Rondoniadinamica
Publicada em 16/05/2022 às 11h09
Porto Velho, RO – No começo de maio, o Rondônia Dinâmica veiculou a seguinte matéria: “Acórdão do TRE de Rondônia permite saída de Rafael “É o Fera” do União Brasil sem perder o mandato de vereador”.
Agora, uma nova decisão colegiada patrocinada pelo mesmo órgão propicia a outra pessoa a deixar a legenda.
Rosana Pereira, vereadora de Ji-Paraná, ingressou com ação específica na Justiça a fim de debandar após o DEM unir-se ao PSL e se traformar no União Brasil.
A ação foi julgada procedente, à unanimidade, de acordo com o voto do relator, o juiz Clênio Amorim Corrêa.
A base do argumento no relatório do magistrado tem a ver com a "dificuldade ou a ausência de um critério minimamente objetivo que possa oferecer um parâmetro para o exame da semelhança ou não da linha ideológica e dos objetivos políticos entre programas partidários de agremiações que se fundiram para a constituição de uma nova, para além de uma análise meramente formal, literal". e isto, na visão dele, "justifica, a meu ver, considerar a fusão como hipótese de justa causa presumida para a desfiliação, nos termos do inciso I, do parágrafo único, do art. 22-A, da Lei n. 9.096/95".
Ele complementa:
"Comprovada a fusão e por ser presumível a alteração substancial do programa partidário em caso de fusão, ainda que haja semelhança formal entre o programa partidário das agremiações extintas e do novo partido, competia à parte requerida fazer prova de fato modificativo, extintivo e impeditivo do direito do autor (CPC, art. 373, inciso II). Isto é, cabia à parte requerida demonstrar a identidade ideológica e de objetivos políticos entre PSL e DEM e o partido UNIÃO BRASIL, para além de uma comprovação formal entre programas partidários e convergências em votações no Congresso Nacional na atual legislatura, o que, a meu ver, não ficou devidamente comprovado pela parte requerida", anotou.
E encerrou decidindo:
“Pelo exposto, com base nos precedentes citados, julgo PROCEDENTE o pedido, confirmando a decisão de tutela antecipada, e DECLARO A EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA para desfiliação de ROSANA PEREIRA LIMA do PARTIDO UNIÃO BRASIL – UNIÃO”, declarou a o Juízo.
CONFIRA:
"ACÓRDÃO N. 97/2022 AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA/PERDA DE CARGO ELETIVO PJE N. 0600060-34.2022.6.22.0000 - JI-PARANÁ-RO Relator: Juiz Clênio Amorim Corrêa Requerente: Rosana Pereira Lima Advogado: Tácio Augusto Moreno de Farias - OAB/RO n. 9046 Advogada: Andreciliana Dias dos Santos Miranda - OAB/RO n. 4430 Requerido: Diretório Nacional do União Brasil Advogado: Andrey Oliveira Lima - OAB/RO n. 11009 Advogado: Zoil Batista de Magalhães Neto - OAB/RO n. 1619 Advogado: Alexandre Camargo - OAB/RO n. 704 Advogada: Cristiane Silva Pavin - OAB/RO n. 8221 Advogado: Nelson Canedo Motta - OAB/RO n. 2721 Advogado: Alexandre Camargo Filho - OAB/RO n. 9805 Ação de Justificação de Desfiliação Partidária. Vereador eleito. Fusão de partidos. Novo partido. Novas diretrizes. Mudança substancial do programa partidário. Justa causa. Ocorrência. Pedido procedente. I - As regras que disciplinam a justa causa para desfiliação partidária possuem assento no § 6º do art. 17 da Constituição Federal e no art. 22-A na Lei n. 9.096/1995. II - A partir da edição da Lei n. 13.165/2015, inserindo o art. 22-A na Lei n. 9.096/1995, houve a revogação tácita do § 1º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/2007. Precedente STF. III - A fusão partidária encerra hipótese de mudança substancial do programa partidário, pois as ideologias originárias dos partidos que resolvem se unir deixam de existir, dando espaço a um novo estatuto, com ideários, princípios, filosofias e regras próprias. IV - Reconhecimento da justa causa para desfiliação, com preservação do mandato eletivo conquistado nas urnas. V - Pedido julgado procedente. ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia em julgar a ação procedente, nos termos do voto do relator, à unanimidade. Porto Velho, 2 de maio de 2022.
