Rondoniadinamica
Publicada em 09/03/2022 às 08h44
Porto Velho, RO – O juiz de Hedy Carlos Soares, da 1ª Vara Genérica de Buritis, determinou a suspensão de uma Comissão Processante deflagrada pela Câmara Municipal da cidade após receber o relatório final de apuração contra o vice-prefeito Joabe Lana de Almeida.
A Procuradoria Geral do Município, por meio do processo nº 1-1830/2021, apurou a suposta prática de assédio moral e sexual por parte Almeida “contra servidoras lotadas no Gabinete do Prefeito”.
O vice-prefeito impetrou mandado de segurança e obteve a liminar pleiteada. Com isso, conquistou o direito de conservar o mandato até o final da discussão jurídica encartada aos autos.
O magistrado anotou:
“Ante o exposto, presentes os requisitos necessários, concedo a liminar pleiteada, a fim de determinar que a autoridade coatora proceda a suspensão da Comissão Processante Nº 35/2022/CMB, sendo assegurando ao impetrante o direito de exercer o seu mandato eletivo, até o julgamento final do presente mandamus. Intime-se a autoridade apontada como coatora, intimando-o para cumprir a liminar e notificando-a do conteúdo da petição inicial, a fim de que, no prazo de dez (10) dias, preste as devidas informações. Após, dê-se vistas ao Ministério Público”, concluiu.
Antes de arrematar, o Juízo compreendeu que “o suposto crime praticado pelo impetrante, conforme narrado neste writ, somente poder ser apreciado pelo Poder Judiciário, posto tatar-se de crime comum”.
Ele destacou que é entendimento pacífico da jurisprudência pátria: a formação de Comissão Processante pela Câmara Municipal para apurar infrações praticadas pelo vice-prefeito, sem estar investido no cargo de prefeito, “fere direito líquido e certo, posto que tais infrações não estão sujeitas à competência apuratória e sancionatóra da Câmara Municipal, vez que esta se limita a fiscalizar condutas praticadas durante o exercício do mandato de Prefeito”.
VEJA A DECISÃO NA ÍNTEGRA:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça de Rondônia
Buritis - 1ª Vara Genérica AC Buritis, nº 1380,
Bairro Setor 3, CEP 76880-000,Buritis,
Rua Taguatinga 7001130-82.2022.8.22.0021
IMPETRANTE: JOABE LANA DE ALMEIDA
ADVOGADOS DO IMPETRANTE: JUNIEL FERREIRA DE SOUZA, OAB nº RO6635A, ISRAEL FERREIRA DE OLIVEIRA, OAB nº RO7968 IMPETRADO: P. D. C. D. V. D. B. IMPETRADO SEM ADVOGADO(S)
Decisão Vistos,
Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por JOABE LANA DE ALMEIDA contra ato coator imputado ao Sr. ADRIANO DE ALMEIDA LIMA, PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES DE BURITIS/RO. Relata o impetrante estar no cargo de Vice Prefeito do município de Buritis/RO, eleito no pleito municipal de 2020, para o quadriênio 2021/2024 e que no dia 08 de outubro de 2021, foi instaurado no âmbito da Procuradoria Geral do Município, o processo nº 1-1830/2021, para apurar suposta prática de assédio moral e sexual por parte do impetrante, contra servidoras lotadas no Gabinete do Prefeito.
Com base no relatório final da Procuradoria Geral do Município, a Câmara Municipal de Buritis/RO instalou comissão processante, a fim de apurar a suposta pratica de infração político-administrativa, capitulada no artigo 4º, X, do Decreto 201/67 e no artigo 45, X, da Lei Orgânica Municipal, sustendando o impetrante que a instauração comissão processante pela Câmara Municipal de Buritis/RO, está em desacordo com o atual ordenamento jurídico, uma vez que o artigo 4º, X, do Decreto 201/67 e o artigo 45, X, da Lei Orgânica Municipal, dispõem sobre a competência da Câmara Municipal para julgar atos praticados pelo Prefeito Municipal, e o fato atribuído ao impetrante não pode ser definido como infração político administrativa, já que não consta do rol do artigo 4º, do Decreto 201/67, e mais, quando da suposta pratica dos fatos atribuídos, o impetrante não estava investido no cargo de Prefeito, tratando-se, portanto, de crime comum, que deve ser julgado e processado pelo PODER JUDICIÁRIO e não pela Câmara Municipal.
