G1
Publicada em 14/06/2024 às 16h41
Fatima Boustani, de 30 anos, ficou ferida após bombardeio atingir sua casa no Sul do país enquanto estava com dois filhos. Antes de retornar ao Líbano, ela morou com a família em Marília. Marido permaneceu no país e vive em Itapevi, na Grande SP. Ele nega as acusações.
A brasileira Fátima Boustani, de 30 anos e que ficou ferida após um bombardeio atingir sua casa no Sul do Líbano em 1º de junho, relatou à Polícia Civil que o marido tentou enforcá-la quando o casal morava em Marília, interior paulista, e chegou a registrar boletim de ocorrência contra ele em setembro de 2023.
Segundo parentes de Fátima ouvidos pelo g1, ela foi para o Líbano em 23 de abril para buscar os filhos que estavam lá desde o ano passado.
Eles alegam que o marido levou as crianças, sem consentimento dela, para ficar com os avós depois de uma briga do casal.
Antigos vizinhos da família em Marília afirmam que Fátima sofria agressões constantes do marido e que flagraram uma delas (veja mais abaixo).
O g1 entrou em contato com o advogado do marido dela, Ahmad Aidibi. Em nota, a defesa disse que "no boletim de ocorrência lavrado na cidade de Marília em 27/09/2023 a vítima narra fatos que não são verdadeiros".
"Meu cliente Ahmad Aidibi apenas colocou a mão na boca dela, pedindo para que não ficasse gritando, pois apenas estavam conversando e os gritos poderiam assustar as crianças. Na data de hoje [14/06] meu cliente se apresentou na minha presença na DDM da cidade de Marília com o objetivo de dar sua versão aos fatos outrora narrados pela vítima", afirmou o advogado Fábio Gomes.
E completou: "Meu cliente permanecerá em solo brasileiro, não irá se ocultar da justiça e pretende provar sua inocência no curso do processo criminal".
O que diz o boletim de ocorrência?
De acordo com o boletim de ocorrência, Fátima afirma que dia 19 de setembro, após Ahmad Aidibi ter sido surpreendido por vizinhos tentando enforcá-la na casa, ele pegou o carro e saiu do local com celular dela, além de seu Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) e dos quatro filhos e passaportes brasileiros e libaneses das crianças.
Ainda conforme o registro, no dia 24 de setembro, cinco dias após a saída do marido, um amigo dele foi até a casa e levou os filhos dela sem sua autorização para a casa do cunhado em Itapevi, na Grande SP.
Fátima ainda disse à polícia que, diante disso, saiu da casa que morava no interior paulista e foi para Barueri. Dias após, ela soube que os filhos estavam indo para o Líbano.
"Como forma de me punir, meu marido embarcou para o Líbano a 1h da madrugada do dia 26 de setembro de 2023 levando nossos filhos sem a minha autorização. Por esses motivos registro esse boletim de ocorrência", diz o relato no registro.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que o caso foi registrado como subtração de incapazes, chegou a ser investigado pela Central de Polícia Judiciária de Marília, mas foi arquivado.
"Na ocasião, uma mulher denunciou o marido por viajar sem autorização com os filhos do casal. A equipe da unidade realizou diligências e, junto à Polícia Federal, obteve a informação que o genitor tinha a autorização da mãe para a viagem. O caso foi arquivado por não haver a constatação de crime", disse a pasta ao g1.
Relato de agressões
Antigos vizinhos da família em Marília, interior de São Paulo, afirmam que presenciaram uma das agressões sofridas por Fátima no ano passado e que conseguiram tirar ela da casa no momento dos ataques.
"A gente ouvia uns barulhos na casa, como se quebrasse algo. Teve um dia que caiu algo no chão com barulho muito forte. De repente, silenciou tudo e as crianças começaram a gritar. Pensamos que eles tinham se machucado e fomos até lá. Ele [marido] disse que não era nada, que a mulher tinha surto de nervoso, que era muito nervosa e que neste momento estava em surto. Ele falava português e ela não", conta uma vizinha, que prefere não se identificar.
Ainda conforme a moradora, Fátima chegou a pedir socorro na rua com marcas de agressão no rosto.
"Meu filho chegou em casa e disse que ela pediu ajuda pra minha mãe por ter apanhado. Coincidentemente meu padrasto é da Polícia Militar e perguntou o que tinha acontecido. Ela tentou falar, porque não fala muito português, mas tentava dizer que estava apanhando. Estava com o rosto vermelho. Ele [o marido] disse que não ia acontecer mais. Aí se resolveram naquele dia e ela voltou para a casa", conta.
A vizinha ainda diz que foi logo após o pedido de ajuda que ela ouviu um grito de Fátima e barulho de porta bem forte.
"Quando fui até o portão, as crianças vieram até mim pedindo socorro e fazendo sinal no pescoço. Socorro era a única coisa que eles falavam. Eu, no calor da emoção de ver uma mulher apanhando, perguntei onde ela estava. Aí as crianças mostraram e eu entrei. Eu ouvia os gritos dela apanhando".
"Eu encostei a boca na porta e disse 'polícia'. Foi aí que ele [marido] destrancou a porta. Quando entrei, eu catei ela, abracei e ela estava toda machucada, rosto machucado, pescoço. Falei para ele que ia chamar a polícia, que no Brasil não era assim. Quando meu marido chegou, ele saiu com o carro correndo", ressalta.
Ainda conforme a moradora, policiais foram acionados. Foi após o registro de boletim que as crianças foram levadas da casa por um amigo do marido e, na sequência, eles foram para o Líbano.
"O que sei é que a Fátima ficou sozinha por uns dias em Marília e depois foi para São Paulo, ficando separada do marido e com sua família. O marido levou as crianças para o Líbano e depois voltou para o Brasil, deixando os filhos com os avós. Foi em abril que ela soube que as crianças estariam largadas, e conseguiram passagem pra ela ir pra lá, e aconteceu o bombardeio", contou a moradora.
No dia 1º de junho, Fátima estava em casa com dois dos seus quatro filhos quando foram surpreendidos pelo bombardeio. No momento do ataque aéreo, as outras duas crianças, de 12 e 7 anos, tinham saído para a casa dos avós.
A brasileira foi levada em estado grave para o Hospital Libanês Italiano, em Tiro, também no Sul do Líbano. Lá, ficou internada Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e chegou a ser entubada.
Após quase uma semana, a família conseguiu transferi-la para um hospital em Beirute, a capital do país. Conforme a família dela, ela teve alta na última terça-feira (11).
Também ferida, a filha de Fátima, de apenas 10 anos, segue internada no hospital em Tiro, onde já passou por três cirurgias na perna e passará por outra nos próximos dias. Seu quadro de saúde tem apresentado melhora.
Já o filho de 9 anos sofreu ferimentos mais leves e recebeu alta hospitalar na quarta-feira (5).
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