Rondoniadinamica
Publicada em 05/06/2019 às 16h21
Porto Velho, RO – Denúncias apresentadas em reportagem veiculada pelo Jornal de Brasília há mais de quinze anos levaram o Ministério Público Federal (MPF/RO) a investigar suposto tráfico de sangue indígena praticado por biopiratas.
O documento assinado pela procuradora da República Gisele Dias de Oliveira Bleggi Cunha (no detalhe à esquerda na imagem) informa que, de acordo com Relatório Final da CPI destinada a investigar o Tráfico de Animais e Plantas Silvestres, a Exploração e Comércio Ilegal de Madeira e a Biopirataria no País – CPIBIOPI, de 28 de março de 2006, a conclusão excluiu o principal suspeito.
“[...] concluiu-se que o professor Hilton Pereira da Silva era inocente com relação às amostras de DNA de sangue indígena que foram colocadas à venda no site da empresa americana Coriell Cell Repositores”.
Em seguida, é mencionado que, quanto à coleta irregular de sangue da população Karitiana pelo professor Hilton Pereira, de acordo com a CPI, “também havia fortes indícios de sua inocência, já que, segundo ele, apenas foi feito um atendimento médico emergencial a uma população indígena carente”.
Após extenso relato a respeito dos autos, veiculado na íntegra logo ao fim da matéria, a procuradora decidiu:
“Tendo em vista que: 1) não há elementos nos autos hábeis para comprovar a autoria da Biopirataria, conforme informa o Relatório do IPL nº 402/2004-SR-DPF/RO;
2) a realização do descarte do material biológico pela empresa de laboratório em razão da imprestabilidade do mesmo para qualquer análise (vinte anos de armazenamento);
3) os autos tramitam há mais de quinze anos nesta Procuradoria e;
4) no site americano, não se observa mais a comercialização do material genético, entendo que o arquivamento é a medida que se impõe”.
CONFIRA ABAIXO A ÍNTEGRA DO DOCUMENTO
DESPACHO DE ARQUIVAMENTO DE 3 DE JUNHO DE 2019
Referência: IC 1.31.000.000668/2004-67
Denúncia feita pelo Jornal de Brasília acerca da comercialização de amostras de sangue de índios Karitiana e Suruí, que não foi abrangida pela Ação Civil Pública. Trata-se de Inquérito Civil, instaurado por meio da Portaria 039/2007, de 23 de agosto de 2007, com o objetivo de averiguar denúncia feita pelo Jornal de Brasília acerca da comercialização de amostras de sangue dos índios Karitiana e Suruí, que não foi abrangida pela Ação Civil Pública n. 2002.41.00.004037-0 (fls. 295/297).
Referido procedimento teve início a partir de denúncia veiculada na página da web do Jornal de Brasília (fl. 05) de que biopiratas vendiam amostras de DNA de sangue dos índios brasileiros (Karitiana e Suruí) pelo preço de US$85,00 (oitenta e cinco dólares). Cópia da página da internet (site americano) onde há a venda de sangue de índios Karitiana e Suruí (fls. 06/42).
Juntada de cópia da inicial da Ação Civil Pública ajuizada em 2002 por esta Procuradoria da República em face de Hilton Pereira da Silva e de Denise da Silva Hallak, em razão da coleta indevida de sangue dos índios Karitiana, em agosto de 1996 (fls. 48/61). Ofício nº 68/GAB/PVH, por meio do qual a FUNAI encaminha o MEMORANDO 128/CGEP/05, informando que a equipe de televisão do Reino Unido Television Limites foi autorizada a realizar filmagens na TI Karitiana para produzir um documentário para o Discovery Channel, entretanto, a coleta de sangue não estava prevista do processo de autorização de ingresso na referida TI.
Também foi encaminhada pela FUNAI relação de autorização para ingresso nas TI’s Karitiana e Suruí, sendo que consta na relação a equipe de filmagem em comento (fls. 70/75). Impressos de diversas matérias extraídas da internet sobre a venda de sangue de índios brasileiros (fls. 87/164).
Cópia da ata do Fórum das Organizações do Povo Suruí, realizado em Cacoal, no dia 18 de maio de 2005, onde os indígenas solicitam providências a respeito da biopirataria envolvendo pesquisas de DNA do sangue do povo Suruí (164/168).
De acordo com Relatório Final da CPI destinada a investigar o Tráfico de Animais e Plantas Silvestres, a Exploração e Comércio Ilegal de Madeira e a Biopirataria no País – CPIBIOPI, de 28 de março de 2006, concluiu-se que o Prof. Hilton era inocente com relação às amostras de DNA de sangue indígena que foram colocadas à venda no site da empresa americana Coriell Cell Repositores.
