Texto.: Vinicius Canova
Fotos.: Gregory Rodriguez
Porto Velho, RO – A inquietação nos gestos e principalmente o dedo em riste erguido invariavelmente ao abordar qualquer tipo de assunto denuncia o ofício do convidado desta 9ª edição de RD Entrevista, seção publicada exclusivamente pelo jornal eletrônico Rondônia Dinâmica.
A postura inquisidora do promotor de Justiça Héverton Alves de Aguiar, reconhecido por ter levantado como principal bandeira o combate incessante à corrupção quando ocupou a chefia do Ministério Público de Rondônia (MP/RO), só se equipara em termos de eloquência às suas falas contundentes e sem pausas. Não há, em toda a composição de sua figura, demonstração de fragilidade e nem pontos vulneráveis.
Aguiar, que vira e mexe é assunto na imprensa por conta de seus trabalhos, voltou às páginas dos jornais assim que notícias sobre uma possível candidatura ao Governo de Rondônia em 2018 vieram à tona. Ele comenta o cenário e diz se isso irá ou não se concretizar. Também aborda temas importantes, a exemplo do combate à violência contra a mulher; a importância e as consequências de operações que comandou enquanto procurador-geral de Justiça; por que seu nome foi envolvido na Operação Apocalipse; a histórica Termópilas, além de outros temas.
Corrupto tem cura? Ele pode voltar à vida púbica sem roubar? O promotor também responde a isso. E a paixão e o fascínio pelo motociclismo demonstrados através de seu olhar orgulhoso e os trejeitos faceiros expostos só em saber que irá falar a respeito.
A postura inquisidora do promotor Héverton Aguiar
Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)
Perfil e trajetória
Héverton Alves de Aguiar nasceu em 30 de janeiro de 1965 em Porto Velho, Rondônia. Aos 52 anos, é casado e pai de dois filhos. A vida estudantil e acadêmica foi toda percorrida em solo rondoniense. Formou-se em Direito pela Faro e ingressou no Ministério Público de Rondônia (MP/RO) em 1994 como promotor de Justiça, instituição onde passou a galgar e acumular cargos até chegar à Procuradoria-Geral de Justiça, onde, eleito e reeleito, ficou durante um quatriênio, saindo ao final de 2015. É conhecido pela implacável luta encampada contra a corrupção.
Rondônia Dinâmica – Quem é Héverton Aguiar?
Héverton Aguiar – Muito obrigado, obrigado pela oportunidade. É um prazer participar desse projeto, acho um projeto que reputo de vital importância, canal de abertura para interlocução, diálogos, para discutir temas de uma forma muito franca e aberta. Acho isso interessantíssimo e quero parabenizar e agradecer a oportunidade que está sendo concedida a mim. Héverton Alves de Aguiar [respira fundo, pausa]. Sou rondoniense de nascimento, de criação e formação. Nasci em Porto Velho, me formei aqui, estudante de escolas públicas, como, por exemplo, o Colégio Getúlio Vargas, no Bairro Areal, onde fui criado e no Colégio Estudo e Trabalho, onde concluí o Segundo Grau. Na minha graduação no Ensino Superior, estudei na Faro, minha primeira experiência em instituição particular. Sou da segunda turma da Faro. A Faro ainda funcionava no prédio do Colégio Antônio Ferreira. Em 1994, ingressei no Ministério Público na carreira de promotor de Justiça, na condição de promotor substituto. Fui para Ariquemes, primeira Comarca onde atuei e depois para Ouro Preto do Oeste.
Na sequência, depois de alguns anos no interior, fui promovido a Porto Velho, onde atuei na Terceira Entrância e aqui trabalhei em diversas áreas. Desde o Tribunal do Júri, passando pelas demais criminais genéricas; atuei bastante tempo na 2ª Vara Criminal, à época o juiz titular era o querido Dr. Péricles [Moreira Chagas], hoje desembargador. Nesta função, especificamente, fiquei muito tempo. Com o passar do tempo, com amadurecimento institucional, passei a exercer vários cargos dentro da instituição: fui secretário-geral, subprocurador-geral, chefe de gabinete do procurador-geral, presidente da Fundação Escola Superior do Ministério Público, da Corregedoria, em suma, exerci vários cargos na administração até chegar ao cargo de procurador-geral de Justiça. Nesta condição, fiquei no quatriênio, de 2011 a 2015.
