O candidato que franzia a testa e comprimia os olhos de tanto rir ao emular passos de dança de Michael Jackson ou imitar a voz de Optimus Prime deu lugar a um governador aquartelado
Porto Velho, RO – Embora ligado às hostes militares e suas nuances rigorosas em termos de disciplina, o Coronel Marcos Rocha, do PSL, trazia consigo lá em 2018 quando ainda era apenas um entre nove candidatos ao Palácio Rio Madeira, a figura de um sujeito despojado, bem-humorado, suscetível às brincadeiras propostas.
O eleitor, cansado das mesmas figuras batidas, assistia à evolução de um tipo destoante carregado, ainda, pela onda bolsonarista que tomou conta do Brasil. Mas em vez de um semblante sisudo como se espera dentro dos moldes vinculados ao estereótipo castrense concebido pela grande maioria da população, o liberal franzia a testa e comprimia os olhos sorrindo e gargalhando espontaneamente sempre que podia.
Dois exemplos práticos dessa felicidade que parecia não caber no peito foram observados nas redes sociais. Em um dos vídeos, Rocha surgiu emulando os passos de dança criados por Michael Jackson – o antológico e insuperável moonwalk; no outro, usou o tom grave acentuadíssimo de sua voz imponente para imitar o personagem Optimus Prime, do universo Transformers, nos bastidores de uma entrevista.
CONFIRA
Até ali, era fácil excursionar alegria, distribuir abraços e levar a campanha na galhofa, já que, a meu ver – honestamente – nunca enxerguei a candidatura do atual chefe do Executivo estadual como algo levado a sério.
Agora, se Marcos Rocha gosta tanto assim do mundo geek, deveria, no mínimo, ter passado menos tempo incorporando o alienígena líder dos Autobots para se dedicar em período integral aos ensinamentos terrenos deixados pelo falecido Ben Parker, o Tio Ben:
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
Sinceramente, seus predicados extracurriculares o credenciariam a premiações no Soul Train, o programa musical apresentado por Don Cornelius nos anos 70, e a ocupar, também, cadeiras cativas nos estúdios brasileiros de dublagem como Álamo, Herbert Richers, Sigma ou Marshmallow.
Porém, lamentavelmente, um Estado não é pista de dança nem microfone com braço articulado.
Quando caiu em si, Marcos Rocha estava no comando, eleito pela esmagadora maioria da população rondoniense no segundo turno das eleições do ano passado.
E aí começaram as contradições e os problemas de gestão: nomeações de esposa e ex-mulher; pedido de impeachment com menos de três meses de mandato por violações constitucionais; fugas em massa dos presídios de Rondônia; ameaças patrocinadas pelo vice-governador José Atílio Salazar Martins – o Zé Jodan – contra seus concorrentes no ramo da produção de café; e até o depósito da quebradeira do Estado na conta do ex-governador Daniel Pereira (PSB).
Nos próximos três meses, ou antes, seria até melhor, Marcos Rocha e seu estafe precisam tirar a cabeça do casco e agir. O problema de prometer revoluções durante as campanhas é justamente esse: a cobrança volta na mesma proporção, exponencialmente, agigantada.
E os rondonienses querem, para ontem, enxergar no vasto vazio do horizonte obras, reformas, melhorias, enfim, qualquer coisa que escape do mundo fictício para ser incorporado imediatamente à realidade.
Como cidadão otimista e admirador tanto da Sétima Arte quanto da literatura, deixo, para reflexão, um trecho do poema Solitude, de autoria da escritora estadunidense Ella Wheeler Wilcox (1850/1919), passagem imortalizada pelo filme sul-coreano Old Boy (2003), dirigido por Park Chan-wook.
“Ria, e o mundo rirá com você. Chore, e você chorará sozinho”.
Autor / Fonte: Vinicius Canova
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