AFP
Publicada em 28/07/2022 às 09h05
O Mediterrâneo ocidental vive uma "grande onda de calor marinho" desde o final de maio, com temperaturas cerca de 4 ou 5 ºC acima do normal, o que ameaça os ecossistemas marinhos, segundo especialistas.
"Esta grande onda de calor marinho começou no final de maio no mar da Ligúria", entre a Itália e o sul da França, e continuou "em julho no Golfo de Taranto", no sudeste da Itália, informou à AFP a oceanógrafa Karina Von Schuckmann.
A especialista alemã pertence à Mercator Océan International, com sede em Toulouse (sul da França), e que reúne institutos especializados em oceanografia da França, Itália, Espanha, Reino Unido e Noruega.
Em julho, "desde o mar das Baleares (Espanha) até a Sardenha (Itália), passando pelo leste da Córsega e todo o mar Tirreno (entre a Sicília e a Córsega), observamos na superfície (...) valores excepcionais de temperaturas entre 28 e 30 ºC", explica a organização.
Estes valores são "mais elevados do que o habitual, entre +4 ºC e +5 ºC", acrescenta esta organização sem fins lucrativos, que também lidera o Serviço Europeu de Vigilância Marinha Copernicus (CMEMS).
Se para os muitos banhistas deste mar, um dos principais destinos turísticos do mundo, essas temperaturas podem ser agradáveis, seus níveis preocupam cientistas e ambientalistas.
O aumento da temperatura do mar pode modificar a flora e a fauna, provocar a migração de espécies para águas menos quentes, a diminuição de algumas e o aparecimento de novas, aponta Von Schuckmann.
Isso também teria efeitos econômicos, principalmente na pesca, acrescenta a especialista, uma das autoras dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
- Água-viva gigante -
"No Mediterrâneo, após os episódios de ondas de calor oceânicas de 1999, 2003 e 2006, observamos muitos casos de mortalidade em massa de espécies, como gorgônias ou posidonias", indica um relatório do centro de pesquisa francês CNRS de outubro de 2020.
Charles-François Boudouresque, professor de Ecologia Marinha da Universidade Francesa de Aix-Marselha, estima que a atual onda de calor pode ter um impacto "em organismos fixos como gorgônias e corais vermelhos", com mortalidade "total ou parcial".
Espécies como o colorido "peixe verde ou a barracuda, que começou a se mover para o norte a partir do sul do Mediterrâneo, também devem ser mais abundantes" na zona oeste, acrescentou à AFP.
"Espécies do Mar Vermelho, que chegaram ao Mediterrâneo oriental através do Canal de Suez", também estão se aproximando da costa francesa e duas delas podem ser problemáticas nos próximos "5 a 10 anos": o peixe Lagocephalus sceleratus e a água-viva gigante Rhopilema.
O primeiro é um "herbívoro extraordinariamente voraz" que "corre o risco de causar um curto-circuito nas cadeias alimentares normais".
Já presente na costa do Líbano, sua proliferação no Mediterrâneo ocidental pode ameaçar as florestas de algas que servem de berçário para outros peixes.
A água-viva gigante, por sua vez, causa picadas graves que exigem hospitalização e fechamento de praias quando está presente, ressalta Boudouresque.
Para combater essas ondas de calor marinhas, "as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas", mas mesmo que essas emissões fossem interrompidas hoje, os oceanos, que armazenam 90% do calor do sistema terrestre, continuariam aquecendo, explica Von Schuckmann.
Essas ondas de calor marinhas dobraram de frequência desde a década de 1980, de acordo com o relatório do IPCC publicado em agosto de 2021.
Entre 2015 e 2019, "o Mediterrâneo registou (...) cinco anos consecutivos de mortalidade em massa de espécies" devido a estes episódios, aponta um artigo recente na revista científica Global Change Biology.
"Desde 2003, pelo menos, tornaram-se mais regulares e no futuro durarão mais, ocuparão mais espaço no mar e serão mais intensos e severos", enfraquecendo um mar precioso em termos de biodiversidade, alerta Von Shuckmann.
Embora o Mediterrâneo cubra menos de 1% da superfície oceânica do planeta, abriga "18% de todas as espécies marinhas conhecidas", diz um relatório da rede de especialistas mediterrâneos em mudanças climáticas (MedECC), e tem "a maior proporção de habitats marinhos ameaçados na Europa".
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