Assinado de forma digital por: JUIZ CLÊNIO AMORIM CORRÊA Relator
RELATÓRIO
O SENHOR JUIZ CLÊNIO AMORIM CORRÊA: Trata-se de Ação de Justificação de Desfiliação Partidária, com pedido de tutela antecipada, ajuizada por ROSANA PEREIRA LIMA, em face do Diretório Regional do PARTIDO UNIÃO BRASIL - UNIÃO (id. 7899738). A requerente alega que foi eleita para o cargo de Vereadora do Município de Ji-Paraná/RO pelo Partido Democratas (DEM), para a legislatura 2021/2024, todavia, em 08/02/2022, nos Autos n. 0600641-95.2021.6.00.0000, o Tribunal Superior Eleitoral homologou a fusão partidária entre o DEM e o Partido Social Liberal (PSL), criando o Partido UNIÃO BRASIL - UNIÃO, fator de controvérsia no âmbito do novo ente político. Assim, invoca as disposições contidas no art. 17, § 6º, da Constituição Federal c/c art. 22-A, parágrafo único, inciso I, da Lei dos Partidos Políticos e art. 1º, § 1º, inciso I, da Resolução TSE n. 22.610/2007, com o objetivo de desvincular-se do UNIÃO, sem a perda do mandato eletivo no qual se encontra investida. Para tanto, assevera que com a fusão houve a mudança substancial do programa partidário, que "não somente prejudica o titular do mandato como altera essencialmente a representatividade de seu cargo." Sentencia, ainda, que a mudança substancial que defende constitui "distorção e subversão de um posicionamento ideológico do Partido Social Liberal, a ponto de tornar inviável a permanência do requerente nos quadros da agremiação pela qual foi eleito." Foram carreados aos autos: a) certidão de filiação partidária (id. 7899740); b) certidão de composição do diretório regional do antigo Partido Democratas (id. 7899741); c) estatuto do partido União Brasil (id. 7899742); e d) acórdão do TSE no processo Registro de Partido Político n. 0600266-31.2020.6.00.0000 (id. 7899743). Decisão pelo deferimento da tutela de urgência (id. 7900088). Devidamente citado, o partido requerido pugnou pelo indeferimento do pedido, sustentando inexistência da suscitada mudança substancial no programa partidário.
Carreou aos autos os Estatutos DEM e do UNIÃO (ids. 7902555, 7904991 e 7904992). A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela revogação da medida cautelar concedida e pelo julgamento de improcedência do pedido de declaração de justa causa para a desfiliação partidária de ROSANA PEREIRA LIMA (id. 7904490). É o relatório. VOTO O SENHOR JUIZ CLÊNIO AMORIM CORRÊA (Relator): A propositura da demanda ocorreu de forma tempestiva (art. 1º, § 3º da Resolução/TSE 22.610/2010) e a requerente demonstrou ser parte legítima, estando presentes ainda os demais requisitos necessários ao conhecimento da demanda. Consoante relatado, trata-se de ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária proposta com base nas disposições contidas no art. 17, § 6º, da Constituição Federal c/c art. 22-A, parágrafo único, inciso I, da Lei dos Partidos Políticos, pela qual a Vereadora do extinto DEM, eleita para a legislatura 2021/2024, pugna seja declarada a justa causa para sua saída do partido, fincando seu pedido na alteração das diretrizes partidárias advindas com a fusão do seu partido de origem com o PSL. No caso, a autora é uma dentre os poucos mandatários que não auferiu carta de anuência de desfiliação junto ao novo Partido UNIÃO BRASIL.
O atual regramento da matéria está assim disposto: Constituição Federal "Art. 17 ( ) § 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão". (Incluído pela Emenda Constitucional n. 111, de 2021). Lei dos Partidos Políticos: "Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015) Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015) I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)" A matéria aqui tratada não se reveste de novidade para este Pleno, em que pese nos depararmos pela primeira vez diante de um caso concreto de desfiliação em razão de fusão de partidos desde a edição da Lei n. 13.165/2015. Em recentes decisões, à unanimidade, firmou-se o entendimento neste Regional no sentido de que a fusão de partidos gera justa causa para a desfiliação partidária sem a perda do mandato, na medida em que "encerra hipótese de mudança substancial do programa partidário", analisada para além do mero cotejo das normas estatutárias, mas sob o espectro da compatibilidade de orientação política da nova agremiação, haja vista que as tratativas para a criação do novo ente partidário é construída com base em renúncias e flexibilidade das forças políticas que deixam de existir.
