Breno de Paula
Publicada em 07/01/2020 às 10h19
A nova taxa de 1º emplacamento do DETRAN fere princípios tributários e é inconstitucional.
Oriunda de uma legislação muito antiga - 222/1989 - a taxa em comento não obedece ao princípio jurídico tributário da referibilidade.
No período compreendido entre 2015 e 2020, segundo dados da própria administração pública, a referida taxa aumentou mais de 20%, ou seja, mais que o dobro da inflação.
Ou seja, referida taxa não busca tão somente remunerar a atividade estatal - que é vinculada ao contribuinte - mas busca incrementar aumento da arrecadação tributária, o que é inconstitucional.
É um verdadeiro imposto escamoteado de taxa, data venia.
A referida cobrança tem natureza de tributo e classifica-se na espécie taxa, nos termos do artigo 145, II, da CF e artigo 77, do CTN.
A Constituição da República é clara e concisa ao se referir ao papel da taxa no sistema tributário nacional, indicando, em seu artigo 145, que se trata de tributo devido “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” (inciso II).
Ademais, veda a instituição de taxas com base de cálculo própria de impostos (art. 145, § 2o), o que denuncia a impossibilidade daquelas se basearem na capacidade econômica do contribuinte. À sua vez, a legislação infraconstitucional desenvolve os elementos albergados pela definição constitucional de taxa, esclarecendo o sentido das expressões “poder de polícia” (CTN, art. 78) e “serviços públicos específicos e divisíveis” (CTN, art. 79).
A taxa é, portanto, um tributo vinculado a uma atividade estatal, identificada com a prestação de um serviço público específico e divisível ou com o exercício regular do poder de polícia. Há, portanto, dois tipos de taxas, quais sejam, as de serviços e as de polícia. Independentemente da modalidade, a atuação do Poder Público deve ser diretamente relacionada ao contribuinte da exação, isto é, deve ser diretamente referível a ele. Isto porque o sujeito passivo da obrigação tributária será aquele que deu causa à despesa especial do Estado, não estando afinado com o princípio da igualdade ratear, entre a comunidade, um dispêndio plenamente individualizável.
Em termos de teoria geral, a taxa pode ser definida como o tributo cuja hipótese de incidência seja uma atividade pública diretamente referida ao sujeito passivo. As exigências do conceito de taxa vão além do conteúdo da hipótese de incidência, a qual poderia ser manipulada pelo legislador, afim de subverter a classificação das espécies tributárias.
E imprescindível também que a base de cálculo guarde coerência com o fato gerador da obrigação tributária. Entende-’se que base de cálculo constitui a perspectiva dimensível da materialidade da hipótese de incidência, a qual já carrega em si os critérios para o seu dimensionamento no momento de aplicação da regra.
Em diferentes oportunidades, o Supremo Tribunal Federal já se utilizou da relação de pertinência entre o fato gerador e a base de cálculo para definir a real natureza jurídica específica de um tributo.
De todo modo, a generalidade da doutrina se satisfaz com a conclusão de que o custo da atividade pública traduz a base de cálculo das taxas, por ser a perspectiva financeira da atividade pública inscrita na hipótese de incidência.
Roque Carrazza leciona que “Em nome da segurança jurídica não podemos aceitar que, só porque a pessoa política realizou uma atuação estatal, está autorizada a cobrar uma taxa no valor que quiser e de quem quiser. Muito menos se nem efetivou a atuação estatal. Pelo contrário, só poderá exigir taxa daquela pessoa estatal e desde que o tributo tenha por base de cálculo o custo da atuação (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 617).
Para Aires Barreto, “a base de cálculo das taxas é unicamente o valor da atuação do Estado que a justifica. Custo efetivo, estimado, presumido, social, são espécies do valor eleito para a atividade e não bases diversas” (BARRETO, Base..., 1998, p. 91).
Em artigo sobre a taxa municipal de conservação de estradas, Ataliba aponta que “tecnicamente é incorreto e impróprio atribuir à área, em caso de taxas, a designação de base tributável, na advertência de Aires Barreto. A rigor, a base é o custo do serviço. É que a base é medida da hipótese de incidência. É, como diz Amílcar Falcão, o lado econômico do fato imponível. É dimensão de seu aspecto material, como ensina Paulo Barros Carvalho” (ATALIBA, Taxa municipal ..., 1985. p. 215).
A vinculação do fato gerador das taxas a uma atividade estatal referível ao contribuinte produz diversas consequências. Dentre esses consectários, destaca-se a limitação da arrecadação tributária ao custo da atuação do Poder Público relacionada ao contribuinte, vedando, assim, que a taxa seja cobrada além das despesas incorridas pela Administração na prestação de um serviço público ou no exercício do poder de polícia como ocorre com a Taxa do DETRAN de 1º emplacamento.
Concluímos com Konrad Hesse: “...a necessidade não conhece princípios...”
* Breno de Paula: Advogado Tributarista, Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia, sócio do escritório Arquilau de Paula Advogados Associados
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