimeia e fomentar a guerra civil nas áreas russófonas do vizinho.
Enquanto os políticos debatem, a economia reagiu de forma positiva às notícias. O rublo teve valorização e está no patamar mais alto ante o dólar desde setembro, enquanto os títulos soberanos em moeda americana da Ucrânia também apresentaram ganhos expressivos.
No campo de batalha, os combates seguem. O Ministério da Defesa da Rússia disse que o país tomou mais uma cidade no leste da Ucrânia, foco de suas ações. Putin hoje domina quase 20% do vizinho, incluindo a Crimeia.
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