Transcrevo as ementas dos precedentes da Corte: "Ação de Justificação de Desfiliação Partidária. Justa causa. Fusão partidária. Mudança substancial do programa partidária. Previsão expressa na Lei n. 9.096/95. Ocorrência. Pedido procedente. I - As regras que disciplinam a justa causa para desfiliação partidária possuem assento no § 6º do art. 17 da Constituição Federal e no art. 22-A na Lei n. 9.096/95; II - A partir da edição da Lei n. 13.165/15, inserindo o art. 22-A na Lei n. 9.096/95, houve a revogação tácita do § 1º do artigo 1º da Resolução TSE n. 22.610/07. Precedente STF; III - A fusão partidária encerra hipótese de mudança substancial do programa partidário, pois as ideologias originárias dos partidos que resolvem se unir deixam de existir, dando espaço a um novo estatuto, com ideários, princípios, filosofias e regras próprias; IV - Pedido de desfiliação por justa causa procedente." (AJDesCargEle n. 0600059-49.2022.6.22.0000 - Relator: Juiz EDSON BERNARDO ANDRADE REIS - julgado em 11/04/2022) "AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR. DESFILIAÇÃO DE PARTIDO PELO QUAL NÃO FOI ELEITO. FUSÃO DE PARTIDO POLÍTICO. MUDANÇA SUBSTANCIAL DO PROGRAMA PARTIDÁRIO. IDEIAS CONFLITANTES. ART. 22-A, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO I, DA LEI Nº 9.096/95. PROCEDÊNCIA. I - O texto legal do art. 22-A, caput, da LPP é expresso ao dispor que perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. No caso, o requerente não foi eleito pelo União Brasil porque este partido somente surgiu quando da recente aprovação de seu estatuto e programa, em fevereiro de 2022. II - A mudança substancial do programa partidário não deve ser examinada apenas no aspecto formal, resumindo-se a uma análise literal, mediante comparação, entre programa partidário anterior e atual registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas e informado ao TSE (Resolução TSE n. 23.571/2018 e Lei n. 9.096/95). O propósito da Constituição Federal e da Lei n. 9.096/95 de fortalecer os partidos políticos a partir de programas partidários claros e perenes, que proporcionem uma real identidade ideológica entre agremiações, filiados e eleitores, não seria alcançado caso a avaliação da mudança substancial do programa partidário fosse apenas formal. III - Há outros fatores e circunstâncias que devem ser ponderados, especialmente no caso de fusão de partidos. O programa descreve basicamente a linha ideológica e os objetivos políticos que nortearão a atuação do partido. E a linha ideológica e os objetivos políticos são conceitos flexíveis, genéricos e dinâmicos no Brasil, que se alteram ao longo do tempo com muita facilidade, de acordo com o contexto político, econômico e social e conforme o perfil dos detentores dos cargos eletivos e do eleitorado do partido. IV - Se é comum, no Brasil, partidos políticos tradicionais darem novo significado ao seu programa partidário, sem qualquer alteração formal, para acomodar novos interesses, o que se dirá do novo partido UNIÃO BRASIL, criado recentemente, e que ainda procura conciliar concepções ideológicas de parlamentares com perfis diferentes em alguns temas. V - Essa dificuldade ou a ausência de um critério minimamente objetivo que possa oferecer um parâmetro para o exame da semelhança ou não da linha ideológica e dos objetivos políticos entre programas partidários, para além de uma análise meramente formal, literal, justifica considerar a fusão como hipótese de justa causa presumida para a desfiliação, nos termos do inciso I, do parágrafo único, do art. 22-A, da Lei n. 9.096/95. VI - Pedido que se julga procedente. (AJDesCargEle n. 0600051-72.2022.6.22.0000 - Relator: Juiz WALISSON GONCALVES CUNHA - julgado em 21/04/2022) Nessa esteira, oportuno destacar trecho do voto do eminente Juiz Walisson Gonçalves Cunha, no julgamento da AJDesCargEle n. 0600051-72, que de maneira clara e contundente analisou a matéria, cujos fundamentos adoto como razão de decidir e ora transcrevo para que não se incorra em tautologia: "( ) 4 - A fusão como hipótese de justa causa: mudança substancial do programa partidário (art. 22-A, parágrafo único, inciso I, da Lei n. 9.096/95) E ainda que essa tese fosse considerada equivocada, é razoável concluir que a fusão é hipótese de justa causa para desfiliação, consistente na alteração substancial do programa partidário. Quanto ao tema, José Jairo Gomes afirma que: 2 "Art. 22-A, inciso I - A mudança substancial do programa da entidade decorre de ato formal, pelo qual um novo programa é esposado, em detrimento do anterior, que é abandonado. A alteração deve ser substancial, e não meramente pontual. É de todo compreensível que alguém queira abandonar as fileiras de uma organização que alterou o ideário antes cultivado, pois com ela pode não mais se identificar, não mais se encontrar irmanado. Em tal caso, a causa da desfiliação é inteiramente atribuível à própria