Paraibaonline
Publicada em 25/07/2019 às 09h23
Cachês milionários, disputa pelos holofotes, brigas na hora da divisão dos lucros. A história podia ser a de uma banda de rock, mas é a dos Trapalhões, trupe formada pelos humoristas Renato Aragão, Manfried Santana, Antônio Carlos Bernardes Gomes e Mauro Faccio Gonçalves.
Encarnando, nesta ordem, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, o quarteto foi responsável por algumas das cifras mais notáveis do cinema brasileiro – dos 20 filmes nacionais mais vistos na história, 7 são dos Trapalhões. Sem contar a carreira que foi além das salas de cinema, com programas de TV, shows, produtos licenciados e uma HQ que rivalizou com as da Turma da Mônica.
Os bastidores dessa convivência são o assunto de “Trapalhadas sem Fim”, série documental em cinco episódios dirigida por Rafael Spaca.
Ainda em fase de produção e com mais de 70 horas de material bruto, a obra traça um panorama da trajetória dos Trapalhões desde os primórdios, com o encontro entre Aragão e Santana nos anos 1960, até a reunião recente dos dois, com um musical e depois o filme “Os Saltimbancos Trapalhões: Rumo a Hollywood”, de 2017.
Spaca entrevistou, além da ex-camareira do grupo e a apresentadora Angélica, mais de 60 pessoas para o seriado.
E, mesmo não deixando de lado o legado de inovação dos Trapalhões, ele não passa ao largo das polêmicas que rondam o grupo, como a suposta divisão desigual de lucros entre Aragão e os demais integrantes, além de puxadas de tapete dos demais membros.
“Não queria fazer uma hagiografia. Estou humanizando a história dos Trapalhões, que tem coisas incríveis e outras nem tanto”, explica Spaca, autor de dois livros sobre o assunto.
Há depoimentos de entrevistados que conviveram com o grupo de maneira intensa. Entre eles, está Celso Magno Hofacker, o Baiaco, que trabalhou como dublê de Aragão, José Lavigne, que dirigiu “Os Trapalhões” na Globo na década de 1990, e o ator Luiz Alves Pereira Neto, conhecido como Ferrugem, que contracenou, ainda criança, com o quarteto na Tupi nos anos 1970.
No material bruto ao qual esta repórter teve acesso, os três afirmam que Aragão exerceu um controle criativo crescente sobre o universo dos Trapalhões e que às vezes jogou para escanteio os demais membros do quarteto.
Numa passagem, Ferrugem diz que Aragão cortava esquetes elaboradas para ele pelos roteiristas quando começou a fazer sucesso.
“Lembro de perguntar ao Wilson Vaz, que era redator, porque eu não estava aparecendo. Ele me mostrou uma pilha de páginas e falou que aquilo tudo eram textos que escrevia para mim e que o Renato não deixava passar”, diz, acrescentando que a última piada, considerada a mais nobre nos humorísticos, era sempre reservada a Aragão.
Lavigne narra que, no final da carreira do quarteto, o domínio do ator cearense era ainda maior. Se nos anos 1970, na Tupi, mesmo os atores secundários tinham liberdade para conversar com os redatores, na Globo os textos passavam apenas por Aragão, mas não pelos intérpretes de Dedé e Mussum –o ator que fazia Zacarias morreu em 1990. “Renato era o dono do circo, e todos nós, empregados”, diz.
A projeção da figura de Aragão é apontada como uma das causas do rompimento do grupo, em 1983. Então sem o nome “Os Trapalhões”, uma vez que o cearense havia registrado o título pela
Renato Aragão Produções, os três formaram a empresa Demuza e decidiram pôr de pé um filme independente, “Atrapalhando a Suate”, ao mesmo tempo em que Aragão filmava “O Trapalhão na Arca de Noé”.
Lançados no mesmo mês, os filmes dividiram o público e alcançaram respectivamente cerca de 1 milhão e 2 milhões de espectadores –outras produções do quarteto chegaram à marca dos 5 milhões. Menos de um ano depois, os humoristas estavam juntos mais uma vez.
Outra causa, já especulada pela imprensa à época, eram as disparidades financeiras entre os quatro Trapalhões. Baiaco conta no documentário que certa vez ouviu Zacarias se referir a um cachê que rendeu menos de um terço a ele, Mussum e Dedé juntos, enquanto Aragão teria ficado com o resto do montante.
Segundo os entrevistados, isso levou à erosão das relações entre os atores até 1994, quando Mussum morreu.
Ferrugem lembra que, nas participações que fez no programa da Globo nos anos 1980, a atmosfera era muito diferente daquela que presenciou quando criança.
“Pareciam bois indo para o matadouro. Eles entravam no set e ficavam encarando o diretor, como se perguntassem se já acabou”, comenta. Ele acrescenta que Mussum era o único a falar de forma transparente sobre o assunto. “Ele dizia: ‘O Ceará só pensa no dele.'”
Lavigne declara que, em 1993, um ano antes de a Globo interromper as gravações de “Os Trapalhões” e passar a exibir reprises do programa, Aragão tentou tirar Mussum e Dedé do elenco e responsabilizou o diretor pela decisão. “Ele falou que não tinha problema, e que depois explicaria a eles. Mas não explicou”, recorda Lavigne. “Ele não é bobo, é embaixador da Unicef.”
Didi e Dedé, aliás, são dois nomes que não figuram na longa lista de entrevistados da série. Em resposta enviada por email, Renato Aragão, ou Didi, chama de mentirosos os testemunhos dos três entrevistados.
Segundo o ator, todos os projetos foram fruto de negociações contratuais entre os membros dos Trapalhões, e as decisões criativas neles envolvidas eram tomadas por ele em conjunto com equipes de redação e direção.
Aragão acrescenta no email que pretende, em parceria com Dedé, contar sua versão da história dos Trapalhões. Dedé também citou a produção num áudio de WhatsApp enviado a esta repórter, no qual explica porque negou o convite de Spaca para participar do documentário. “Quem viveu essa vida fui eu. A troco de que vou dar isso para ele [Spaca]?”, questionou.
Os atores se contradizem, no entanto, quanto à natureza da produção. Enquanto Aragão diz filmar um documentário, Dedé diz estar envolvido com uma ficção biográfica.
URL: https://rondoniadinamica/noticias/2019/07/serie-sobre-os-trapalhoes-mostra-brigas-por-dinheiro-e-por-controle-criativo,52460.shtml