Eranildo Costa Luna-
Publicada em 09/08/2019 às 15h44
Abrindo as atividades do último dia de evento, em comemoração aos 36 anos da promulgação da Primeira Constituição de Rondônia, a Assembleia Legislativa sediou em seu auditório o seminário “As mudanças, correções, imperfeições, e aspectos hodiernos da Constituição Estadual”, com a presença de diversas autoridades, entre elas o Pós-Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Montesquieu Bordeaux e consultor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Walber de Moura Agra, que abordou em Conferência Magna o “Controle da Constitucionalidade e seus desdobramentos”.
O deputado estadual Ismael Crispin (PSB), conduziu os trabalhos. Participaram da atividade o deputado estadual Dr. Neidson (PMN), o senador Marcos Rogério (DEM), a deputada federal Mariana Carvalho (PSDB), o ex-presidente José Bianco, o desembargador do Tribunal de Justiça, Marcos Alaor, o juiz eleitoral Clênio Amorim, entre outras autoridades.
Ao fazer a abertura, o deputado Crispin, 1º secretário da Mesa Diretora, nomeado presidente da comissão especial da comemoração dos 36 anos da Primeira Constituição Estadual de Rondônia, disse que a Casa abre as portas para uma discussão importante e histórica. "Estamos sediando uma série de debates de alto nível, engrandecendo este Parlamento e valorizando a nossa história".
Pronunciamentos
José Bianco ressaltou, mais uma vez, que a Constituição inaugural de Rondônia foi inovadora para a época, com destaque para a inclusão de artigos voltados ao meio ambiente e também a aprovação da autonomia financeira e administrativa do Ministério Público.
"Foi um período de muito trabalho, mas fizemos uma Constituição que se adequou às necessidades de Rondônia, num momento de grandes desafios. Criamos as bases necessárias, que deram o devido sustento à formação de um Estado pujante", destacou.
Mariana Carvalho abriu sua fala destacando as dificuldades iniciais e a contribuição dos constituintes, para a construção de Rondônia. "Imagino o tamanho dos desafios, para a elaboração da Constituição Estadual, num momento de muitas dificuldades, com muita coisa por se fazer. Mas, foi um trabalho exitoso, que deixou um legado importante".
Marcos Rogério disse que é um momento histórico e, como rondoniense nato, tem acompanhado essa história e fica emocionado em poder participar de um evento tão importante. "Costumamos dar muito valor às construções materiais, mas bem antes das boas estruturas, existem planejamento e projetos. E, no campo das origens, está o poder da palavra. O Criador usou o verbo, as palavras, antes de tudo. Isso é uma Constituição, um dizer que se materializa", enfatizou.
O senador observou que, "vivemos hoje um processo de concretude, que nasceu a partir da Constituição Estadual. O que antes era pequeno, rudimentar, após a promulgação, ganhou estatura. Somos um Estado pleno, constituído, que funciona com Poderes autônomos e independentes. Eu diria até interdependentes, com um dependendo do outro".
Para Marcos Rogério, a realização do evento dos 36 anos da Constituição Estadual é se fazer justiça ao trabalho de homens e mulheres, que muito contribuíram com o Estado de Rondônia. "O que era antes imaginário, agora é real. Quero saudar a quem construiu essa história. Saúdo, em nome do José Bianco, a todos os deputados constituintes que materializaram essa pujança de Rondônia", afirmou.
Conferência Magna
O evento teve como ponto principal a Conferência Magna “Controle da Constitucionalidade e seus desdobramentos”, proferida por Walber de Moura Agra.
"Falar de Constituição em tempos de 'mortadela' e 'coxinha' é um desafio, mas que precisa ser feito. Eu ando o Brasil inteiro e vejo as suas diferenças. Falar de Constituição é como se fosse uma espécie de 'Mínimo Múltiplo Comum’, uma espécie de balizamento", falou na abertura Walber Agra.
O professor aproveitou para fazer uma observação acerca da empresa Energisa, que segundo o informou o deputado Ismael Crispin, estaria descumprindo lei estadual, que impede o corte do fornecimento de energia ao final das sextas-feiras e vésperas de feriados. "Se tem uma lei que impede esse corte e a empresa não cumpre, o que podemos esperar?", abordou.