Quanto à coleta irregular de sangue da população Karitiana pelo Prof. Hilton, de acordo com a CPI, também havia fortes indícios de sua inocência, já que, segundo ele, apenas foi feito um atendimento médico emergencial a uma população indígena carente (fls. 182/200).
Documentação encaminhada pelo Prof. Hilton Pereira da Silva, na qual ele se defende das afirmações relativas ao seu envolvimento com a venda de material biológico ao laboratório norte-americano Coriel Cell Repositores (fls. 201/211).
A FUNAI, atendendo a solicitação desta Procuradoria da República a respeito do nome das pessoas que fizeram coleta de sangue ou qualquer outro material dos índios nos últimos anos, por meio do Memo nº 403/CGEP, em julho de 2006, informou: os nomes dos pesquisadores Roberto Penna de Almeida Cunha, do Centro de Pesquisas em Medicina Tropical de Rondônia, que desenvolve pesquisa entre o Uru-Eu-Wau-Wau envolvendo coleta de amostra de sangue; Nilson Gabas Júnior, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que desenvolve pesquisa entre os Arara intitulada “Documentação e Estudo da Língua Karo”; Hendrikus Gerardus Antonius Van Der Voort que, sob a responsabilidade do Museu Paraense Emílio Goeldi, desenvolve pesquisa entre os Aricapu intitulada “Documentação e Descrição da Língua Airicapu (Jabuti)” e a equipe Kanindé, composta por Ivanete Bandeira Cardozo da Silva, Ivaneide Pereira Cardozo, Rogério Vargas Mota, Luiz Renato Ulhoa Cintra e Eloísa Elena Della Pria, que executaram estudos de diagnóstico etno-ambiental em 2001 na TI Uru-Eu-Wau-Wau (fls. 282/283).
Em novembro de 2006, a CEACLIN – Centro de Análises Clínicas de Porto Velho – informou que consta no armazenamento do laboratório, há aproximadamente oito anos, cinquenta e quatro amostras de sangue indígena, levadas por um membro do MPF. De acordo com a Clínica, as referidas amostras de sangue foram entregues sem nenhum documento que informasse sua origem ou destinação e, recebidos por uma funcionária que não trabalhava mais na clínica (fls. 287).
À fl. 293, consta matéria do Jornal “O Estadão”, de 20 de outubro de 2006, na qual relata que amostras de sangue de índios de Rondônia estão à venda no site da empresa norte-americana Coriell Cell Repositores, de Nova Jersey. Portaria 039/07/2º-Ofício/6ªCCR/SOTC/PR-RO, de conversão do Procedimento Administrativo em Inquérito Civil (fls. 295/297).
À fl. 301, exarou-se despacho de lavra da Procuradora da República, Dra. Andréa Pistono Vitalino, solicitando informações à Superintendência da Polícia Federal em Rondônia e as diversas associações indígenas sobre eventual retirada de sangue de indígenas, realizadas em sua comunidade. Tais diligências restaram infrutíferas, haja vista que a maioria das associações indígenas demandadas não deu retorno sobre as informações solicitadas.
A Superintendência da Polícia Federal encaminhou cópia dos autos do IPL n. 402/2004-SR-DPF/RO, cujo objeto é a apuração de biopirataria praticada contra índios da etnia Karitiana e Suruí.
Após investigações, consta na Conclusão do Relatório do IPL manifestação do Delegado da Polícia Federal opinando pelo Arquivamento do mesmo, já que não há indícios de autoria. Consta, também, que ficou comprovado que o laboratório Coriell Cell Repositores realizou a conduta prevista no art. 29 da Lei nº 11.105/05, entretanto, a aplicação da Lei Brasileira fica prejudicada em razão da comercialização ser permitida pela legislação norte-americana, a teor do art. 7º, §2º, b, do Código Penal Brasileiro (fls. 365/445).
Às fls. 483/484, oficiou-se ao Procurador da República Dr. Rodrigo Timóteo da Costa e Silva, solicitando cópia de partes do IC n. 1.31.000.000437/2005-05, tendo em vista os avanços nas tratativas de repatriar sangue dos Yanomami que se encontravam em institutos norteamericanos.
Em resposta, as cópias solicitadas foram encaminhadas (fls. 485/636). Despacho com relatório descritivo dos autos e determinação de expedição de Ofício ao Diretor da área de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, solicitando informações a respeito de eventual procedimento instaurado sobre o caso em comento (fls. 637/643). Despacho de prorrogação de prazo às fls. 647/648.