É o relatório. Decido.
O art. 7.º, inc. III, da Lei nº. 12.016 – Lei do Mandado de Segurança, autoriza a suspensão do ato tido por coator quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida. O art. 300, do Código de Processo Civil/15, estipula que “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. A propósito, o art. 299, parágrafo único, c/c art. 932, inc. II, do Código de Processo Civil/2015, também autorizam antecipar os efeitos da tutela, desde que presentes os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora. Em síntese, em sede de Mandado de Segurança poderá ser concedida tutela provisória de urgência antecipada para a suspensão do ato coator, em caráter liminar, quando se verificar a relevância da fundamentação exposta na inicial, a plausibilidade da medida e o perigo de dano resultante da demora no julgamento.
Na espécie, o impetrante pretende a concessão de liminar para o fim de “determinar a SUSPENSÃO da Comissão Processante Nº 35/2022/CMB assegurando ao impetrante o direito de exercer o seu mandato eletivo até o julgamento final do presente Writ”. Num juízo perfunctório, entendo estar presentes os requisitos exigidos para a concessão da liminar, quais sejam, a verossimilhança das alegações e a possibilidade de ineficácia da medida caso esta seja deferida somente ao final. A verossimilhança das alegações encontra-se consubstanciada no fato de que o impetrante é Vice-Prefeito do município de Buritis/RO, eleito no pleito municipal de 2020, para o quadriênio 2021/2024, bem como, não consta no relatório elaborado pela Procuradoria Geral do Município, no processo nº 1-1830/2021, a informação de que a suposta prática de assédio moral e sexual por parte do impetrante de deu em período em que o mesmo estava investido no cargo de Prefeito em substituição ao Prefeito Eleito.
Aliás, pelo que consta, em nenhum momento desde a data da posse, o Vice-Prefeito, ora impetrante, fora investido no cargo de Prefeito.
Assim, o ato coator de instaurar uma Comissão Processante para julgar os atos supostamente praticados pelo Vice-Prefeito está em desconformidade com o que prevê o art. 4º, X, do Decreto 201/67 e o art. 45, X, da Lei Orgânica Municipal, os quais prevêem que as infrações político-administrativas que ali constam, só podem ser praticadas pela pessoa do Prefeito, devidamente investido no cargo, não sendo extensivas ao Vice-Prefeito, mormente quando este sequer fora investido, em momento algum, no cargo de Prefeito. Portanto, o suposto crime praticado pelo impetrante, conforme narrado neste writ, somente poder ser apreciado pelo PODER JUDICIÁRIO, posto tatar-se de crime comum.
Ademais, é entendimento pacífico da jurisprudência pátria que a formação de Comissão Processante pela Câmara Municipal para apurar infrações praticadas pelo Vice-Prefeito, sem estar investido no cargo de prefeito, fere direito líquido e certo, posto que tais infrações não estão sujeitas à competência apuratória e sancionatóra da Câmara Municipal, vez que esta se limita a fiscalizar condutas praticadas durante o exercício do mandato de Prefeito.
No ponto: APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. MONGAGUÁ. CASSAÇÃO DE MANDATO DO VICE- -PREFEITO.
