Vinicius Canova / Rondoniadinamica
Publicada em 15/10/2019 às 10h20
Porto Velho, RO – A pouco mais de dois meses para que 2019 chegue a seu termo, já há, desde logo, a possibilidade de o jornal eletrônico Rondônia Dinâmica pinçar a retrospectiva das pautas realizadas neste ano.
Cinco delas entre reportagens, editoriais e artigos de opinião escritos por colaboradores contratados trouxeram reflexos sociais na prática em decorrência da atenção dos órgãos de fiscalização e controle.
O ponto-auge desses trabalhos desenvolvidos pela redação foi a intervenção do Ministério Público (MP/RO) no caso das pensões vitalícias concedidas a ex-governadores e viúvas. Embora lei publicada em 2011 tenha extinguido o benefício questionável, remanesceram os pagamentos a quem o usufruía até então.
Aos rondonienses, essas pensões consideradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como inconstitucionais em vários casos semelhantes em estados brasileiros, somam prejuízo próximo aos R$ 3 milhões ao ano: e este mesmo montante pode vir a ser a quantia de economia rendida ao Estado.
Isto, caso os autos da ação civil pública nº 7029026-68.2019.8.22.0001, ainda sob incumbência da juíza de Direito Inês Moreira da Costa, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho, se transformem em decisão transitada em julgado extirpando de vez as pensões vitalícias custeadas ainda hoje às expensas do contribuinte regional
A despeito de a reportagem sobre as pensões corroborar com o provável início do fim do benefício inconstitucional e perdulário, o MP/RO, justamente como meio de transformação social e também via atuação do promotor de Justiça Rogério José Nantes, se atinou, anteriormente, à situação de hipotética ilegalidade patrocinada por ex-deputado estadual de Rondônia.
01) O retorno de Flávio Lemos
No dia 31 de janeiro, notícia exposta por este noticioso alertou as autoridades sobre o novo cargo assumido por Flávio Honório de Lemos, o Flávio Lemos, como é conhecido politicamente: ele havia acabado de se tornar diretor Administrativo e Financeiro da Câmara de Vereadores.
Ocorre que Lemos detém condenações em primeira e segunda instâncias por improbidade administrativa e isso deveria impedi-lo de assumir a função à qual foi designado para cumprir.
Essas sentenças tanto de piso quanto colegiada remontam ao período em que ele fora vereador pela Capital e, de acordo com as acusações, teria nomeado servidora “laranja” e auferido os dividendos de seu salário no lugar da funcionária pública comissionada.
Justamente por isso o seu regresso à Casa de Leis municipal fora considerada por este site de notícias, também via editorial, como a alocação da “raposa para cuidar do galinheiro”, especialmente por conta do cargo diretivo alinhado às deliberações financeiro-administrativas.
Mas como Flávio Lemos tomou posse no cargo de Direção se havia as condenações desfavoráveis?
Após a veiculação da matéria em questão, o MP/RO passou a investigar buscando a resposta. O promotor Rogério José Nantes descobriu, então, que Flávio Lemos teria supostamente usado documentos falsos a fim de atestar eventual idoneidade moral exigida pelo Legislativo-mirim à posse.
Inquérito foi instaurado no dia seguinte à publicação sobre a nomeação de Flávio Lemos
Em decorrência disso, após as diligências promovidas em procedimento institucional preparatório, o MP/RO moveu ação criminal (autos nº 0009034-98.2019.8.22.0501) contra o ex-parlamentar onde o acusa da prática ilícita de uso de documento falso, tipificado no Art. 304 do Código Penal. A denúncia foi recebida pelo juiz de Direito Francisco Borges Ferreira Neto, da 1ª Vara Criminal de Porto Velho, que, entre outros pontos, anotou no dia 12 de junho:
“No caso, verifico que a denúncia preenche os requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal e vem instruída com inquérito civil público e peças de informação, nos quais constam lastro probatório suficiente para deflagração de ação penal pelo delito imputado. Por isso, recebo-a”, sacramentou. O processo segue o trâmite regular e até que haja decisão transita em julgado, conforme reza a Constituição Federal (CF/88), o réu deve ser tratado como inocente.