entidade, que reviu seus rumos, não sendo justo que o mandatário seja forçado a nela permanecer." (grifei) Contudo, com a devida vênia aos que pensam que a mudança substancial do programa partidário deve ser examinada apenas no aspecto formal, acredito que a alteração não pode se resumir a uma análise literal, mediante comparação, entre programa partidário anterior e atual registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas e informado ao TSE (Resolução TSE n. 23.571 /2018 e Lei n. 9.096/95).Há outros fatores e circunstâncias que devem ser ponderados, especialmente no caso de fusão de partidos. O programa partidário descreve basicamente a linha ideológica e os objetivos políticos que nortearão a atuação do partido. E a linha ideológica e os objetivos políticos são flexíveis, genéricos e dinâmicos no Brasil, que se alteram ao longo do tempo com muita facilidade, de acordo com o contexto ou interesses de natureza política, econômica e social e conforme o perfil dos detentores dos cargos eletivos e do eleitorado do partido político. Outra característica dos programas partidários é a previsão de concepções ideológicas e objetivos políticos desprovidos de clareza.
Por isso que é comum, no Brasil, partido político dar nova interpretação e sentido à concepção ideológica e aos objetivos políticos descritos em seu programa partidário, sem alterá-lo formalmente. Do mesmo modo, no Brasil, é corriqueiro que partidos políticos, com o mesmo espectro político - esquerda, centro-esquerda, direita, centro-direita, extrema-direita, centro etc. - e com programas partidários formalmente semelhantes, divirjam, no plano fático , uns dos outros. 3 Nesse contexto, parece-se que o propósito da Constituição Federal e da Lei n. 9.096/95 de fortalecer os partidos políticos a partir de programas partidários claros e perenes, que proporcionem uma real identidade ideológica entre agremiações, filiados e eleitores, não será alcançado caso a avaliação da mudança substancial do programa partidário, para fins de permitir a desfiliação por justa causa (inciso I, do parágrafo único, do art. 22-A, da Lei n. 9.096/95), se limite a uma análise literal, mediante comparação, entre programa partidário anterior e atual, a fim de verificar diferenças relevantes. Contudo, é importante ressaltar que há uma certa dificuldade em identificar, no plano fático, eventual alteração substancial do programa partidário que não tenha sido modificado formalmente, sendo ônus do detentor do cargo eletivo provar este fato constitutivo do seu direito, conforme dispõe o art. 373, inciso I, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo eleitoral. A detecção da alteração substancial do programa partidário no plano fático é ainda mais difícil e complexa no caso de fusão de partidos, sobretudo na hipótese em que os programas partidários das agremiações extintas forem semelhantes ao do novo partido. No caso dos autos, trata-se da fusão entre os partidos DEM e PSL, com a constituição do partido UNIÃO BRASIL. Pode-se dizer que o DEM era considerado, antes da fusão, ora como partido de direita, ora como partido de centro-direita (direita moderada).
Por outro lado, o PSL era definido, antes da fusão, ora como partido de direita, ora como partido de extrema-direita. Embora DEM e PSL tivessem projetos políticos semelhantes em alguns aspectos, como liberalismo econômico e algumas ideias voltadas ao pensamento político conservador, inclusive com alto percentual de votações convergentes no Congresso Nacional na atual legislatura, o fato é que eram partidos distintos e dificilmente houve, no plano fático, uma completa identidade ideológica e de objetivos políticos. Além disso, como já mencionado, a convergência ideológica e de objetivos políticos entre partidos, com reflexos em votações no Congresso Nacional, é, repita-se, transitória no Brasil, alterando-se de acordo com o contexto ou interesses de natureza política, econômica e social do momento. Portanto, considerando que no Brasil os partidos políticos possuem, repita-se, concepções ideológicas e objetivos desprovidos de clareza e perenidade, não me parece prudente obrigar o senhor Rafael Bento Pereira, detentor de cargo eletivo, que permaneça no novo partido, UNIÃO BRASIL, constituído recentemente por meio da fusão entre DEM e PSL, sem a anuência do requerente, com a justificativa de que o programa partidário do UNIÃO BRASIL é formalmente semelhante ao do DEM e do PSL, quando, no plano fático, tal circunstância não é garantia de respeito ao projeto político traçado pela nova agremiação. Ou seja, se é comum, no Brasil, partidos políticos tradicionais darem novo significado ao seu programa partidário, sem qualquer alteração formal, para acomodar novos interesses, o que se dirá do novo partido UNIÃO BRASIL, criado recentemente, e que ainda procura conciliar concepções ideológicas de parlamentares com perfis diferentes em alguns temas.