"Vamos tentar refletir acerca do valor da Constituição, que nos remete a dois outros conceitos: evitar o abuso de poder. Não há sociedade sem poder. Outro conceito é a separação de poderes, que exige esforços de toda a sociedade", observou.
Ele alertou que "há a necessidade de controle de constitucionalidade, para adequar aos seus valores históricos. Qual valor damos à educação no país? Tenho todas as qualificações e, como professor, recebo um salário de R$ 3.100,00. Será que a sociedade reconhece e valoriza a educação de fato?", questionou.
Para o palestrante, "sem controle, não há normas, não há efetivação. As formas de controle no Brasil são mais perfeitas do que o que existe em outros países. Temos muitos instrumentos legais, mas a questão é a transposição da norma para o fato. A sociedade brasileira ainda não encontrou links para somar esforços. Pergunto aos meus alunos quem quer ser professor e ninguém se habilita. Mas, todos dizem que a educação é essencial. Mas, a sociedade legitima essa educação como essencial?", indagou.
Segundo ele, "vivemos uma quadra onde os poderes parecem não ter limites. O Executivo está sobrando, o Judiciário (STF) exacerbando em suas atribuições, o Legislativo silente, o Ministério Público sem deixar os gestores trabalharem, os Tribunais de Contas exigindo cada vez mais, sem parâmetro legal. Ou seja, viramos uma Torre de Babel literal. Um caos social, ninguém pensando na causa pública. Por exemplo, não temos nenhuma política industrial. Há uma necessidade de um novo limite de poderes. E a Constituição é quem deve tratar disso".
De acordo com Agra, "nunca nós vimos um Legislativo tão dinâmico. Sou contra a reforma da Previdência, mas foi o Congresso Nacional quem deu a celeridade, fez correções, embora ainda não seja boa para a sociedade, ao meu ver, mas, é fato que foi feito um trabalho Legislativo, sendo o ator principal na reforma, pela primeira vez. É preciso haver poderes interdependentes, que não é algo estático".
Ele apontou que as responsabilidades dos poderes precisam equilibrar os pesos e contrapesos. "Esses consensos são imperiosos. O Brasil tem que rediscutir os seus parâmetros de moralidade. Não posso condenar partido X e condenar o partido Y, quando cometem crimes semelhantes. Não se pode um órgão de fiscalização exigir de uma prefeitura o que não está previsto em lei, como tem ocorrido. Usar uma função pública para ser político é inaceitável. A sociedade brasileira não pode ser hipócrita".
Ele então retomou a fala sobre a empresa Energisa. "Há uma lei estadual que impede o corte do fornecimento de energia às sextas-feiras e em vésperas de feriados. Uma empresa privada burla a lei. E essa empresa, comprou a antiga Ceron com dinheiro público do BNDES. Ou seja, a sociedade paga a conta cara, é desrespeitada, mas é do recurso do povo que saiu o dinheiro para a empresa comprar a Ceron e fazer esse tipo de coisa. Energia não pode ser um ativo financeiro".
Ao encerrar, ele disse que "a sociedade brasileira sempre culpa o outro. A nossa sociedade sempre se manteve inerte, em toda a nossa história. Quando a gente se der conta de que a nossa Constituição é a nossa proteção, iremos ter mais força".
Painel 1
Em seguida, foi aberto o painel Liberdades públicas, judicialização da política e das políticas públicas com as palestras da professora da Faculdade Sapiens, Marta Luiza Salib, e o advogado Cássio Vidal, representando a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rondônia (OAB/RO), tendo como mediador o professor de filosofia da Unir, Josenir Detonni.
"Temos que fazer uma nova discussão sobre a separação dos poderes, que ao meu ver deve ser uma complementaridade, dentro do espectro da interdependência", disse Marta Luiza ao iniciar sua fala.
Para ela, as normas constitucionais não são mais programáticas. "A separação dos poderes não deve ser entendida como cada um visto com suas responsabilidades, de forma isolada". Marta Luiza defendeu concurso para a composição do Supremo Tribunal Federal, como forma de dar mais transparência e legitimidade nas decisões dos ministros.