Porém, antes mesmo de a instituição promover a denúncia no espectro penal, o professor universitário Vinícius Miguel, que também é advogado e ativista social, moveu ação popular levantando a questão no Poder Judiciário.
“Fui informado pelo noticiário do Rondônia Dinâmica sobre a nomeação [de Flávio Lemos], especialmente pelo fato de ter sido condenado em duplo grau de jurisdição. A situação me chamou a atenção e vislumbrei que ele não detinha as condições objetivas para o cargo. Em suma, não era considerado ficha limpa de acordo com a lei. Ajuizei a ação popular com esses fundamentos após reunir os documentos indicados pela imprensa”, asseverou.
Na visão de Vinícius Miguel, o jornalismo praticado pelo Rondônia Dinâmica fez com que o MP/RO revelasse algo mais grave logo em seguida: “Uma possível falsificação de documento público, como apontou a acusação na ação penal e cujas descobertas anexei à ação popular”, concluiu o jurista.
A ação popular de Vinícius Miguel tramita sob os autos de nº 7005170-75.2019.8.22.0001 e aportou às raias da 2ª Vara da Fazenda Pública Capital ainda em fevereiro. O magistrado responsável pela análise da contenda jurídica é o juiz de Direito Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa. Desde o dia 12 de setembro os autos estão conclusos para decisão, mas não há sentença prolatada por ora.
02) O cumprimento de pena de Capixaba
O ex-deputado federal Nilton Balbino (PTB), o Capixaba, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro de 2018 a seis anos e dez meses de prisão pelo seu envolvimento na famigerada “Máfia dos Sanguessugas”.
Já no início de 2019 e com a extinção do seu mandato no ano anterior, o petebista foi autorizado pela Suprema Corte a cumprir pena em Rondônia, vez que estava enclausurado em Brasília.
O ministro Gilmar Mendes garantiu a transferência de Capixaba para que este trabalhasse na empresa Leme Empreendimentos e Participação Ltda, cuja atividade econômica principal está relacionada à incorporação de empreendimentos imobiliários.
No endereço apontado à Declaração de Vaga de Emprego, constava Rua José do Patrocínio, nº 785, Centro, Porto Velho.
O jornalista Vinicius Canova, titular da coluna “Visão Periférica”, verificou o endereço in loco constatando que, em vez da Leme Empreendimentos, a Rua José do Patrocínio, nº 785, abrigava – e abriga até hoje –, o escritório Sebastião Martins Advogados Associados.
No dia 07 de março, Célio Luiz de Lima, coordenador-geral do Sistema Penitenciário já no governo Marcos Rocha (PSL), suspendeu o monitoramento eletrônico do ex-deputado baseado nas hipóteses do artigo de opinião escrito por Canova e determinou a abertura de Processo Administrativo Disciplinar de Interno (PADI) até que a investigação sobre possível fraude na Carta de Emprego fosse concluída.
Já no dia 22, o petebista fora absolvido pela junta ligada à Secretaria de Justiça (Sejus/RO).
Célio Luiz de Lima informou que os responsáveis pelo julgamento do PADI chegaram à conclusão de que, caso houve “eventual transgressão, em tese, ocorreu por conta do sócio administrador da empresa Leme e não pelo reeducando”.
Como “eventual transgressão” não foi investigada, Balbino pôde regressar ao trabalho.
Em junho, porém, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge solicitou informações sobre o cumprimento de pena de Capixaba anotando em suas justificativas todo o caso exposto pelo Rondônia Dinâmica até então.
“Diante desse quadro, antes do arquivamento dos presentes autos, é necessário obter, junto ao juízo delegado, informações mais detalhadas a respeito da execução das sanções impostas a Nilton Balbino pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente sobre a razão pela qual o monitoramento eletrônico foi concedido e sobre a falta disciplinar que teria motivado a sua suspensão e seu posterior restabelecimento”, anotou antes de sair do cargo.