Essa dificuldade ou a ausência de um critério minimamente objetivo que possa oferecer um parâmetro para o exame da semelhança ou não da linha ideológica e dos objetivos políticos entre programas partidários de agremiações que se fundiram para a constituição de uma nova, para além de uma análise meramente formal, literal, justifica, a meu ver, considerar a fusão como hipótese de justa causa presumida para a desfiliação, nos termos do inciso I, do parágrafo único, do art. 22-A, da Lei n. 9.096/95.
Comprovada a fusão e por ser presumível a alteração substancial do programa partidário em caso de fusão, ainda que haja semelhança formal entre o programa partidário das agremiações extintas e do novo partido, competia à parte requerida fazer prova de fato modificativo, extintivo e impeditivo do direito do autor (CPC, art. 373, inciso II). Isto é, cabia à parte requerida demonstrar a identidade ideológica e de objetivos políticos entre PSL e DEM e o partido UNIÃO BRASIL, para além de uma comprovação formal entre programas partidários e convergências em votações no Congresso Nacional na atual legislatura, o que, a meu ver, não ficou devidamente comprovado pela parte requerida.
No que diz respeito às votações no Congresso Nacional, basta dizer que no mesmo estudo que 4 revelou que PSL e DEM tiveram alto índice de convergência nas votações na atual legislatura, outros partidos, a exemplo do Patriota, PSC, PL, PP, Republicanos, PSD e PTB, tiveram um índice de convergência ainda maior em votações na atual legislatura. No entanto, entendo não ser possível dizer que entre Patriota, PSC, PL, PP, Republicanos, PSD e PTB há uma identidade ideológica verdadeira, mas apenas uma convergência de interesses ligada ao fato de que todos compõem atualmente a base do Governo Federal no Congresso Nacional. Frise-se, ainda, que apesar de o tema ser novo e não haver julgamento do TSE tratando especificamente sobre a fusão de partidos como justa causa para a desfiliação partidária, com fundamento no inciso I, do parágrafo único, do art. 22-A, da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei nº 13.165, de 2015, parece-me que a tendência da Corte Superior Eleitoral é na mesma linha, para permitir a desfiliação sem perda do mandato na hipótese de fusão entre partidos. Isso porque no julgamento do Agravo Regimental na Petição Cível nº 0600027-90.2021.6.00.0000, onde se discutiu o pedido de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária manejada em desfavor de Ricardo Correa Barros, houve a análise da justa causa na hipótese de o parlamentar que, eleito ao cargo de deputado federal em 2018 pelo Partido Republicano Progressista (PRP), o qual foi incorporado ao PATRIOTA em 2019, migrou para o Partido Social Cristão (PSC), abandonando, assim, a legenda que dera suporte à sua candidatura.
O eminente relator, Ministro Alexandre de Moraes, pronunciou, nesse caso que tratou de incorporação partidária, da seguinte forma: Nesse passo, a alegada revogação tácita do art. 1º, § 1º da Res.-TSE 22.610/2007 - que previa de forma expressa no inciso I a hipótese de incorporação ou fusão de partido político como justa causa para a desfiliação partidária (ADI 4583) em razão de ter a matéria sido tratada no art. 22-A na Lei 9.096/95, acrescentado pela Lei 13.165/2015, não ampara o autor, pois forçoso reconhecer que o parlamentar pertencente ao partido incorporado, ao fim e ao cabo, encontra-se em situação jurídica semelhante a hipótese normativa relacionada a mudança substancial do programa partidário (PETIÇÃO CÍVEL nº 060002790, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 24, Data 17/02/2022) (grifei).
