Júlio Olivar
Publicada em 23/11/2024 às 10h43
Em março de 1976, Vilhena ainda era uma vila e recebia sua primeira agência bancária do Bamerindus, que até então só tinha unidade em Porto Velho. A chegada do Bamerindus foi um sinal incontestável de que o mercado estava de olho no arraial próspero, como já percebido pelas pessoas de vanguarda desde os primeiros contatos dos colonizadores trazidos por Cândido Rondon no início do século XX.
Muito antes de existir a cidade, Rondon já vislumbrava em Vilhena uma civilização moderna. Seu braço-direito e genro, Major Amarante, com visão futurista, também profetizava em 1909 o nascimento de uma bela cidade, com aviões recém-inventados. Major Emanuel Silvestre do Amarante afirmou: “(...) paragens magníficas de Vilhena, sobre o Chapadão dos Parecis quando (...) eu dava os planos da construção de uma grande cidade, moderna e higiênica, servida pelos aeroplanos [aviões] que hoje fazem tanto sucesso”.
Vilhena nasceu para ser uma cidade moderna, à frente de seu tempo, sem restrições de qualquer natureza. Tudo aconteceu rapidamente após a inauguração da BR-364, em 1960, que representou a grande onda migratória que povoou a região. Nove anos depois da BR, em 1969, Vilhena já era distrito criado pelo prefeito de Porto Velho, Odacir Soares. Em 1977, tornou-se município independente.
A área de Vilhena era imensa: mais de 33 mil km², ou seja, maior que Estados como Sergipe (22 mil km²) e Alagoas (28). Afinal, abrangia toda a região onde hoje estão os sete municípios que compõem o Cone Sul – Colorado do Oeste, Cerejeiras, Cabixi, Corumbiara, Chupinguaia e Pimenteiras do Oeste que foram emancipados. Ou seja, quando surgiu como município, Vilhena ia até a fronteira com a Bolívia.
Ainda hoje, o território de Vilhena é respeitável: 11.699 km², o que o coloca como o terceiro maior do Estado, atrás apenas de Porto Velho (34.090 km²) e Guajará-Mirim (24.855 km²). Em população, Vilhena também se destaca: é o quarto, atrás de Porto Velho, Ji-Paraná e Ariquemes. E em índice de desenvolvimento humano (IDH), 0,731, o segundo, atrás da capital, com 0,736. O PIB (Produto Interno Bruto) é de R$ 2,8 bilhões, com um PIB per capita de R$ 38.848 – perdendo apenas para Porto Velho e Ji-Paraná.
A Lei Federal nº 6.448, que dispõe sobre a criação e administração do município de Vilhena [e outros quatro municípios ao longo da BR], foi assinada em 11 de outubro de 1977 pelo presidente da República, general Ernesto Geisel. Em 23 de novembro do mesmo ano, houve a solenidade de instalação do município e a posse do primeiro prefeito, Renato Coutinho dos Santos, nomeado pelo governador do Território Federal de Rondônia, coronel Humberto Guedes. Foi um dia festivo e de absoluto regozijo, com manifestações culturais dominadas pelos sulistas. Vilhena sempre teve a marca dos gaúchos em sua “genética”, mesmo estando em um território indígena, em um ponto de encontro entre dois biomas: Cerrado e Amazônia.
Até 1980, a população de Vilhena era de mais de 50 mil habitantes, pois incluía os moradores de todo o Cone Sul. Mas a sede do município, com 14,5 mil moradores (2 mil estavam na zona rural), tinha menos gente que Colorado do Oeste, com 35,7 mil habitantes, pois incluía a zona rural (Cabixi, Cerejeiras, Pimenteiras etc). Com a emancipação destas localidades, a área de Vilhena está reduzida, hoje, a um terço, em relação ao período em que o município foi criado, em 1977, mas a população saltou para cerca de 100 mil habitantes contra cerca de 57.500 dos outros seis municípios da região, juntos.
Embora já independente em 1977, Vilhena não teve, de imediato, uma câmara de vereadores, apesar de o artigo 9º da Lei que o criou dizer que “o município será criado com a posse do prefeito e dos vereadores”. No entanto, pelo Decreto-Lei nº 7, foi estabelecida a Câmara Municipal em 1979, com a instalação efetiva somente em 1983.
Ainda levaria quase cinco anos para ocorrerem as primeiras eleições municipais. No período de 1977 a 1982, os prefeitos continuaram sendo nomeados ao arbítrio do governador [também nomeado pelo presidente da República], e sem haver vereadores. Havia um Conselho Municipal nomeado pelo próprio prefeito que fazia o papel de poder legislativo.
Por quê? Se Vilhena era um município autônomo, não deveria seu prefeito ser eleito democraticamente? Ocorre que Rondônia ainda era, até 1982, um território federal que, no organograma do poder central, não passava de uma repartição pública ligada ao Ministério do Interior, que exercia grande poderio em Rondônia – a ponto de o Estado ter um município chamado Ministro Andreazza, em referência ao gaúcho Mário David Andreazza, ex-ministro dos Transportes e do Interior à época da elevação do território a estado de Rondônia.
De volta a Vilhena: o advogado gaúcho Amadeu Guilherme Matzenbacher Machado era um jovem de 30 anos em 1977. Ele foi testemunha ocular e participante da história, atuando como diretor jurídico da Prefeitura de Porto Velho e presidindo a comissão que organizou as instalações dos cinco municípios ao longo da BR-364, conforme exigia a legislação.
Amadeu guarda na memória as lembranças afetivas dos eventos em Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena. Ele recorda que “os territórios federais, criados em 1943 por Getúlio Vargas, constituíam uma figura híbrida de descentralização administrativa, pois todos, em regiões distantes e isoladas, precisavam ter algum tipo de ordenação”.
Após o Decreto-Lei de criação, em 13 de setembro de 1943, houve a institucionalização com a criação das figuras do governador e dos prefeitos. O primeiro nomeado pelo presidente da República, e os prefeitos de livre nomeação do governador.
Em 8 de janeiro de 1969, foi editado o Decreto-Lei 411 pela Presidência da República, que dispunha sobre a administração dos territórios federais e a organização dos seus municípios, substituindo a legislação anterior, que já estava obsoleta. Foi assim que, três meses depois, o povoado de Vilhena foi elevado a distrito.
O decreto era algo como a “Constituição dos Territórios Federais”, similar às atuais constituições estaduais e leis orgânicas municipais, sempre guardando simetria com a Constituição Federal, por isso chamada de Carta Magna.
O impulso de ocupação da Amazônia nos anos 1970, especialmente no Território de Rondônia, obrigou o poder central a adotar uma nova feição institucional. Os projetos de colonização implantados pelo Incra, a partir da campanha publicitária [promovida pelo Governo Federal] do “Integrar para não entregar”, trouxeram uma onda de brasileiros de todas as regiões, gerando demandas que precisavam ser atendidas.
Nesse contexto, foi submetido ao Congresso Nacional, aprovado e sancionado pela Presidência da República, um novo diploma legal que substituía em parte o Decreto-Lei 411.
A criação dos municípios em Rondônia foi determinada pela conjuntura, pois aquelas localidades, já densamente povoadas e com enormes demandas, não podiam depender das decisões de Porto Velho. Era uma questão que envolvia necessidades urgentes dos moradores, sabendo-se que as comunicações eram precárias e as distâncias imensas, além da instabilidade do tráfego na única estrada, a BR-364 – o que impunha um gerenciamento local.
Acervo/Júlio Olivar
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