Sentença que concedeu a segurança, para declarar a nulidade dos Processos de Cassação no que diz respeito à figura do impetrante, “ficando vedada a sua cassação por atos eventualmente praticados quando ocupava o cargo de Vice-Prefeito, isto é, sem que tenham ocorrido no período em que efetivamente substituiu o titular do executivo”. Apelação. Não conhecimento. Intempestividade. Reexame necessário. Desprovimento. Procedimento previsto no Decreto-Lei nº 201/1967 (que “dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências”) reservado àqueles que tenham efetivamente substituído o Prefeito, não se devendo estender as suas disposições aos que jamais tenham ocupado o cargo de Chefe do Executivo local. Posicionamento doutrinário e jurisprudencial nesse sentido. In casu, não constam quaisquer evidências de que os fatos objeto dos processos de cassação se amoldem às hipóteses de legitimidade da Câmara Municipal para processar e julgar o Vice-Prefeito. Sentença mantida. Recurso de apelação não conhecido; reexame necessário desprovido, com observação. (TJSP - APL: 1001838-03.2018.8.26.0366, Relator: Heloísa Martins Mimessi, Data de Julgamento: 26/10/2020, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 27/10/2020) APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. Impetração contra decisão do Legislativo que cassou o mandato da Vice-Prefeita do Município de Restinga, eleita para o quadriênio 2013/2016. Ato praticado por meio do Decreto Legislativo nº 02, de 13 de agosto de 2013, editado com base na decisão do Plenário da Câmara de Vereadores que, por maioria de votos, acolheu parecer da comissão processante, reconhecendo a procedência das imputações (relacionadas à prática de infrações político administrativas) atribuídas à Vice-Prefeita no Processo CP 01/2013. Alegação de ilegalidade. Reconhecimento. Julgamento político que somente se aplica nas hipóteses em que o Vice-Prefeito atuou na condição de Prefeito. Impetrante, entretanto, que exerceu apenas a figura institucional (substituta eventual), sem praticar atos administrativos e de gestão, ou seja, não assinou contratos, não nomeou funcionários, nem gerenciou bens ou recursos. Se eventualmente interferiu nessa área, por via indireta ou de forma dissimulada e ilegal e em prejuízo do erário ou dos princípios da Administração Pública, deve, em tese, como qualquer outro agente político (e não só porque é Vice-Prefeita) responder judicialmente por ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. O que não se permite é que a Câmara de Vereadores, a pretexto de exercer competência definida pelo Decreto-Lei nº 201/1967, descaracterize a posição da figura institucional da Vice-Prefeita (que nunca assumiu o cargo de Prefeito) e lhe aplique punição política com base em fatos praticados fora de sua função específica e oficial (que é a de substituir ou auxiliar formalmente o Prefeito), sob pena de ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal, uma vez que a competência para decidir o conflito, nesse caso em que as infrações foram praticadas fora do exercício da função de substituto do Prefeito, seria do PODER JUDICIÁRIO. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça. Ato impugnado, ademais, que não encontra respaldo nos artigos 91 e 289 do Regimento Interno da Câmara Municipal, pois esses dispositivos ao disporem sobre o julgamento político do Vice-Prefeito deixam claro e expresso que essa possibilidade só pode ocorrer nos termos da lei e quando as infrações forem praticadas no desempenho de suas funções (lembrando-se que a função do Vice-Prefeito é de substituir o Prefeito). E nem poderia ser diferente, considerando que a lei a que se refere o mencionado Regimento Interno, no caso, é o Decreto-Lei 201/1967, cujo artigo 3º é orientado no sentido de que o Vice- -Prefeito fica sujeito ao mesmo processo do substituído somente no caso de substituição, de forma que -não tendo havido substituição - é incabível em relação a ele julgamento político. E mesmo que o Regimento Interno da Câmara Municipal dispusesse em sentido contrário, permitindo, por exemplo, que a Vice-Prefeita fosse julgada pelo Legislativo (mesmo sem nunca ter exercido atos de gestão) ainda assim a decisão impugnada não se converteria em ato legítimo. É que eventual norma local dispondo de forma diversa às regras do Decreto-Lei 201/1967 seria ilegal ou inconstitucional, já que o Município não dispõe de competência para legislar sobre esse tema. Conforme Súmula 722 do Supremo Tribunal