Editorial – Dívida do Beron, calamidade financeira e servidores sem salário: as entrelinhas da entrevista concedida pelo vice-governador de Rondônia

Editorial – Dívida do Beron, calamidade financeira e servidores sem salário: as entrelinhas da entrevista concedida pelo vice-governador de Rondônia

José Atílio Salazar Martins, o Zé Jodan, do PSL, encaminhou diversos recados de forma velada enquanto usou o microfone da 93,1 FM. E agora?

Porto Velho, RO – Há duas frases que, contrapostas, ajudam a ilustrar o momento financeiro por que passa o Estado de Rondônia: ambas foram citadas por agentes públicos conservadores de nacionalidades distintas e capacidade de raciocínio situada em polos equidistantes.

Edmund Burke foi um político liberal irlandês, viveu e morreu no século XVIII e, entre sua enorme coletânea de ensinamentos teóricos, há o seguinte apontamento:

“A economia é uma virtude distributiva e consiste não em poupar, mas em escolher”.

 

Portanto, sentença simples, objetiva e de fácil absorção. O outro tipo é capitão reformado do Exército Brasileiro, ex-deputado federal que ocupou cadeira no Congresso Nacional por quase três décadas ininterruptas e, atualmente, exerce o ofício de presidente da República Federativa do Brasil.

À época em que detinha ainda o status de possível candidato à Presidência, lá em 2017, Jair Messias Bolsonaro disse:

“Na grande mídia, dizem que eu não entendo de economia, mas vou disputar eleições no ano que vem, não o vestibular".

 

A frase foi destacada pela Folha de S. Paulo e está em uma das clipagens no site oficial da Força Aérea Brasileira (FAB).

A diferença entre as orações é que Burke tinha consciência político-filosófica, além de arcabouço para defender suas teses; Bolsonaro, por outro lado, estava apenas confessando – e isso não é novidade – a sua inaptidão acerca do setor.

A curiosidade é que tanto o governador de Rondônia Coronel Marcos Rocha, quanto o vice, José Atílio Salazar Martins, o Zé Jodan, dupla pertencente ao mesmo PSL de Bolsonaro, encartam-se ao baralho uno dentro do naipe ideológico mais à direita.

E isso é absolutamente normal: a roda girou, nada mais.

Entretanto, Zé Jodan, especificamente, vincula-se apenas à estultícia presidencial, municiado exclusivamente pela alicantina, ignorando, obviamente, a diretriz perspicaz trazida à luz há três séculos pelo dublinense que chegou a destacar-se como membro do parlamento londrino pelo Partido Whig.

O vice-governador já comprometeu a atual gestão da qual faz parte em dois momentos distintos: na primeira oportunidade, ameaçou seus concorrentes na área da produção de café – e, por isso, foi admoestado pelo presidente da Assembleia Laerte Gomes (PSDB); agora, mais recentemente, usou os microfones da Rádio 93,1 FM a fim de pintar um cenário financeiro catastrófico, ainda que inserindo suas palavra a condicionantes futurísticas.

“Se isso, se aquilo, se aquele outro”...

Dentro deste contexto, é impossível compreender o ímpeto sabotador do cafeicultor.  Esses fatores apocalípticos aventados por Jodan estão relacionados especificamente à dívida do Beron, dificuldade enfrentada por todos os ex-governadores como Valdir Raupp, José Bianco, Ivo Cassol, Confúcio Moura e, finalmente, Daniel Pereira.

Lembrando que, desde a administração de José Bianco, não se fala em salários atrasados. Resumidamente, puxando um pedaço da história, Oswaldo Piana entregou o governo a Raupp com três folhas de pagamento atrasadas.

Pra piorar, Piana, escorado por uma legislação absurda e permissiva, mas já superada, concedeu aumento de 100% aos servidores antes de passar o comando do Estado. Foi como se Raupp recebesse, então, seis folhas de pagamento em atraso.

Isso, claro, não redime o ex-senador de absolutamente nada, mas a bola de neve desbocou mesmo foi no colo de Bianco, que, de maneira catastrófica, mandou demitir 10 mil servidores numa canetada só, algo em torno de 30% do funcionalismo rondoniense.

Com o tempo, a situação foi contornada com vontade política, porém, é inegável, o trauma ficou marcado para sempre. Logo, a menção despretensiosa sobre possível horizonte onde servidores podem ficar sem receber é um verdadeiro tiro de fuzil no próprio pé, não há outra leitura.

Sobre a dívida do Beron, Confúcio Moura a custeava mensalmente até o 4º ano do primeiro mandato, em 2014, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski determinou a suspensão dos descontos em decorrência da cheia histórica do Rio Madeira.

A União, então, promoveu uma renegociação de dívida para alguns estados alongando o parcelamento e diluindo as mensalidades, mas não aceitou a inclusão de Rondônia no acordo. Ainda que a dívida estivesse suspensa, o Estado teve, à ocasião, todo o interesse em aderir.

Quando o Governo de Rondônia finalmente conseguiu negociar, já em 2018, a dívida se estendeu por mais 30 anos, mas a parcela passou a ser “suportável”. Saiu de R$ 25 milhões para R$ 11 milhões a cada 30 dias.

Tecnicamente, o Estado teria de pagar esses R$ 11 milhões por mês à União, porém, durante o processo, foi aventado um lapso temporal de inadimplência que culminou em outra negociação extra.

Mais R$ 146 milhões foram jogados nas costas de Rondônia. O ex-governador Daniel Pereira fez um requerimento administrativo a fim de diluir esse valor em outras 24 parcelas de R$ 6 milhões: cinco delas foram pagas até o término da sua gestão.

Sobrou para Marcos Rocha pagar 19 parcelas de R$ 17 milhões; antes do término de seu mandato a dívida regressará aos termos originais de R$ 11 milhões mensais.

O orçamento do Estado aprovado para 2019 é de R$ 8,1 bilhões: em suma, a dívida do Beron é muito mais moral do que de impacto, embora seja, sim, relevante.

Zé Jodan não considera situações mais graves, a exemplo do rombo do Iperon, o pagamento massivo de precatórios – a Constituição manda o Estado pagar até 2024 –, além das despesas com a Caerd, conta que ainda recairá sobre os cofres estaduais, todos problemas crônicos, mas reversíveis, assim como a dívida do Beron. O liberal passa a encaixar-se perfeitamente às definições de Burke quando exalta economia pífia diante do quadro como um todo sem pontuar a escolha da destinação à monta poupada.

Pior do que um vice decorativo é um vice proativo na arte de propalar o caos.

E aí só o sábio chinês para salvar:

“O silêncio é um amigo que nunca trai”.

 

Marcos Rocha e Jair Bolsonaro não precisam entender de economia. Eles não vão prester vestibular, afinal. Mas se Rocha é tão amigo de Bolsonaro quanto menciona agora e dizia reiteramente durante a campanha, não há melhor agente público para suavizar a fome da União quanto o presidente da República. O governador não tem o direito de falhar nessa articulação.

Autor / Fonte: Rondoniadinamica

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