France Presse
Publicada em 05/03/2020 às 15h17
O debate sobre o aborto ressurge na Argentina, onde ativistas contra e a favor se preparam para iniciar uma nova batalha, na próxima semana, quando o Congresso recebe do presidente Alberto Fernández um projeto para sua legalização.
Em meio a grandes mobilizações e efervescência social, a Argentina, país de forte influência católica e local de nascimento do papa Francisco, debateu a legalização do aborto, pela primeira vez, em 2018. Na ocasião, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas não passou pelo Senado.
Desde então, houve uma renovação parcial nas duas câmaras legislativas e agora, com o impulso importante do presidente, o movimento feminista retoma sua agenda de manifestações nas ruas, enquanto as igrejas católicas e evangélicas, junto aos grupos "pró-vida" mobilizam seus esforços para enfrentar a iniciativa.
"Ter um presidente que se pronuncia a favor é um sucesso de todas nós. Esperamos que seja marcada uma data para o início do debate. Entendemos que é um momento histórico e temos que seguir organizadas na rua", disse em entrevista à AFP Victoria Tesoriero, da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto.
Ao anunciar sua decisão de levar ao Senado um projeto de legalização do aborto, Fernández foi enérgico.
Presidente, Alberto Fernandez, anunciou projeto de legalização do aborto durante 138ª sessão legislativa no di — Foto: Agustin Marcarian/Reuters
"O aborto acontece. É um fato. No século XXI, toda sociedade precisa respeitar a decisão individual de seus membros a disporem livremente de seus corpos", disse.
Na América Latina, a Argentina foi pioneira em legalizar o matrimônio igualitário e a lei de identidade de gênero. Se o aborto for legalizado, será a quarta conquista para os pró-escolha na região, depois de Cuba, Uruguai e Cidade do México.
Até agora, o aborto é punido com penas entre um e quatro anos de prisão, exceto em casos de estupro, ou risco para vida da mulher, norma prevista no Código Penal desde 1921.
Contra
A postura de Fernández é fortemente rechaçada por quem se opõe ao aborto legal.
"A militância ativa do presidente nos preocupa, porque acreditamos que ele vai fazer todo o possível para que isso aconteça. A pressão sobre as províncias e os governadores pode, de uma certa maneira, afetar o voto dos senadores", disse à AFP Camila Duró, porta-voz do movimento Frente Jovem.
"Queremos alertar o poder político de que há uma maioria nesse país, que sai nas pesquisas e sai às ruas, que não está de acordo com esse projeto de lei de descarte de argentinos", enfatizou.
Segundo a última pesquisa sobre crenças e atitudes religiosas na Argentina, entre 2008 e 2019 duplicou a proporção de pessoas que dizem que o aborto é um direito da mulher.
Assim, o número de argentinos que acreditam que "uma mulher deve ter direito ao aborto sempre que assim decidir" passou de 14,1%, em 2008, para 27,3%, em 2019. Ainda que em menor escala, também aumentou a quantidade de pessoas que pensam que o "aborto deve ser proibido sempre": de 16,9%, em 2008, para 18,7%, em 2019.
14 semanas
Após a derrota de 2018, a campanha pelo aborto legal introduziu no ano passado outro projeto que não foi para frente e que terá de ser harmonizado com a proposta do governo.
"Nós conseguimos instalar fortemente nosso projeto no Congresso e temos muita expectativa de que o que finalmente será aprovado seja muito similar ao nosso", afirmou Tesoriero.
Os pontos principais para o movimento feminista são garantir o aborto livre até a 14ª semana de gestação e o atendimento no sistema de saúde pública, completou.
- Na rua e na igreja -Com a bandana verde fazendo a identificação, as ativistas a favor da legalização do aborto preveem uma greve de mulheres e uma manifestação até o Congresso na próxima segunda-feira.
"Estamos em uma nova etapa do feminismo, tanto no país quanto em toda região", destacou Tesoriero.
Na véspera, Dia Internacional da Mulher, será realizada uma missa na Basílica de Luján, principal local de culto da Argentina, a 75 quilômetros de Buenos Aires, com o lema "Sim às mulheres, sim à vida".
"A Igreja está disposta a ter um papel de protagonista e a pressionar de alguma maneira o governo de Fernández, porque ele recebeu apoio durante a campanha de vários setores da igreja, especialmente em temas como a fome e a pobreza", lembrou Duró.
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