Agência Pública
Publicada em 28/01/2021 às 15h02
Levantamento inédito revela que os incêndios não só bateram recorde mas dificultaram o diagnóstico de Covid-19 no ano que marcou a trágica combinação de queimadas e pandemia na Amazônia
Rondônia vive atualmente uma situação crítica, com colapso do sistema de saúde e necessidade de transferência de pacientes para outras regiões do país. Mas a crise de saúde no estado não vem de agora.
Em julho do ano passado, Ivaneide Suruí recebeu o diagnóstico: estava com Covid-19. Passando mal, com tosse forte, a moradora de Porto Velho descobriu a doença em um período crítico – era o início do pico de incêndios florestais em 2020 em Rondônia. “É mais difícil porque você já respira mal por conta da própria doença, e, como Porto Velho é uma cidade que teve muita queimada mesmo, isso torna a respiração muito pior, com muito mais dificuldade”, conta.
O ano de 2020 marcou uma combinação trágica e inédita na Amazônia brasileira: queimadas e a pandemia. Em alguns estados da Amazônia Legal, os meses com mais focos de incêndio na floresta foram também os com maior número de internações por complicações respiratórias graves.
Ao todo, os nove estados da Amazônia Legal registraram mais de 28 mil internações de pessoas com quadros respiratórios agudos graves (SRAG) entre os meses de agosto e outubro, época da maioria dos focos de incêndio no bioma, que trazem consigo os efeitos da fumaça das queimadas na saúde respiratória da população.
Cerca de 63% das internações desse tipo nos estados da Amazônia foram casos confirmados de Covid e 23% não tiveram a causa definida. Entre as pessoas hospitalizadas com confirmação de Covid, 30% faleceram.
Queimadas e pandemia formaram uma grave combinação justamente em Rondônia, onde vive Ivaneide – agosto, o mês com mais internações no estado, foi o segundo com mais focos de incêndio no ano. As queimadas, que começaram a aumentar em julho, quando ela adoeceu, só foram diminuir em dezembro.
A quantidade de incêndios em 2020 foi especialmente crítica em Porto Velho, a mais afetada de todas as capitais da Amazônia: mais de dez focos por 100 km². Ivaneide, que é ativista em uma associação de defesa do povo indígena Uru-eu-wau-wau e do Parque Nacional de Pacaás Novos, conta que teve dificuldade para ser atendida no sistema de saúde quando o seu quadro de saúde se agravou e diz ter encontrado postos de saúde e pronto atendimento lotados. “Aquele monte de gente, e eu falando pra pessoa: ‘Olha, eu estou atestada de Covid, eu estou passando mal no meio dessa multidão aqui”, relembra.
Em 2020, as queimadas devastaram ainda mais a Floresta Amazônica do que em 2019. Ao todo, foram mais de 103 mil focos de incêndio, 15% a mais do que em 2019, primeiro ano da presidência de Jair Bolsonaro, que já havia registrado aumento em relação a 2018.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou mais de 11 mil focos de incêndio em Rondônia em 2020, apenas em áreas da Floresta Amazônica. Em toda a Amazônia Legal brasileira, Cujubim, um município no norte do estado com população estimada de cerca de 26 mil pessoas, foi o que mais teve focos em relação à sua área: 19 por 100 km2, de acordo com levantamento inédito da Pública – a média, considerando-se apenas os municípios que tiveram focos de queimadas, foram três por 100 km².
Além de Porto Velho e Cujubim, estão em Rondônia outros três municípios entre os 20 que mais registraram focos proporcionalmente em 2020 em toda a Amazônia: Buritis, Candeias do Jamari e Nova Mamoré.
“A questão das queimadas acontece todo ano. Então, nessa a gente tem um aumento, principalmente de crianças, mas de adultos também, que procuram o pronto atendimento no hospital com problemas respiratórios, ou agravamento do quadro respiratório que já têm. Fica agudizado, começam a ter crises”, relata Fernando da Silva Pinto, coordenador da Atenção Básica e enfermeiro plantonista do Hospital Regional de Buritis. Ele conta que a sobreposição das queimadas com a pandemia em 2020 dificultou o atendimento no hospital, com grande aumento de pacientes com sintomas respiratórios em dúvida se estavam com Covid ou sofrendo os efeitos da fumaça. “Tudo que envolve alguma coisa relacionada ao sistema respiratório a gente já tem que desconfiar de Covid”, comenta.
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