Federal “São de competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”. Vale ressaltar, ainda, que as hipóteses de sucessão ou substituição do Prefeito são aquelas previstas na Lei Orgânica do Município, não podendo a Câmara de Vereadores, portanto, para justificar a instauração de processo político contra a impetrante, criar ou se basear em outra modalidade de participação da Vice-Prefeita na Administração, como, por exemplo, o suposto “exercício de fato” das atribuições do Executivo (com base na denominada “Teoria da Aparência”) ainda mais por aplicação analógica, porque essa solução interna (instituindo hipótese de cabimento de julgamento político do Vice-Prefeito) implica, inegavelmente, em ofensa ao princípio da legalidade. Na lição de Hely Lopes Meirelles, “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2004, p. 88). Recursos oficial e voluntário desprovidos, mantida a r. sentença de primeiro grau. (Apelação / Remessa Necessária nº 0028525-35.2013.8.26.0196, Rel. Des. Ferreira Rodrigues, 4ª Câmara de Direito Público, j. em 23/02/2015; g.n.). Apelação Cível - Mandado de Segurança Instauração de Comissão Processante na Câmara dos Vereadores para apurar atos do Vice- -Prefeito - Impetração pelo investigado. Concessão da segurança pelo Magistrado “a quo”. Recurso Oficial e Recurso Voluntário pelos Vereadores. Extinção de rigor. Recurso oficial Não conhecido, nos termos do disposto no artigo 475, § 2º, do CPC. Valor da causa inferior a 60 salários mínimos. Desnecessidade. Recurso voluntário da Presidência da Câmara dos Vereadores - Previsão regimental para instituir Comissão Processante para processar e julgar Vice-Prefeito. Impossibilidade. -Decreto-lei 201/67 somente se aplica nas hipóteses em que o Vice-Prefeito atuou na condição de Prefeito, o que não é o caso. Aplicação da Lei Federal 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) - Processamento no âmbito da Câmara Municipal Impossibilidade O processo de Improbidade deve ser necessariamente jurisdicional. Ato interna corporis. - Limite à atuação do Judiciário. Descaracterização. Questão não meramente regimental. Lesão ou ameaça a lesão de direitos autoriza impetração do mandamus. Expiração do mandato - Investigado - Perda de objeto superveniente - Inteligência do art. 462, do CPC. -Não há possibilidade de cassação de mandato já extinto. -Hipótese que, contudo, não obsta investigação por via adequada. R. Sentença mantida Recurso oficial não conhecido - Recurso, voluntário prejudicado. - Processo extinto, nos termos do art 267, VI, do CPC. (Apelação / Remessa Necessária nº 9139816-29.2009.8.26.0000, Rel. Des. Sidney Romano dos Reis, 6ª Câmara de Direito Público, j. em 28/03/2011; g.n.). É a própria redação do art. 45, X, da Lei Organica Municipal que assim disciplina: “São infrações político-administrativas do Prefeito Municipal sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato: (...) X - Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo”. Assim, constata-se a ilegalidade da formação da Comissão julgadora pelo Poder Legislativo Municipal para apreciar os fatos praticados pelo impetrante, haja vista a ausência de fundamentação legal para tanto, posto que o artigo 4º, X, do Decreto 201/67 e o artigo 45, X, da Lei Orgânica Municipal, dispõem acerca da competência do Poder Legislativo para apreciar crimes praticados pelo Prefeito no exercício da função. A doutrina segue o mesmo entendimento. Hely Lopes Meirelles ensina que: “Podem também incidir em infração político-administrativa e ser responsabilizados pela Câmara o Vice-Prefeito e o Presidente da Câmara, durante a substituição do Prefeito ...”
Ante o exposto, presentes os requisitos necessários, CONCEDO a liminar pleiteada, a fim de determinar que a autoridade coatora proceda a suspensão da Comissão Processante Nº 35/2022/CMB, sendo assegurando ao impetrante o direito de exercer o seu mandato eletivo, até o julgamento final do presente mandamus. Intime-se a autoridade apontada como coatora, intimando-o para cumprir a liminar e notificando-a do conteúdo da petição inicial, a fim de que, no prazo de dez (10) dias, preste as devidas informações. Após, dê-se vistas ao Ministério Público.
SERVE O PRESENTE COMO MANDADO/ CARTA PRECATÓRIA/ OFÍCIO.
Buritis, 7 de março de 2022
Hedy Carlos Soares
Juiz de Direito
URL: https://rondoniadinamica/noticias/2022/03/justica-de-rondonia-suspende-processo-administrativo-contra-vice-prefeito-acusado-de-assediar-servidoras-moral-e-sexualmente,126405.shtml