Como fabricar um assassino? Princípio da presunção de culpa também é coisa do Tio Sam

Como fabricar um assassino? Princípio da presunção de culpa também é coisa do Tio Sam

Steven Avery, o número 6, 'reconhecido' pela vítima quando preso injustamente por estupro e tentativa de homícido

Porto Velho, RO – Sem muito que fazer no sábado (05) e com limitadíssimo leque de opções à disposição, após esgotar todas as séries e filmes interessantes no cardápio do entretenimento apresentado pelo serviço de streaming Netflix, um título chamativo indexado à imagem de um homem qualquer fazendo pose para mugshot atrai imediatamente a minha curiosidade.

O título? Making a Murderer que, numa tradução literal à nossa língua, seria algo como Fabricando/Fazendo um Assassino – ou coisa que o valha. O homem? Steven Avery, um americano de 55 anos que, comprovadamente, passou 18 deles na cadeia de forma injusta.

Ele já havia cometido delitos antes de ser sentenciado equivocadamente a 32 anos de prisão pelo estupro violento e subsequente tentativa de homicídio de Penny Bernstein em 1985, portanto, não era exatamente aquilo que as ditas pessoas de bem costumam chamar de santo – como se alguém o fosse.

Por outro lado, tanto quando assaltou um bar com amigos levando 14 dólares em moedas quanto na ocasião em que participou da tortura de seu próprio gato, que acabou morto após ser jogado na fogueira por outros companheiros, houve a expressa confissão. Steven Avery aceitou, até aí, a punição adequada por todos os seus crimes – incluindo a perda da liberdade.

No caso Penny Bernstein, por pressão de autoridades locais que ignoraram indícios de sua inocência e outras tantas evidências apontando para outros suspeitos, a vítima o reconheceu como autor do estupro e ele acabou encarcerado – desta vez por 18 longos anos.

Só saiu do cárcere porque a ciência evoluiu fazendo com que um exame de DNA realizado  em um único pelo pubiano com raiz conservado ainda em caixas de evidências denunciasse o verdadeiro culpado: Gregory Allen, sujeito já supervisionado à ocasião do crime pelo condado por cometer crimes de natureza sexual.

Mas eles queriam Avery... Assim como o quiseram, e apenas ele, logo em seguida – onde a coisa começa a tomar corpo monstruoso e conspiratório.

Em 2005, Steven aguardava o resultado de uma ação milionária movida contra o Estado que o condenou e as autoridades que o incriminaram por engano em decorrência do estupro de Penny. Dois anos depois de sentir a brisa da liberdade, no entanto, voltou a ser preso – desta feita pelo homicídio da fotógrafa Teresa Halbach. De lá para cá, são mais 13 anos sem liberdade. Somando, é mais tempo de vida entre muros do que fora deles. 

Num processo cheio de dúvidas, completamente inexplicável e recheado de suspeitas, o promotor do caso, Ken Kratz, deixou lacunas abertíssimas em suas acusações; ainda assim o Júri decidiu declará-lo culpado. A nova sentença? Prisão perpétua sem possibilidade de condicional.

Espetáculos midiáticos; confissões extraídas à força e por pressão psicológica; sangue onde não deveria haver; nada de sangue onde deveria haver muito; ossada transposta; carro da vítima “escondido” num terreno em que existia um compressor para destruí-lo; chaves do veículo encontradas na casa de Steven após a 7ª revista – e com resíduo de DNA só dele (nada da vítima).

São muitos pontos que não batem.

É um documentário necessário para ampliar a ótica de quem imagina o sistema judicial americano como algo de primeiro mundo, sem a possibilidade de equívocos.

O que se discute na série não é exatamente provar que Steven Avery é inocente; trata-se, na realidade, de demonstrar que a sua responsabilidade jamais restou comprovada e que, desta maneira, ao violentar a presunção de inocência diante de todas as evidências levantadas por seus advogados, Tio Sam não está tão longe de nós quando o assunto é desmoralizar princípios constitucionais.

Vale a pena ver do início ao fim!

Autor / Fonte: Vinicius Canova

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