RFI
Publicada em 31/12/2022 às 08h55
Mais de 500 pessoas já morreram no Irã desde meados de setembro, quando começou o movimento de contestação popular que tomou conta do país. Mas esse número pode ser bem maior, já que muitas vítimas não são levadas aos hospitais por medo de serem detidas. Alguns médicos realizam consultas clandestinas para não serem perseguidos, enquanto outros cedem às pressões do regime. Em entrevista à RFI, um médico franco-iraniano denuncia a situação no país.
“Há muitos feridos que não vão aos hospitais. Eles têm medo, pois sabem que podem ser presos assim que derem entrada nos serviços de emergência”, relata o neurocirurgião Nozar Aghakhani. “Com isso, os médicos não conseguem tratar esses pacientes”, aponta o franco-iraniano, que atende no hospital Kremin Bicêtre, nos arredores de Paris.
Segundo ele, alguns profissionais da saúde contornam o sistema, organizando consultas clandestinas diretamente nas casas dos pacientes, apesar dos riscos que correm. “Recentemente, uma jovem médica, que atendia feridos clandestinamente, foi encontrada morta, mutilada”, denuncia.
Nozar Aghakhani faz parte de um grupo de profissionais da saúde franco-iranianos que assinaram, esta semana, uma tribuna no jornal francês Le Monde na qual denunciam a situação das vítimas do regime durante os protestos, mas também a pressão que os médicos vêm sofrendo pelas autoridades iranianas. No texto, eles pedem “livre acesso aos cuidados dos feridos e a total liberdade dos profissionais da saúde no exercício das suas funções”.
O grupo afirma que alguns médicos são forçados a emitir documentos falsos para camuflar a origem dos ferimentos daqueles que chegam aos hospitais. “É extremamente difícil verificar as informações atualmente no Irã, mas sabemos que atestados de óbitos disfarçando a causa da morte dos feridos foram emitidos”, confirma Aghakhani. “Há casos de mortos que estavam hospitalizados ou que estavam na prisão”, detalha. “Alguns médicos resistem, mas outros, diante da situação difícil, podem ceder às pressões para assinar esses atestados de óbito”, deplora.
Ética médica
Os signatários esperam que uma mobilização dos profissionais da saúde tenha mais impacto que as condenações políticas, vistas pelo regime iraniano como uma incitação à revolta. “Na tribuna nós preferimos alertar apenas sobre a questão da ética médica e sobre o acesso aos serviços de saúde. Evitamos falar da situação nas prisões, por exemplo, pois é muito difícil saber exatamente o que está acontecendo. E esse não era o objetivo do nosso texto, assinado por médicos”, ressalta Aghakhani.
Mas isso não impede que ele e os demais signatários critiquem abertamente a aplicação da pena capital pelas autoridades iranianas. “Não há defesa para as condenações à morte. A pena capital não deve ser usada como uma arma de persuasão para assustar as pessoas, pois isso só cria mais ódio na população”, avalia o médico.
“As condições nas quais as condenações à morte são pronunciadas são terríveis”, denuncia Aghakhani. “Algumas pessoas – inclusive médicos, como o radiologista Hamid Ghare-Hassanlou – foram condenadas à morte apenas um mês e meio após terem sido detidas”, conta. “Não dá para imaginar que um processo seja realizado corretamente em tão pouco tempo, respeitando os direitos humanos internacionais. Sabemos que os condenados não puderam escolher seus advogados e que os processos duraram apenas alguns minutos, com questões básicas, sem nenhuma prova”, relata.
“As pessoas devem saber o que está acontecendo no Irã, mesmo se não posso dizer concretamente como quem lê a nossa tribuna poderá agir. Mas nós tínhamos a responsabilidade de alertar”, conclui o médico franco-iraniano Nozar Aghakhani.
A onda de protestos foi desencadeada após a morte, em 16 de setembro, de Mahsa Amini, uma jovem curda iraniana de 22 anos detida por violar o rígido código de vestimenta feminino. O movimento de contestação canaliza anos de descontentamento decorrentes da má situação econômica e das restrições sociais, que atinge boa parte da sociedade iraniana.
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