Vinicius Canova
Publicada em 01/07/2019 às 14h53
Porto Velho, RO – Com a reintegração do ex-governador Ivo Cassol, do PP, à folha de pagamento do Estado, o contribuinte passará a sustentar o total de dez nomes entre ex-governadores, viúvas e até o filho homônimo de Jerônimo Santana.
Isso representa um gasto avaliado em mais de R$ 253 mil por mês; cerca de R$ 3 milhões ao ano; e em uma década, dentro desses termos, R$ 30 milhões dos cofres públicos estaduais serão desperdiçados, jogados no ralo.
E o pior: não há nada que você possa fazer a respeito e vou explicar neste artigo por quê.
Antes de esmiuçar a justificativa, é preciso anotar: em 2011, o ex-deputado Hermínio Coelho, à época do PT, apresentou Projeto de Lei para exterminar a espuriedade. Conseguiu após o então governador Confúcio Moura, do MDB, sancionar a Lei nº 2460/11.
Veja o texto da norma
A partir disso, Confúcio e todos os que vieram e virão não fazem jus ao pensionamento obsceno.
Por outro lado, o dispositivo legal não abraçou ex-governadores até antes de Confúcio, como João Cahúlla, que, em 2010, a partir de 31 de março, assumiu o cargo no lugar de Cassol por apenas nove meses. A lei revogada deixava claro que bastaria assumir a titularidade da função de chefe do Executivo estadual para que a pessoa passasse a ter direito à pensão vitalícia, ou seja, não importava se exerceria o cargo pelos quatro anos de um mandato ou por um único dia.
O conselheiro Wilber Coimbra, do Tribunal de Contas (TCE/RO), anotou recentemente em decisão sobre as pensões relacionadas tanto a Cassol quanto Raupp, “nem Emenda à Constituição se presta para prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e coisa julgada”. Ele mesmo asseverou que não há o que fazer a despeito da imoralidade, e com razão. Não é alçada do TCE/RO declarar ou não a inconstitucionalidade de uma lei.
Eis aí o problema.
Para ilustrar melhor o imbróglio, pinço aqui um trecho de julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Piauí acerca de uma lei municipal que vigorava no Município de Ipiranga.
Ali, vigia norma conferindo pensões a viúvas de ex-prefeitos da cidade.
E assim os desembargadores da Corte piauiense decidiram: “[...] registre-se que, por ser a concessão de referido benefício ilegal, por ter como base norma inconstitucional, não há que se falar em direito adquirido, razão porque merece ser reformada a sentença recorrida”.
Outra paulada foi dada pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo (STF), quando relatou julgamento acerca de pensões idênticas voltadas ao Estado do Mato Grosso do Sul:
Ela pontificou que a “‘aludida “pensão” não passa de uma regalia, uma dádiva, uma recompensa vitalícia, um proveito pecuniário de natureza permanente, instituído não como um benefício, mas como uma benesse ou favor conferido a quem tenha se desinvestido do cargo eletivo, após ter desempenhado o mandato completo’ (ADI 3.853/MS), o que vem a afrontar o princípio da moralidade”.
Aliás, vou deixar aqui, logo abaixo, uma série de links demonstrando como o Supremo foi derrubando, estado por estado, as vergonhosas pensões vitalícias, exceto, claro, em Rondônia.
08/03/2019
STF publica acórdão para fim do pagamento de pensão a ex-governadores da Paraíba
06/11/2018
STF cancela pagamento de pensão vitalícia a ex-governadores de Mato Grosso e a dependentes
Limbo constitucional
Quando a Lei nº 2460/11 extinguiu as pensões, que eram regidas pelas Leis nº 50 de 1985, e nº 276, de 90 [esta estendeu o benefício a ex-governadores do Território], criou-se um entrave jurisprudencial, lançando a questão em uma espécie de limbo constitucional.
Essas normas, na verdade, jamais passaram pelo controle de constitucionalidade através do STF: sequer chegaram ao mérito dos pleitos apresentados em eras distintas pelo mesmo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Na primeira vez que questionou os dispositivos, as alegações do Conselho Federal da OAB foram rechaçadas em julgamento ocorrido no dia 30 de maio de 2001. O relator da primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade foi o ex-ministro Ilmar Galvão.
A ADI 2.347 não foi conhecida.
Na segunda tentativa, a Corte foi mais sucinta.
O STF entendeu, na ADI 4.575, que a revogação expressa dos dispositivos legais questionados pela OAB na ação direta de inconstitucionalidade dá ensejo à prejudicialidade da ação. E pontou, por fim, que “A remanescência de efeitos concretos pretéritos à revogação do ato não tem aptidão para, por si só, dar seguimento à ação direta”.
Em suma, neste último caso, o Supremo, em julgamento relatado por Edson Fachinm, não chegou ao mérito por entender que a Lei sancionada por Confúcio Moura em 2011 revogou as normas impugnadas.
“Havendo revogação expressa das normas impugnadas na ação direta de inconstitucionalidade impõe-se, na linha de precedentes desta Corte, o reconhecimento da perda de objeto da ação do controle concentrado”.
Ou seja, por mera questão de linha do tempo, as normas excluídas do ordenamento jurídico rondoniense mantém a produção de efeitos danosos à sociedade, e é por isso que todos nós vamos continuar pagando essa regalia a Piana, Raupp, Bianco, Cassol, Cahúlla e outros cinco.
Lembre-se: são mais R$ 3 milhões ao ano.
Curiosidade
Ângelo Ângelin foi nomeado governador do recém-criado Estado de Rondônia pelo ex-presidente José Sarney, em 1985. No mesmo ano, a lei das pensões vitalícias foi aprovada: o projeto que deu vida ao dispositivo legal já superado foi de iniciativa do próprio Executivo. Ele não chegou a completar dois anos no cargo, mas foi beneficiado pelo pensionamento até a data de sua morte, em julho de 2017. Angelin foi substituído por Jerônimo Santana, o primeiro governador de Rondônia eleito pelo voto direto após a redemocratização no Brasil.
LEI Nº 50/1985 (REVOGADA)
LEI Nº 276/1990 (REVOGADA)
URL: https://rondoniadinamica/noticias/2019/07/saiba-por-que-voce-ainda-paga-pensao-especial-vitalicia-a-ex-governadores-de-rondonia-viuvas-e-ate-ao-filho-de-jeronimo-santana,50563.shtml