Neste julgado, Ministros da Corte Superior Eleitoral entenderam que a fusão, à semelhança da incorporação, resulta em importante alteração da orientação política da agremiação, ensejando justa causa para a desfiliação partidária dos filiados que discordem da aglutinação ocorrida. Vejase: O SENHOR MINISTRO CARLOS HORBACH: [...] Esta Corte, interpretando esse aspecto específico da Constituição, estabeleceu que a incorporação, pura e simples, e a fusão de partidos políticos eram justa causa para desfiliação, assim como a criação de novos partidos. Tais hipóteses eram contempladas no inciso II do § 1º do art. 1º da Resolução n. 22.610, enquanto que a hipótese de "mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário" era contemplada no inciso III do mesmo dispositivo.
É verdade que houve uma sucessão legislativa aqui. Houve a introdução de um dispositivo novo na Lei Orgânica dos Partidos Políticos, a Lei 9.096/1995, que acabou alterando um pouco essa disciplina normativa. Entretanto, parece-me que a interpretação originária dessa Corte é a que deve prevalecer, é a que deve se projetar na solução do caso concreto em julgamento. A incorporação, por si só, e a fusão de partidos já geram uma série de consequências políticas ensejadoras da desfiliação, consequências essas que transcendem, até mesmo, o que está posto nos estatutos. O mero cotejo dos estatutos dos partidos fundidos não é referencial, a meu ver, suficientemente idôneo para afirmar se há, ou não, uma incompatibilidade de orientação política. E é possível recorrer-se a um exemplo histórico, que é bastante significativo. Trata-se da experiência do tradicional Partido Comunista Brasileiro que, na década de 60, sofre uma dissidência com a criação do PCdoB. Se os estatutos desses dois partidos - PCB e PCdoB - fossem cotejados, certamente haveria uma identidade total, ou quase absoluta, em suas normas; mas haveria uma dissonância total de orientação política, não haveria uma identidade de ideias. Esse simples exemplo demonstra que a mera análise do estatuto não é um elemento adequado para se afirmar que uma fusão ou incorporação gera uma incompatibilidade apta a embasar a desfiliação.
Deve-se buscar, na minha compreensão, um referencial objetivo. E o elemento objetivo que se tem é o elemento da fusão ou da incorporação pura e simples. Então, por essas razões, pedindo todas as vênias à divergência, eu acompanho o eminente Ministro relator. É como voto. (grifei) O Ministro Luís Roberto Barroso também se pronunciou nesse sentido: O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): [...] Portanto, eu aplico aqui o inciso I do art. 22-A. Eu considero que a incorporação, ou a fusão de partidos, é uma mudança substancial de rota, na vida daquela agremiação. E por esta razão, e apenas por essa razão, eu vou pedir todas as vênias ao eminente Ministro Luiz Edson Fachin e Sérgio Banhos, para acompanhar o relator. O exemplo que o Ministro Carlos Horbach deu é bastante singular do Partido Comunista Brasileiro, o velho partidão, e do Partido Comunista do Brasil, com programas semelhantes embora deva se fazer o registro que ambos eram clandestinos, naquela época, nos anos 60. [...] Eu, portanto com todas as vênias ao Ministro Luiz Edson Fachin e Sérgio Banhos, entendendo as preocupações de ambos, com as quais eu estou alinhado, de preservação da fidelidade partidária, eu considero, no entanto, que a incorporação de um partido por outro, ou a fusão entre partidos, constitui um fato político relevante que deve permitir ao parlamentar que esteja filiado a qualquer um deles opte por não integrar a nova agremiação que se forma, ou diluir-se em uma agremiação anteriormente existente. (grifei)
Além disso, esta Corte Eleitoral julgou recentemente ação semelhante, em que o entendimento foi no sentido de que a fusão de partidos gera justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato (AJDesCargEle n. 0600059-49.2022.6.22.0000, Relatoria Juiz Edson Bernardo Andrade Reis, julgado em 05/04/2022), nos termos do inciso I, do parágrafo único, do art. 22-A, da Lei n. 9.096/95. ( )"
Pelo exposto, com base nos precedentes citados, julgo PROCEDENTE o pedido, confirmando a decisão de tutela antecipada, e DECLARO A EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA para desfiliação de ROSANA PEREIRA LIMA do PARTIDO UNIÃO BRASIL - UNIÃO, nos termos do art. 17, § 6º, da Constituição Federal c/c art. 22-A, caput, e parágrafo único, inciso I, da Lei n. 9.096/1995. É como voto."
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