Em seguida, Cássio Vidal fez uma breve intervenção, destacando que a judicialização é uma forma de se buscar um direito. "Quando uma política pública não é implementada, é fato que a sociedade pode buscar na justiça essa concretização".
Para Vidal, o modelo eleitoral é extremamente normatizado e judicializado, desde o período pré-eleitoral. "Isso ocorre para superar modelos antigos, que não eram legítimos, como o 'voto de cabresto'. A diferença entre o remédio e o veneno, é a dose".
O advogado disse que um desafio é ter clareza nas regras eleitorais, citando o exemplo do ex-presidente Lula, que, mesmo estando preso, fez o registro de sua candidatura a presidente. "Isso gera uma série de questionamentos de toda a sociedade. Antes, nem se podia dizer que era candidato. Agora pode, só não pode pedir votos abertamente. Ou seja, a cada eleição, vai se fazendo ajustes. Abuso de poder político e econômico, por exemplo, não tem uma regra clara. Cada caso vai ser avaliado, podendo ter interpretações distintas".
Em seguida, foram abertas às perguntas do auditório e também do mediador, abordando questões como a separação dos poderes, os pesos e contrapesos, e o cenário atual de interferências entre os poderes.
Painel 2
O segundo painel do dia foi para tratar da representação política, suas vicissitudes, e o modelo ideal do Parlamento brasileiro com as palestras do professor, sociólogo e advogado Vinícius Miguel, e do defensor público, Fábio Roberto de Oliveira Santos, com a mediação da jornalista Sara Xavier.
Vinicius Miguel abriu sua fala agradecendo pelos debates e solicitando que a Assembleia e as universidades possam ter cada vez mais sintonia. "Destaco essa necessidade de uma maior aproximação, mas pontuo o quanto tem sido importante essa semana de debates. Sobre o modelo de Parlamento ideal, é um exercício aberto a ser entendido e vivenciado. Decidi fazer uma espécie de mandamentos", observou.
Para o professor, "a democracia é laica, mas é sagrada. O Parlamento ideal deve ser diferenciado de um órgão bajulador. Outro ponto é a harmonia com os pares e a sociedade. O terceiro ponto é preservar as liberdades e garantias, com relação a todos os poderes e instituições, sendo autônomo".
Vinicius Miguel disse que "o quarto mandamento é que seja representativo de todos os segmentos sociais, incluindo as minorias e os grupos de vulnerabilidade. O quinto ponto é que a maioria não deve usar seu poder para prejudicar a minoria, mas sim buscar o diálogo com a sociedade. O sexto ponto é a proibição à promiscuidade e pressões econômicas".
O palestrante seguiu apontando que "o sétimo e oitavo pontos são complementares, onde defendo que seja um Legislativo sem promover a violência e não queira agradar a maioria, ao invés de pacificador. O nono ponto é dar voz a quem precisa, com espaços aos diversos segmentos. O Legislativo é um espaço de modulação, capaz de apresentar comedimentos com a sociedade".
A seguir, o defensor Fábio Roberto de Oliveira abriu sua palestra falando sobre o modelo da Suprema Corte no Brasil. "Não entra aqui o resultado das decisões, mas os processos de interpretações. No caso da prisão em segunda instância, por exemplo, a sociedade não teve espaços para se manifestar. Minha opinião é de que haja um debate preliminar", argumentou.
Segundo ele, a construção de uma Constituição deve ter a participação popular, de forma perene. "Precisamos construir pontes do Parlamento com a sociedade, sem politiquês, para superarmos esse sistema revisional da Constituição, com a população assumindo um papel de destaque".
Para Fábio Roberto, "o Parlamento ideal é o que defende a educação e os direitos, entre outros aspectos, para construir uma sociedade mais justa e inclusiva. A democracia exige diálogo, exige dialética.
Com perguntas do auditório e também da mediadora, como a necessidade de uma composição heterogênea das bancadas nos Parlamentos, a necessidade de sintonia com a sociedade, entre outros temas, em debate.
Fotos: José Hilde
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