Vanessa Fernandes
Publicada em 23/04/2021 às 13h58
Lançado em 2018 como parte do projeto Ciência Cidadã para a Amazônia, o aplicativo Ictio possibilitou que pescadores de três comunidades de Porto Velho contribuíssem com os dados de pesca de pequena escala no Rio Madeira a fim de entender como as migrações de peixes funcionam na Amazônia e quais fatores ambientais as influenciam.
Apesar da grande importância socioeconômica da pesca para as comunidades locais e a economia regional, não há sistemas de monitoramento pesqueiro na Amazônia desde 2012, e a falta desses dados coloca em risco o manejo sustentável da pesca, refletindo em consequências para os meios de subsistência e segurança alimentar na região.
A pesquisadora e doutora em Ciências Socioambientais Carolina Rodrigues da Costa Doria, coordenadora do Laboratório de Ictiologia e Pesca na Universidade Federal de Rondônia (Unir), responsável pela pesquisa e implementação do aplicativo em parceria com Associação Ecológica Guaporé – Ecoporé, explica que o trabalho busca exatamente gerar esse banco de dados aberto e compartilhar informações sobre os peixes e a pesca, melhorando assim a compreensão da biologia pesqueira e os fatores que as influenciam.
O APP foi desenvolvido pela Wildlife Conservation Society – WCS e Cornell Lab of Ornithology e os sócios do Ciência Cidadã para a Amazônia. Sua implementação se deu em cinco etapas, começando por uma oficina de apresentação do projeto em três comunidades pesqueiras – São Sebastião, Novo Engenho Velho e Vila Nova do Teotônio; seguido de aplicação de questionários para traçar o perfil dos pescadores e a receptividade ao uso do aplicativo no mercado pesqueiro de Porto Velho; treinamento e uso do aplicativo pelos pescadores; devolutiva de dados e avaliação com os pescadores; e, por fim, encontros dos usuários do Ictio na bacia do Madeira para devolutivas e discussão dos dados com os usuários do aplicativo, os cientistas cidadãos.
Objetivo é entender como as migrações de peixes funcionam na Amazônia
Através do Ictio, é possível registrar informações sobre as espécies capturadas, número de indivíduos, peso, local da pesca, preço de venda, data e fotografias, tudo inserido no APP pelos próprios pescadores.
Resultados preliminares
No período de teste, 14 pescadores aderiram ao uso do aplicativo e outros registros foram feitos com alunos de iniciação científica que coletaram dados no Mercado Pesqueiro de Porto Velho. Ao total foram realizados 256 registros, sendo observado um grande número de registros nas localidades abaixo da barragem de Santo Antônio (200) e também na área do reservatório (43).
Foram registradas 19 das 20 espécies ou grupo de espécies prioritários do projeto Ciência Cidadã, além de várias outras espécies não catalogadas na primeira versão do aplicativo. Entre os peixes prioritários, os que mais apareceram foram o surubim, seguido da dourada. Os dados ressaltam também a captura de Pirarucu na região do reservatório e a baixa captura de espécies migradoras do gênero Brachyplatystoma (dourada e filhote) e Pseudoplatystoma (surubim e caparari).
Nas oficinas, algumas questões foram levantadas pelos pescadores das três comunidades que poderiam ser respondidas a partir deste monitoramento, entre elas “como a usina prova que o peixe consegue subir?”. Os dados preliminares do projeto mostram que o registro dos bagres migradores feito pelos pescadores abaixo da área do reservatório (80 registros) foi consideravelmente maior do que os registros feitos acima (apenas 2). Na avaliação dos pescadores, esses resultados sugerem que os peixes não estão conseguindo transpor a barragem da UHE de Santo Antônio ou que poucos são os que conseguem passar pelo sistema de transposição.
Ao final do período do teste, a pesquisa conclui que o uso de aplicativos de smartphones para coletar dados se mostrou uma ferramenta útil para suprir lacunas de informações sobre a atividade pesqueira na região. “E dessa forma, o pescador contribui para a ciência e, em contrapartida, têm acesso a dados que podem permitir a eles uma melhor articulação, principalmente na busca por alternativas para a gestão pesqueira”, avalia Carolina Dória.
O aplicativo está disponível gratuitamente para dispositivos com sistema operacional Android (versão 5.0 ou acima). Para baixar, basta acessar o Google Play Store e buscar por “Ictio”. Ainda não há versão disponível para iOS.
URL: https://rondoniadinamica/noticias/2021/04/ciencia-cidada-atraves-de-aplicativo-pescadores-de-porto-velho-contribuem-com-pesquisa-sobre-pesca-no-rio-madeira,101879.shtml