Fábia Pessoa/CDHM
Publicada em 04/06/2021 às 16h24
Os representantes da sociedade civil destacaram preocupação com legislações que podem incentivar a grilagem de terras e agravar os conflitos
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias realizou nesta quarta-feira (2) audiência pública focada nos conflitos agrários em terras públicas. O encontro contou com a participação de organizações da sociedade civil e de representantes do governo.
O advogado Afonso Chagas, professor da Universidade Federal de Rondônia, apontou que a grilagem de terras da União na Amazônia legal é a raiz dos problemas de violência na região, e que apesar de ser um problema histórico, os conflitos vêm se intensificando nos últimos anos. “Essa situação de grilagem em terras públicas é uma matriz de violência, que resulta em graves prejuízos a toda a coletividade dos camponeses e dos movimentos sociais”, disse.
Chagas demonstrou preocupação com legislações que possam estimular a grilagem de terras públicas e citou projeto aprovado pela Assembleia Legislativa de Rondônia que reduziu áreas de proteção ambiental. “Duas grandes áreas foram reduzidas, legitimando uma forma de grilagem aquecida por determinada legislação”.
O professor apontou também que a atuação da polícia militar em áreas de ocupações e acampamentos tem sido problemática. “Esses movimentos vêm sofrendo, de forma intensiva, um verdadeiro clima de terror por parte da polícia militar”, disse, reforçando que há uma criminalização dos movimentos sociais que atuam em defesa dos pequenos agricultores.
Para Afonso, a situação deveria ser objeto de políticas públicas e de atuação responsável por parte dos órgãos do Estado. “Tratam-se de terras públicas da União, são bens públicos da população que merecem tutela e proteção, e merecem reversão de atitudes administrativas no sentido de promover essa regularização”, completou.
Dom José Ionilton, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), também demonstrou preocupação com projetos de lei que visam à regularização fundiária e que poderiam servir de incentivo para o aumento da grilagem de terras e prejudicariam os pequenos agricultores. “Essa regularização fundiária o governo vem tentando fazer desde aquela medida provisória no final de 2019, que caducou. Aí vieram esses projetos de lei. Nós somos contrários, queremos que eles sejam retirados de pauta. Eles não contribuem, pelo contrário, vão fazer muito mal para quem está aqui na Amazônia, para quem vive da terra”, afirmou.
O que a gente percebe na questão de conflitos em terras públicas são três problemas: falta de mediação e diálogo, falta de planejamento e destinação das terras públicas e omissão de atores e o terceiro é a chancela de irregularidades”, afirmou Júlio José, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
O procurador observou que há uma omissão do Poder Executivo na concretização do projeto constitucional, no planejamento e destinação de terras para políticas, além de diálogos seletivos e uma tendência para a criminalização dos movimentos sociais, como na paralisação da reforma agrária e no Programa Titula Brasil.
Para Júlio, certas iniciativas podem representar um estímulo indireto à invasão dessas terras públicas. “Os projetos de regularização fundiária, marcos temporais, aumento de áreas, criam a expectativa de que vale a pena acirrar e levar adiante conflitos, porque eles serão em alguma medida chancelados", destacou.
João Pedro Camara, diretor da Câmara de Conciliação Agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), destacou o esforço do órgão para sistematizar os conflitos agrários e, ainda, apontou os limites para a atuação da Câmara. “Não temos predileção por um setor ou outro”, disse, reforçando que a Câmara busca soluções pacíficas e legais para os conflitos e realiza os encaminhamentos de pleitos e demandas para os órgãos finalísticos.
A deputada Rosa Neide (PT/MT) destacou que em seu estado, Mato Grosso, também há ocupação de terras públicas por grileiros e citou manifestação de desinteresse do INCRA em assentar famílias na região. Para a parlamentar, um país com a dimensão do Brasil deveria investir nos agricultores familiares e aproveitar o potencial de exportação de alimentos sem agrotóxico no mundo atual. “Nós precisamos ter um observatório, condições de denunciar os conflitos agrários e permitir que a população do campo viva mais e melhor, em condições humanas e dignas neste país”, defendeu.
A audiência contou ainda com a participação dos parlamentares Erika Kokay (PT/DF), Éder Mauro (PSD/PA), Vivi Reis (PSOL/PA) e da subprocuradora- chefe do INCRA, Isabella Maria Lemos.
URL: https://rondoniadinamica/noticias/2021/06/audiencia-publica-debate-conflitos-agrarios-em-terras-publicas-,105012.shtml