Marcella Rodrigues/g1 DF
Publicada em 12/06/2024 às 16h17
Tragédia ocorreu entre abril e julho de 1994 e marcou tentativa de extermínio do povo Tutsi pelos extremistas Hutu. Embaixador do país diz que desafio atual é lidar com negação do genocídio, principalmente entre jovens.
Há 30 anos aconteceu um dos piores massacres da história, o genocídio em Ruanda. Foram 800 mil pessoas assassinadas entre 7 abril e 15 julho de 1994. As mortes representam a tentativa de extermínio do povo Tutsis.
Nesta quarta-feira (12), em Brasília, o sobrevivente Christian Niyoyita falou sobre os "dias de terror" no país. À época, ele tinha 6 anos de idade.
"Eu vi minha tia no chão sendo cortada em pedaços com machetes [espécie de faca]. Chorávamos e pedíamos perdão. O sangue corria por toda parte", diz Christian.
O embaixador de Ruanda no Brasil, Lawrence Manzi, diz que o atual desafio é lidar com a negação do genocídio e promover a educação sobre o assunto, especialmente para a geração mais jovem.
"Ainda temos atrasos no estabelecimento pleno da justiça, com muitos fugitivos do genocídio escondidos ou protegidos nas capitais ocidentais", conta o embaixador.
A conscientização sobre o massacre de 1994, segundo Manzi, é um dos objetivos da exposição "Peace is our choice: A paz é nossa escolha", que acontece em Brasília, até sexta-feira (14). A visitação, na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) é gratuita (veja detalhes mais abaixo).
De uma maneira simplificada, o genocídio é um crime que tem o propósito de exterminar um grupo específico. Os assassinatos de 1994 em Ruanda são classificados como genocídio porque o objetivo era exterminar o povo Tutsi.
Outro exemplo de genocídio é o Holocausto – assassinato de milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
O massacre em Ruanda marcou a tentativa de extermínio do povo Tutsi por extremistas do povo Hutu.
Como começou
O doutor em educação Saulo Pequeno, professor do UniCEUB, explica que historicamente, as etnias Hutu e Tutsi se respeitavam enquanto civilizações, compartilhando convivência territorial e contextos sociais.
De acordo com o Kwibuka (em português "Lembrar"), organização do governo de Ruanda dedicada à memória do genocídio, entre 1897 e 1962, os países colonizadores Alemanha e Bélgica introduziram ideologias de ódio e divisão das etnias na região. Para o professor Saulo Pequeno, "essa estratégia é essencial para compreender o genocídio".
"O domínio colonial favoreceu a minoria étnica Tutsi (15%) em cargos e funções administrativas, e passou a desatender, invisibilizar e restringir direitos básicos da maioria Hutu (84%)", explica o professor.
Ao longo dos anos, a tensão entre os povos foi intensificada. A partir da independência de Ruanda, a maioria Hutu fez valer seu volume e chegou ao poder em 1962.
O professor Saulo conta que a etnia Hutu, acumulando décadas de ressentimento, e a produção da perspectiva de que uma etnia deveria ser superior e inimiga da outra, reproduziu o discurso colonial, e apontou a minoria Tutsi como a causa de todas as crises e problemas.
Nos anos 1990, uma guerra civil marcou a tentativa dos Tutsis de se oporem ao governo do então presidente Juvenal Habyarimana, de etnia Hutu, que intensificou a repressão e limitação de direitos da minoria. Saulo Pequeno diz que essa guerra foi marcada pelo fortíssimo armamento de oficiais Hutus e de milícias clandestinas, com fornecimento de armas pela França.
Extremistas Hutu faziam discursos pelo extermínio dos Tutsis e dos Hutu "moderados", ideias que foram reforçadas pela mídia e propagandas da época. Segundo o Kwibuka, diversos massacres contra os Tutsis aconteceram entre 1990 e 1994.
O resultado desses fatos foi o planejamento do extermínio dos Tutsis, levado a cabo pelo regime do Movimento Revolucionário Nacional para o Desenvolvimento (MRND), do presidente Juvenal Habyarimana. O estopim para o início do genocídio foi quando o avião que transportava o presidente Juvenal Habyarimana foi derrubado, em 6 de abril daquele ano.
Os assassinatos
Poucas horas depois da morte de Habyarimana, milhares de hutus iniciaram assassinatos em massa, para exterminar os Tutsis do país.
Em vídeo do governo de Ruanda sobre os 30 anos do genocídio, a senadora Marie Rose Mureshyankwano conta que milícias andavam armadas com porretes e machetes, cantando músicas de ódio e caçando Tutsis.
Além dos assassinatos, cerca de 250 mil pessoas foram estupradas e abusadas sexualmente. As mortes seguiram de 7 de abril até 15 de julho, quando a Frente Patriótica do Ruanda (FPR) interrompeu o massacre. Foram 800 mil pessoas assassinadas em 100 dias. Segundo o governo de Ruanda, o número de mortos passa de 1 milhão.
Consequências
Paul Kagame, que comandou o grupo apaziguador, está em seu terceiro mandato como presidente de Ruanda. O professor Saulo Pequeno diz que muito da população Tutsi que sobreviveu emigrou para outros locais e que o Tribunal Penal Internacional condenou e prendeu mais de 70% dos membros do governo ruandês.
O embaixador de Ruanda no Brasil, Lawrence Manzi, diz que o genocídio causou traumas, doenças, questões de justiça, elevado número de pessoas nas prisões e impacto na economia. Mas que o atual desafio é vencer o negacionismo sobre o genocídio que, segundo ele, ameaça inviabilizar o processo de recuperação do povo ruandês.
Um debate que surgiu após o genocídio foi a omissão de potências internacionais. Em 2021, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que reconhecia "as responsabilidades" da França e pediu perdão. Macron afirmou que a França "não foi cúmplice", mas permitiu "por tempo demais que o silêncio prevalecesse".
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