TJ-RO
Publicada em 01/08/2024 às 14h42
O pequeno Raí foi registrado, mas não recebeu o nome indígena correto. Por isso, a mãe Sofia Jabuti Makurap procurou a Justiça Itinerante Fluvial para acrescentar Irapõa, o nome dado pelo bisavô, que significa menino guerreiro. Enquanto ele dormia tranquilamente no colo da avó, a mãe recebeu o documento com significado mais que simbólico para seu povo.
Na aldeia Ricardo Franco, quarta localidade atendida pelo barco hospital Walter Bártolo, na operação da Justiça Rápida Fluvial no Vale do Guaporé, o sentimento de valorização da própria cultura está sendo cultivado pelas diversas etnias. Edileia Tupari e Clemilson Wajuru, por exemplo receberam apenas sobrenomes indígenas. Mas fizeram questão de batizar a filha, de dois meses, com um nome completo na língua, Überiká Criani Tupari Wajuru.
A saga de Tania Wajuru Canoé demonstra bem o quanto estão dispostos a reafirmar a identidade. Na operação do ano passado, ela acrescentou o Wajuru, sobrenome da mãe. Como tem três filhos precisou fazer a mudança também no documento das crianças. Porém, no registro da mais nova, Maria Gezabel, constava o nome antigo de Tânia. “Esperei a Justiça Rápida, porque na cidade ia demorar muito. Aqui já consegui na hora. Agora todas minhas filhas têm o meu nome correto na certidão de nascimento”, disse.
Mas o nome de Tânia ainda pode ter uma mudança, se depender dela e de um grupo da etnia (K) Canoé novos documentos passarão por correção, mas desta vez para corrigir um erro histórico. De acordo com um estudo antropológico e linguístico, a etnia deve ser grafada com K, ou seja, Kanoê. Por isso a professora Gleiciane Canoé veio fazer um apelo. “Nós queremos retificar os documentos de todos. É uma forma de valorização para a nossa língua, que já está sendo extinta”, solicitou.
O pedido inusitado, pela repercussão em cascata, recebeu um encaminhamento especial pela equipe. Após conversar com o cacique da aldeia Ricardo Franco, o juiz Thiago Aniceto se comprometeu, mediante a elaboração de um projeto, a acionar todos os órgãos ligados à documentação pessoal, como Tudo Aqui (RG), Receita Federal (CPF), Justiça eleitoral (título de eleitor) e até o INSS (benefícios sociais), para que as mudanças ocorram de forma integrada. “Se fizermos apenas as certidões de nascimento e casamento, poderíamos causar outros problemas para os indígenas, como interrupção de cadastros para recebimento de benefícios. Por isso, optamos por desenvolver um projeto conjunto com os demais órgãos, com a realização de uma operação específica”, explicou o magistrado, diante da demanda, que considerou legítima.
Conciliação virtual
Outro atendimento que mobilizou a equipe foi a de uma ação de alimentos. Por meio de aplicativo foi realizada uma audiência de conciliação na qual a mãe estava presencialmente no barco, o pai em Guajará-Mirim e o filho, de 18 anos, em Porto Velho. Apesar de ser maior de idade, ainda faz o ensino médio, por isso ainda precisa do apoio financeiro. Ele abriu mão das pensões atrasadas, e das correções, desde que o pai depositasse o valor correto pelos próximos 18 meses. A conciliação é exitosa e a pensão é depositada antes mesmo de fechar a ata.
Conscientização
Na visita que a equipe fez à aldeia, alguns problemas foram detectados como relatos de violência doméstica, envolvimento de indígenas com tráfico de drogas e até porte de armas ilegais.
Diante disso, um bate papo com a comunidade foi agendado, para o final da tarde de terça-feira, antes do barco partir. Na ocasião, foram distribuídos materiais impressos sobre violência doméstica, inclusive cartilha de orientação de denúncias por meio de aplicativo específico. O magistrado destacou ainda os ciclos da violência, enfatizando as responsabilidades legais imputadas ao agressor.
A reunião teve ainda a participação do policial militar Ronaldo Sanches Feliszyn, que destacou, sob o ponto de vista da segurança pública, as consequências negativas de infração e crimes para as famílias da comunidade.
Mais cultura
Mais um movimento de valorização cultural foi detectado pela equipe com a presença de lideranças femininas que foram ao barco para atendimento jurídico e de saúde, mas aproveitaram para apresentar peças de artesanato aos componentes da equipe do barco hospital e ainda convidar para uma apresentação de dança da associação Awandá, do povo Makurap, de resgate da cultura. “É a nossa tradição, né. Queremos manter viva”, destacou a indígena que tem uma rede social especialmente para a divulgação dessas manifestações (@darietempk).
Debaixo de um chapéu de palha, recém construído para justamente abrigar o legado dos povos, o grupo se apresenta aos convidados. “Foi emocionante ver as mulheres indígenas unidas por um propósito, de preservar a cultura delas”, disse Claudia Ferro, conciliadora do TJRO.
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