Juntada de reportagem intitulada “Venda de sangue de índios da Amazônia chega ao Senado” (fls. 650/651). Oficiou-se ao Ministério das Relações Exteriores (fl. 652). Despacho de prorrogação de prazo (fls. 653/654). Despacho de prorrogação de prazo (fls. 657/658).
Despacho de remessa do procedimento ao Procurador da República responsável pelo 3º Ofício (fl. 659). Memorando 02/2014, de 30 de abril de 2014, por meio do qual o Procurador da República Dr. Fernando Antônio Alves encaminha manifestação e documentos extraídos do Inquérito Policial n. 402/2004-SR/DPF/RO (fls. 660/700).
Despacho determinando reiteração de Ofício ao Ministério das Relações Exteriores (fls. 701/702). Cumprimento instrutório (fl. 703). Em resposta, o Diretor do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais informou que não há procedimento instaurado sobre a comercialização, pelo laboratório americano Coriell Cell Repositores, de amostras de sangue de índios Karitiana e Suruí, tendo em vista que não recebeu nenhuma solicitação formal nesse sentido (fl. 704).
Juntada de reportagem intitulada “Laboratórios dos Estados Unidos devolvem amostras de sangue ao povo Yanomami” às fls. 706/709. Despacho de prorrogação de prazo às fls. 710/712. À fl. 714, consta despacho de instrução, determinando, em seu item 11, a adoção das diligências necessárias com o setor de Cooperação Internacional no intuito de obter informações sobre a destinação das amostras de sangue Karitiana.
Certidão de fl. 175, atestando que a servidora Juliana Castro entrou em contato com o servidor Diego Braga Serpa, no Setor de Cooperação Técnica Internacional junto à PGR, tendo este solicitado o encaminhamento dos autos via Dropbox.
Despacho de prorrogação às fls. 717. Mensagens eletrônicas entre a assessoria do 3º Ofício da PR/RO e a Secretaria de Cooperação Internacional (PGR), por meio da qual esta orienta a consulta à 6ª CCR para definição de estratégia global para o caso.
Em pesquisa realizada recentemente no endereço eletrônico “www.coriell.org”, verificou-se que as amostras de sangue não estão mais sendo comercializadas, ao menos não nos moldes que deram início ao procedimento.
Determinou-se à Secretaria que realizasse consulta junto à Secretaria de Cooperação Internacional, solicitando que informasse acerca da possibilidade e do procedimento adequado para levantar informação junto ao laboratório norte-americano Coriell Cell Repositores, a respeito da existência de eventual amostra de sangue indígena Suruí e Karitiana armazenado no local.
A assessoria da Secretaria de Cooperação Internacional (PGR), por e-mail, orientou que fosse realizado contato com a 6ª CCR para definição de estratégia global para o caso (fls. 718/720), providência esta necessária para melhor conformação do pedido de cooperação internacional.
Oficiou-se à 6ª CCR para: 1) informar que foi solicitado à Secretaria de Cooperação Internacional apoio para o levantamento de informações junto ao laboratório norte-americano Coriell Cell Repositories, a respeito da existência e eventuais amostras de sangue indígena Karitiana e Suruí armazenadas no local. A SCI, por meio de mensagem eletrônica, orientou, informalmente, que fosse feito contato com a 6ª CCR para definição de estratégia global para o caso, o que se afigura prudente para melhor conformar a solução de cooperação internacional ao caso concreto; 2) solicitou-se, nesse sentido, apoio técnico da Câmara para a formulação da estratégia de abordagem ao laboratório norte-americano Coriell Cell Repositories, objetivando o levantamento de informações a respeito da existência de eventual amostra de sangue indígena Karitiana e Suruí armazenado no local, a adoção de diligências que possibilitem a repatriação das amostras remanescentes ou, em caso de inexistência de amostras naquele local, para que o laboratório aponte a destinação de cada amostra; 3) solicitou-se, ainda, que informe sobre eventuais providências que tenham sido adotadas em casos análogos, a fim de conferir adequada a tutela do interesse jurídico envolvido (fl. 726).
O pedido foi reiterado por telefone em novembro de 2018 (fl. 732).
