G1
Publicada em 19/09/2024 às 15h43
Em um plano de longo prazo e com tecnologia altamente sofisticada, o serviço de inteligência de Israel criou uma empresa de fachada para vender pagers já com explosivos instalados ao Hezbollah, segundo uma reportagem publicada nesta quinta-feira (19) pelo jornal "The New York Times".
Com base em depoimentos de funcionários do serviço de inteligência israelense, a reportagem afirma que a empresa de fachada forneceu ao grupo extremista os pagers, pequenos aparelhos de recebimento de mensagem de texto muito usados nas décadas de 1980 e 1990 que, na terça-feira (17), foram detonados em uma explosão quase simultânea, matando 12 pessoas e ferindo mais de 2.750.
Citando as fontes israelenses, o jornal afirma que a empresa de fachada é a BAC Consulting KFT, já apontada nos últimos dias como envolvida na fabricação dos pagers detonados.
A fabricante original dos pagers é a taiwanesa Gold Apollo. No entanto, em comunicado emitido após a explosão dos dispositivos do Hezbollah, a Gold Apollo afirmou que havia terceirizado a produção dos modelos adquiridos pelo grupo extremista para a BAC Consulting KFT.
A terceirizada era uma empresa sediada em Budapeste, na Hungria, local que o serviço de inteligência israelense escolheu para criar a fabricante de fachada, disse a reportagem do The New York Times.
Ainda de acordo com o jornal, a operação foi de longo prazo e começou a ser colocada em prática em 2022, antes mesmo de estourar a guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza — o Hezbollah tem atacado o norte de Israel em apoio ao Hamas. Ambos os grupos são financiados pelo Irã e lutam contra Israel.
Na ocasião, o Hezbollah estava começando a adotar pagers como forma de comunicação, para driblar o rastreamento que Israel é capaz de fazer aos celulares. Os pagers, mais antigos, não têm GPS.
Nos últimos meses, no entanto, o chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, começou a ampliar o uso dos dispositivos no lugar de celulares. Ele recomendou a troca em pronunciamentos públicos e inclusive comprou uma carga de 4.000 dispositivos, todos da empresa de fechada do serviço secreto de Israel, afirmou o The New York Times.
A reportagem diz ainda que, através da empresa de fachada, Israel começou a produzir pagers e vendê-los não só para o Hezbollah como também para clientes regulares — nesses casos, no entanto, os pagers vendidos não continham explosivos.
Já nos pagers vendidos para o Hezbollah, o principal cliente da fabricante de fachada, membros do serviço de inteligência inseriram microexplosivos com uma tecnologia que permitia que fossem detonados à distância, afirma a reportagem.
A estratégia explicaria como os explosivos foram introduzidos nos pagers e detonados quase simultaneamente.
Israel não havia se pronunciado sobre a reportagem até a última atualização desta reportagem. O governo israelense também não reivindicou autoria sobre os ataques aos dispositivos e nem comentou o caso.
Nasrallah fala em declaração de guerra
O chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse nesta quinta-feira (19) que a série de explosões de pagers e "walkie-talkies" do grupo extremista foi uma declaração de guerra por parte de Israel e prometeu vingança.
Nasrallah culpou o governo israelense e admitiu que as explosões foram um "golpe sem precedentes" para o grupo, mas disse que isso não será o fim do Hezbollah.
Também nesta quinta, Israel começou a colocar em prática a nova ofensiva no norte do país, na fronteira com o Líbano, onde o Hezbollah atua. O Exército israelense atacou posições do grupo extremista, que revidou, matando dois soldados de Israel.
Em pronunciamento, Nasrallah afirmou estar pronto para uma ofensiva de Israel no sul do Líbano e disse que a operação seria uma "oportunidade histórica" para o Hezbollah. "Estamos em nosso território", afirmou.
O grupo extremista controla boa parte do sul do Líbano, embora não tenha nenhuma ligação formal com o governo do país.
"Recebemos um golpe severo, mas eu asseguro que nossa estrutura não foi afetada", declarou. "É verdade que, tecnologicamente, eles são muito inteligentes. Mas também são muito estúpidos, porque nunca conseguem alcançar seus objetivos".
O chefe do Hezbollah disse também que fará de tudo para que os cidadãos israelenses que vivem no norte do país não consigam voltar para suas casas. Eles foram retirados de suas residências nas últimas semanas, quando os conflitos entre Israel e o Hezbollah aumentaram, e, na quarta-feira, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu que os moradores retornariam às suas casas (leia mais abaixo).
Explosões coordenadas detonaram uma série de pagers, na terça-feira (17), e de "walkie-talkies", na quarta-feira (18) no Líbano. Os dispositivos pertenciam a membros do Hezbollah, que os portavam no momento das explosões.
No total, 37 pessoas morreram e mais de 3.000 ficaram feridas no ataque, que se tornou o mais mortal para o Hezbollah desde o início da guerra entre Israel e o Hamas.
Também nesta quinta, o governo do Líbano proibiu a entrada de pagers e "walkie-talkies" em voos do país. Pelas ruas de Beirute, moradores se mostram temerosos em usar telefones celulares, e alguns até deixaram o aparelho, segundo a imprensa local.
Ofensiva de Israel
Imagens mostram a aparente detonação de um 'walkie-talkie' durante um funeral no subúrbio de Beirute, no Líbano, em 18 de setembro de 2024.
Na quarta-feira, após as explosões, o Ministério da Defesa de Israel afirmou que o foco da guerra está mudando para o norte do país (que faz fronteira com o Líbano, onde o Hezbollah atua) e que vai concentrar tropas na região.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse em pronunciamento que vai garantir que moradores do norte de Israel realocados por conta dos conflitos com o Hezbollah, voltariam para casa.
"Eu já disse isso antes, nós retornaremos os cidadãos do norte para suas casas em segurança e é exatamente isso que faremos", disse Netanyahu.
As duas explosões, que ocorreram em um intervalo de 24 horas, aumentaram as tensões na região e repercutiu na Organização das Nações Unidas (ONU). O secretário-geral da ONU, Antonio Gueterres, condenou o uso de "objetos civis" como arma de guerra, e o governo libanês pediu uma reunião no Conselho de Segurança, que será realizada na sexta-feira (20).
Líbano, Irã e Hezbollah acusaram Israel, que ainda não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem. Aliado do Hezbollah, o Irã disse em carta enviada à ONU que Israel violou a soberania do Líbano e prometeu resposta às explosões.
O Hezbollah, grupo extremista fundado no Líbano, tem atacado o norte de Israel desde o início da guerra na Faixa de Gaza, em outubro de 2023. Assim como o Hamas, o Hezbollah é financiado pelo Irã. Nas últimas semanas, as tensões entre o grupo extremista e Israel aumentaram, após um ataque do grupo a cidades israelenses no norte.
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