Na seção da PGR do site institucional do MPF, órgão ressalta informações levantadas pelo Rondônia Dinâmica / Captura de tela
Por fim, o próprio ministro Gilmar Mendes requisitou informações sobre os mesmos fatos, mas, com a troca de comando no Ministério Público Federal (MPF), ainda não há informações oficiais acerca de eventuais desdobramentos dos pedidos de Dodge.
Em setembro, Mendes, a pedido da PGR, inscreveu Nilton Capixaba no rol dos culpados findando o processo dele sobre o caso dos Sanguessugas no STF. Sobre as possíveis ilicitudes ocorridas na Carta de Emprego em Rondônia, Augusto Aras, novo procurador-geral da República, ainda não se manifestou.
Montagem por Rondônia Dinâmica
03) Pensão vitalícia: Raupp volta à folha
A matéria que ilustra a abertura do inquérito promovido pelo promotor de Justiça Rogério José Nantes foi publicada no dia 05 de abril de 2019.
Com o fim do mandato de Valdir Raupp (MDB) como senador, o político resolveu regressar à folha de pagamento do Estado a fim e usufruir da pensão especial vitalícia garantida pelo status do direito adquirido.
Não foi a primeira vez que o Rondônia Dinâmica abordou a questão: o histórico da lei extinta em 2011 pela convergência entre o ex-deputado Hermínio Coelho, à época do PT e hoje no PV, e o então governador Confúcio Moura, também emedebista, algo raro dadas as turras vivenciadas por ambos, extinguiu o benefício considerado inconstitucional pelo Supremo em diversos casos analisados relacionados a outros estados brasileiros.
Rondônia ficou no limbo jurídico-institucional porque o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RO) havia ingressado na Suprema Corte com ação direta de inconstitucionalidade; entretanto, como a norma foi derrubada no estado à ocasião, a demanda restou arquivada sem análise do mérito. Isso fez com que os efeitos pretéritos continuassem a produzir consequências ao erário, ou seja, todos os ex-governadores até João Cahúlla, este a comandar o Executivo por apenas nove meses, e
também as viúvas dos que já morreram, mantivessem seus nomes na lista das pensões vitalícias custeadas pelo contribuinte rondoniense.
O valor da pensão acompanha o último reajuste firmado sobre o salário do atual governador.
Como essa rota foi inviabilizada, a matéria sobre o retorno de Raupp à folha chamou a atenção do MP/RO que, de maneira diligente, iniciou as deliberações com o objetivo de obliterar as pensões remanescentes.
A diligência de Nantes rendeu ação analisada sob os autos nº 7029026-68.2019.8.22.0001, em que atua a juíza de Direito Inês Moreira da Costa.
No dia 23 de agosto, ela mandou suspender todos os pagamentos até o fim da demanda judicial; ocorre que houve insurgência em relação à determinação. João Cahúlla, considerado o caso mais aberrante de usufruto da lei superada por conta do tempo irrisório no comando do Estado, obteve decisão favorável no Tribunal de Justiça (TJ/RO) a fim de derrubar a liminar concedida pela magistrada de primeiro grau.
A deliberação foi patrocinada pelo desembargador Renato Martins Mimessi, membro das Câmaras Especiais Reunidas do TJ/RO.
Mimessi deixou claro que sua decisão pode ser revista a qualquer tempo, logo o retorno de Cahúlla à folha do Estado não é definitivo
Por outro lado, esse é o tipo de demanda que, de acordo com Rogério José Nantes, promotor do caso, o MP/RO irá, literalmente, às últimas instâncias para derrubar as pensões especiais vitalícias justamente em decorrência do posicionamento firmado pelo STF em casos semelhantes. Resumidamente, o de que não existe direito adquirido firmado sobre norma inconstitucional, ainda que a de Rondônia não tenha sido decretada expressamente de maneira específica.
De Brasília, o ex-governador e atual senador Confúcio Moura aceitou responder aos questionamentos enviados pela redação sobre o período histórico da lei que extinguiu as pensões.
Moura, conhecido pelas duras críticas feitas em seu blog homônimo sobre direitos adquiridos e estabilidade no serviço público, relativizou seus conceitos quando falou sobre eventual extinção das pensões no caso de ex-governadores e viúvas até o seu mandato.
