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Publicada em 24/05/2023 às 10h43
Uma Seleção com 12 jogadores para se recuperar e seguir firme no Mundial Sub-20.
É com esse sentimento que Mycael entrará em campo nesta quarta-feira, às 18h (de Brasília), para encarar a República Dominicana, pela segunda rodada do Grupo D, em Mendoza, na Argentina. Na verdade, sempre é desde a manhã de 8 de fevereiro de 2019, quando perdeu o melhor amigo, Bernardo Pisetta, no incêndio no Ninho do Urubu.
Beno, como até hoje é chamado pelo jogador do Athletico, também era goleiro e foi um dos dez meninos que perderam a vida na tragédia no centro de treinamento do Flamengo. Em meio ao luto pela perda, Darlei e Leda presentearam Mycael com uma camisa em homenagem ao filho, que imediatamente virou segundo uniforme em todas as vezes que esteve em campo.
"Sempre jogo com a camisa dele por baixo. Foi assim no Athletico, é assim na Seleção, e sempre falo que tem 12 jogadores em campo. Eu estou ali jogando e ele lá em cima com toda fé e energia positiva para mim"
- Quando o Beno faleceu, o tio Darlei chegou para mim com lágrimas nos olhos e falou: "Realize esse sonho pelo Bernardo e por você". Chego a ficar arrepiado. Graças a Deus, tudo tem dado certo. Conquistamos o Sul-Americano Sub-20, a convocação para a principal, e tenho o maior orgulho de contar a nossa história.
A amizade nasceu de uma concorrência que ficou em segundo plano assim que Mycael chegou a Curitiba vindo de Rondônia. Sem espaço na instituição que o Furacão costumava direcionar os talentos descobertos Brasil afora, o goleiro se viu diante do risco de ter que abandonar o sonho, mas de imediato foi acolhido pela família Pisetta em Indaial, interior de Santa Catarina.
Foram dois anos em que Mycael e Bernardo dividiram não somente a baliza das categorias de base do Athletico. Dos 12 aos 14, a dupla se tornou inseparável, até que o goleiro da Seleção Sub-20 atingiu a idade necessária para viver no CT do Caju.
"A família do Bernardo me recebeu de portas abertas e sem custo nenhum. Minha família não tinha condição de sair de Rondônia, largar o emprego, para ficar comigo, e eles me abriram os braços"
- Nossa relação sempre foi muito boa, independentemente de disputarmos posição. Eu era o reserva dele, e a disputa era sadia com uma amizade muito verdadeira.
As trajetórias dos dois se confundem também na possibilidade de seguir o rumo do Rubro-Negro carioca. Ainda em Porto Velho, Mycael foi aprovado em peneira do Flamengo e recebeu o convite para se mudar para o Rio de Janeiro. Pouco antes, no entanto, o Athletico já tinha sinalizado o desejo, e foi o avô paterno foi quem bateu o martelo:
- Meu pai é flamenguista, queria que eu fosse para o Flamengo, mas meu avô era da igreja e reforçou que o Athletico foi o primeiro a me abrir as portas. Disse que ali que devia ser a minha história. Felizmente, deu tudo certo.
Bernardo também era flamenguista e se transferiu para o clube em julho de 2018, pouco depois de Mycael se mudar para o Caju. As lembranças da convivência permanecem fortes na memória do goleiro, que faz questão de manter a rotina de visitas à família que o adotou no Sul.
- No início do mês, tive uma folguinha no domingo e fui para Indaial, que é a três horinhas de Curitiba. Visitei o vô, a vó... Foi muito bom e levei alguns familiares para que eles se conhecessem. Foi muito bom para renovar a energia.
Em bate-papo com o ge, Mycael viaja no tempo e se diverte ao recordar experiências que ajudam a entender uma relação que sempre foi muito além do que acontecia dentro de campo:
- Vivi momentos com o tio Darlei e tia Leda como meus segundos pais. Por mais que possa parecer simples, eu nunca tinha ido ao cinema 3D, não existia na minha cidade, e eles nos levaram. As balas vinham no meu rosto e eu me mexia, ouvia barulhos no fundo do cinema e olhava para trás, e todos eles cascavam o bico (risos).
Canhoto, bom de bola e lateral
Já há sete anos no Athletico, Mycael ainda não estreou como profissional, mas já mexe com o imaginário de um torcedor que se acostumou com goleiros de destaque na última década. Weverton e Santos foram campeões olímpicos pela Seleção, enquanto Bento é uma das apostas para o próximo ciclo até a Copa de 2026.
Convocado por Ramon para o amistoso contra o Marrocos, na data Fifa de março, Mycael já coleciona os títulos sul-americanos Sub-15 e Sub-20 pelo país e valoriza o trabalho de preparação do clube. Mais do que a capacidade de evitar gols, o equilíbrio emocional se tornou uma das principais características de quem defende a baliza do Furacão.
- Muita gente brinca que a água do Caju que os goleiros bebem faz diferença, mas é muito treinamento, todo staff desde os menores, desde o infantil com treinadores próprios e que fazem um trabalho muito bom. A exigência é muito grande para que seguremos a bola, para que a pegada seja firme, passar uma confiança e uma frieza que são importantes para um goleiro. A cobrança é para tentar sempre ir firme e segurar.
Mycael, por sua vez, prefere valorizar outra qualidade: o jogo com os pés. Promissor, o jovem queria mesmo era ser lateral-esquerdo, mas viu a necessidade em um treino em que o dono da posição faltou abrir caminho para seguir os passos do avô e dos tios, goleiros na várzea rondoniense.
- Meu jogo com os pés é uma das minhas principais características de destaque. Essa qualidade vem desde a infância. Os caras falam que canhoto é sempre bom ou ruim, mas acho que estou entre os bons (risos).
Bom de bola e com a fé reforçada pelo amuleto do amigo, o Brasil de Mycael entra em campo para seguir vivo no Mundial Sub-20 após a derrota por 3 a 2 para a Itália, na estreia. Uma vitória sobre a República Dominicana, no estádio Malvinas Argentinas, às 18h (de Brasília), é fundamental para se aproximar da classificação para as oitavas de final pelo Grupo D. Os dois primeiros de cada chave avançam juntamente com os quatro melhores terceiros colocados.
URL: https://rondoniadinamica/noticias/2023/05/goleiro-rondoniense-enxerga-apoio-divino-no-mundial-sub-20-apos-tragedia-no-ninho,161576.shtml