ANSA
Publicada em 22/12/2022 às 14h52
O papa Francisco fez seu tradicional discurso para a Cúria Romana nesta quinta-feira (22) no Vaticano e alertou para os riscos do abuso de poder dentro da Igreja Católica, comparando-o com a destruição causada por armamentos.
“Não existe só a violência das armas, existe a violência verbal, a violência psicológica, a violência do abuso de poder, a violência escondida nas fofocas que tanto fazem mal, que destroem tudo. Que ninguém aproveite da própria posição e do próprio cargo para mortificar o outro”, afirmou aos presentes.
Segundo Francisco, “a misericórdia é aceitar que os outros também têm seus próprios limites” e que é “justo admitir” que tanto as pessoas como as instituições “têm limites porque são humanas”.
“Uma Igreja pura para os puros é só o renascimento da heresia cátara”, pontuou ainda referindo-se à doutrina considerada herege na Idade Média pela Igreja.
O líder católico ressaltou que a Igreja precisa “recolocar Cristo no centro”.
“O nosso primeiro grande problema é confiar muito em nós mesmos, nas nossas estratégias, nos nossos programas. É o espírito palegiano [conceito teológico que negava o ‘pecado original’ e a corrupção do ser humano] que falei por várias vezes. Alguns fracassos são uma bênção porque lembram que não devemos confiar em nós mesmos, mas no Senhor. Algumas quedas, inclusive como Igreja, são um grande chamado a recolocar Cristo no centro”, pontuou ainda.
O pontífice ainda ressaltou que quem vive e trabalha na Santa Sé não está imune ao pecado ou às “tentações do diabo” e que a vida dentro da Igreja pode dar a sensação de que “estamos seguros, de sermos melhores, de não precisar nos converter” com frequência.
“Nós estamos mais em perigo do que todos os outros porque somos tentados pelo ‘diabo educado’, que não chega fazendo barulho, mas sim nos trazendo flores”, acrescentou.
Em um claro recado à ala mais conservadora da instituição, Jorge Mario Bergoglio ressaltou que a Cúria Romana também precisa ser chamada “à conversão” e que é preciso evitar o “fixismo do Evangelho” – citando a teoria antiga que pregava que todas as espécies foram criadas por Deus e nunca sofreriam mutações em toda a sua vida ou nos seus descendentes.
“A heresia verdadeira não consiste só em predicar outro Evangelho, mas também em se negar a traduzi-lo nas linguagens e modos atuais. Conservar o Evangelho significa mantê-lo vivo e não aprisionar a mensagem de Cristo”. A conversão que o Concílio [Vaticano II] nos deu foi a tentativa de compreender melhor o Evangelho para torná-lo vivo, atual e operativo”, acrescentou.
Recentemente, grupos católicos norte-americanos – que já chegaram a chamar Francisco de “herege” – voltaram a celebrar missas em latim, algo banido na década de 1960 justamente durante o Concílio Vaticano II. A prática foi sendo reproduzida por áreas ultraconservadoras da Igreja Católica também em outros países.
Como ocorre em todas as celebrações públicas desde fevereiro deste ano, o Papa voltou a rezar pela Ucrânia por conta da guerra iniciada pela Rússia.
“Nunca antes como nesse momento nós sentimos um grande desejo de paz. Penso na martirizada Ucrânia, mas também em tantos conflitos que ocorrem agora em diversas partes do mundo. A guerra e a violência são sempre uma falência e a religião não deve fazer e alimentar conflitos”, pontuou.
Para Francisco, “o Evangelho é sempre de paz e, em nome de nenhum Deus, se pode declarar que uma guerra é ‘santa'”. “Onde reinam a morte, a divisão, o conflito e a dor dos inocentes, nós só podemos reconhecer Jesus na cruz. E nesse momento é correto que o nossa oração se volte a eles”, pontuou.
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