Ele também relatou que não teve problemas em sancionar o diploma aprovado pela Assembleia Legislativa (ALE/RO) após apresentação do Projeto de Lei patrocinado pelo ex-deputado Hermínio Coelho.
Confira os depoimentos concedidos exclusivamente à redação:
Coelho, hoje ex-deputado e recém-filiado ao Partido Verde (PV), também conversou com o Rondônia Dinâmica a respeito dos fatos:
“Nós apresentamos o Projeto de Lei para dar início ao extermínio desse benefício em todo território brasileiro. Não fosse a lei, Confúcio receberia. Daniel Pereira receberia. E agora Marcos Rocha também seria beneficiário”, declarou à reportagem.
Ele prosseguiu dizendo que a insistência do Rondônia Dinâmica pode ser considerada no futuro um jornalismo de R$ 3 milhões ao ano, em referência à economia possivelmente alcançada pelo Instituto de Previdência dos servidores Públicos do Estado de Rondônia (IPERON).
“Existe a possibilidade de o jornalismo em parceria com o MP/RO render adiante essa economia se o benefício que tem morrido em todo o Brasil não se sustentar por aqui. É um jornalismo de R$ 3 milhões ao ano. Lá em 2011, com o meu Projeto de Lei, começamos a pensar no futuro. Vocês fizeram o mesmo tentando corrigir injustiças legais do passado. Agora está nas mãos do Judiciário”, sacramentou o ex-presidente do Legislativo.
Apesar da deliberação de Mimessi relacionada ao pedido de Cahúlla, a demanda segue em primeiro grau e, a depender de Rogério José Nantes, como já frisado, percorrerá todos os graus de jurisdição, incluindo o STF, se for o caso, até a extinção definitiva das pensões.
04) Dados privados expostos pelo Estado
Também foi em 2019 que o jornalismo investigativo desta redação descobriu a utilização negligente do Sistema Eletrônico de Informação (SEI), a ferramenta de protocolo interno do Estado de Rondônia.
À época, precisamente no dia 25 de abril, reportagem exclusiva trouxe à tona a vulnerabilidade de dados privados expostos no sistema voltado à Administração Pública.
Informações completas como as fichas funcionais de todos os policias militares e até prontuários com o nome inteiro de pacientes portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), patologia deflagrada pelo vírus HIV, estavam liberados a quem quisesse acessar.
Após a veiculação, o governo vedou o acesso indiscriminado ao SEI colocando inicialmente alguns documentos em modo restrito e, logo em seguida, criou critérios cadastrais para novos usuários utilizarem a ferramenta de maneira segura e responsável.
05) Nova ferramenta de controle do TCE/RO
Antes do fim da primeira quinzena de julho, o Rondônia Dinâmica veiculou editorial sugerindo ao Tribunal de Contas (TCE/RO) que criasse uma ferramenta no intuito de aprimorar a fiscalização popular sobre as consequências advindas de decisões monocráticas saídas das mãos de conselheiros ou mesmo acórdãos proferidos através do colegiado.
A ideia era manifestar o interesse social em relação ao retorno tanto das multas quanto dos débitos aplicados pela Corte de Contas.
Em pouco mais de dois meses, o presidente Edilson de Sousa Silva anunciou a criação do expediente atribuindo a realização ao editorial publicado neste jornal eletrônico.
“Eu li o texto em questão, verifiquei a possibilidade técnica de aplicar e o Tribunal de Contas criou a ferramenta”, pontuou à ocasião da estreia.
O filósofo Heráclito, considerado o pai da dialética, arrematou definitivamente o conceito das transmutações com uma simples frase: “Nada é permanente, exceto a mudança”. E com o jornalismo exercido de maneira independente e sem amarras, as instituições se municiam com dados precisos corroborando com as alterações sociais necessárias à manutenção da ordem e da justiça.
URL: https://rondoniadinamica/noticias/2019/10/o-jornalismo-independente-traz-reflexos-no-combate-a-corrupcao-possivel-economia-milionaria-aos-cofres-publicos-seguranca-a-dados-privados-e-ajuda-a-criar-nova-ferramenta-de-fiscalizacao-,58792.shtml