À fl. 728, oficiou-se ao Centro de Análises Clínicas de Porto Velho (CEACLIN) para que prestasse informações acerca das 54 (cinquenta e quatro) amostras de sangue indígena armazenadas nesse laboratório, levadas por um membro do MPF, consoante informado no Ofício constante às fls. 287. Em resposta, o laboratório informou que as amostras de sangue foram descartadas, devido ao extenso lapso temporal desde sua coleta (fl. 730). O presente Inquérito Civil, além de seus quatro volumes principais, conta com os seguintes apensos:
APENSO I – consta no referido apenso cópia do Procedimento Administrativo nº 081.21.000.290/96-98 e apenso nº 2430/96/FUNAI, que trata de coleta de sangue não autorizada na aldeia Karitiana.
O mencionado PA contém documentações referentes ao pedido de ingresso em terras indígenas, especificamente na TI Karitiana, pela Yorkshire Television Limited, empresa britânica de televisão, com o objetivo de produzirem um documentário a ser exibido pelo canal de televisão norte-americano Discovery Chanel, sobre a história natural da Floresta Amazônica. Constas também documentos relativos à denúncia de que o Sr. Hilton Pereira da Silva, médico e pesquisador, e a Sra. Denise da Silva Hallak entraram na aldeia dos Karitianas sob o pretexto de acompanhar as filmagens do documentário supracitado, entretanto, coletaram desautorizadamente e sob as falsas procmessas de doação de medicamentes e feitura de exames laboratoriais, sangue e dados biométricos de toda a comunidade indígenas, sendo que posteriormente foi ajuizada Ação Civil Pública, por este Ministério Público Federal, em face de Hilton Pereira da Silva e Denise da Silva Hallak.
APENSO II – consta no referido apenso cópia do processo FUNAI n° 2430/96, pelo qual se autorizou um grupo de estrangeiros e três brasileiros a adentrarem na aldeia Karitiana, requisitado por meio do Ofício nº 513/00 e apensado ao PA nº 081.21.000.290/96-98. Esta autorização refere-se ao pedido de ingresso em terras indígenas, especificamente na TI Karitiana, pela Yorkshire Television Limited, empresa britânica de televisão, com o objetivo de produzirem um documentário a ser exibido pelo canal de televisão norte-americano Discovery Channel, sobre a história natural da Floresta Amazônica. Em suma, praticamente a mesma documentação constate no Apenso I.
APENSO III – referido apenso contém relatório final, de 18 de novembro de 1997, da comissão criada para apurar denúncias de exploração ilegal de plantas e material genético na Amazônia “Comissão de Biopirataria da Amazônia”. O relatório da Comissão de Biopirataria da Amazônia, além de denunciar as várias formas de atuação das grandes multinacionais na Amazônia, apresenta propostas de ações para coibir essa prática criminosa.
APENSO IV – no presente apenso, constam notas taquigráficas da reunião realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados da Biopirataria, que ocorreu no dia 27 de abril de 2005, a qual contou com a participação do Procurador da República Dr. Reginaldo Pereira de Trindade, em que foram levantadas questões referentes à biopirataria.
ANEXO – VOLUMES I e II – relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o Tráfico de Animais e Plantas Silvestres Brasileiros e a Exploração e Comércio Ilegal de Madeiras e a Biopirataria – CPIBIOPI.
É o que cumpre relatar.
Tendo em vista que: 1) não há elementos nos autos hábeis para comprovar a autoria da Biopirataria, conforme informa o Relatório do IPL nº 402/2004-SR-DPF/RO; 2) a realização do descarte do material biológico pela empresa de laboratório em razão da imprestabilidade do mesmo para qualquer análise (vinte anos de armazenamento); 3) os autos tramitam há mais de quinze anos nesta Procuradoria e 4) no site americano, não se observa mais a comercialização do material genético, entendo que o arquivamento é medida que se impõe.
Caso não haja homologação, insiste-se a 6ª Câmara emita orientação técnica, nos termos do item “c”, pontos 3 e 4 do Despacho Saneador constante às fls. 721/725 e que autorize a tramitação do feito na modalidade de PA.
No eventual PA, o Ofício poderá proceder no cumprimento das diligências ou orientações emitidas pela Câmara.
Salienta-se que os aspectos criminal e civil-administrativo (inquérito apurando a eventual conduta de improbidade administrativa) já estão sendo apurados pelo NCC desta Procuradoria.
Desnecessária a comunicação da decisão de arquivamento a representantes, uma vez que o feito foi instaurado de ofício. Encaminhem-se os presentes autos à apreciação da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, para fins de exercício de sua atribuição revisional, na forma do art. 4º, V, c/c art. 16, e art. 17 da Res. 87 do CSMPF. Publique-se.
GISELE DIAS DE OLIVEIRA BLEGGI CUNHA
Procuradora da República
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