Vencido este período, retornei à atividade na Promotoria, especificamente a Promotoria da Violência Doméstica e Proteção à Mulher. Exerço a função e, paralelamente a isso, sou membro auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público, cumprindo essa atividade junto a ENASP, que é a Estratégia Nacional de Segurança Pública. Ainda enquanto procurador-geral exerci durante três mandatos seguidos a presidência do GNCOC, Grupo Nacional De Combate às Organizações Criminosas. É o grupo que reúne o GAECO [Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado] de todos os Ministérios Públicos do Brasil.
Então durante três anos exerci a presidência desse grupo especial que pertence ao CNPG [Conselho Nacional de Procuradores-Gerais]. Retornando à atividade, recentemente fui eleito ouvidor do Ministério Público, exercendo nacionalmente a vice-presidência do CENOMP, que é o Conselho Nacional dos Ouvidores dos Ministérios Públicos dos Estados e da União. Então de maneira geral, fazendo um panorama, seria esta a trajetória de Héverton Alves de Aguiar aqui em Rondônia. Repito: rondoniense de nascimento, de criação e formação.
Principais trabalhos
RD – O que o senhor poderia destacar em relação ao trabalho desempenhado no Ministério Público antes de assumir a Procuradoria-Geral de Justiça?
HA – Tive várias participações em processos tidos como importantes. A bem da verdade, todo processo que chega às nossas mãos, às mãos dos membros do MP, tem o seu grau de importância, de relevância. Então ao longo desses 25 anos de exercício da profissão no Ministério Público, muitos trabalhos passaram por mim. Fiz muitas atuações no Tribunal do Júri. Muitos, inúmeros Plenários. Eu deixaria registrado, de forma geral, que todos os trabalhos tiveram a sua importância, sua significação para a parte que precisava da atuação do Ministério Público, da resposta de seus anseios através do fiscal da lei, o protetor da sociedade, que é o promotor de Justiça. Este, claro, representando o Ministério Público.
De maneira geral, isso aconteceu. Fato importante, digno de registrar ainda nessa biografia, foram os 12 anos dedicados ao magistério Superior, como professor da Faro, da Uniron – onde tive oportunidade de tê-lo em sala de aula [se refere ao entrevistador] – e como professor da São Lucas. Então foram 12 anos no exercício do magistério de Ensino Superior muito gratificantes. A relação com a Academia, a relação com o cenário acadêmico de formação da inteligência, da crítica, do raciocínio jurídico, é algo que muito me satisfaz. Traz uma satisfação muito grande. Então ao longo dessa história nós colecionamos muitas atuações importantes.
RD – E na Procuradoria-Geral de Justiça, quando passou a ser reconhecido como implacável ‘caçador de corruptos’, quais os destaques?
HA – Eu penso que caçar corruptos, usando esta expressão, caçar, pegando como a tradução do combate ao corrupto, deve ser a missão primeira de todo aquele que exercer a chefia do Ministério Público. A corrupção é o ato deletério que arrasta para o pântano do desespero a esperança do povo. A corrupção mata mais do que guerras. É um ataque silencioso, sorrateiro. A corrupção entra na sociedade pelas frestas das portas, das janelas, invade as casas, os lares e compromete a moral na sociedade. Então todos nós temos a obrigação de colocar no nosso grau de prioridade o combate à corrupção no ponto mais alto.
Quando assumi a Procuradoria-Geral de Justiça, pelo compromisso que assumi perante a sociedade e, em especial, pelo compromisso que tinha com o povo da minha terra, com o povo da minha terra natal, deflagramos uma guerra intensa contra aqueles que estavam acostumados a se esbaldar nos banquetes nababescos custeados pelo erário, pelo recurso público, pelo recurso do contribuinte. E a partir daí, essa foi a nossa maior missão. Várias outras missões foram desempenhadas ao longo desses quatro anos. Mas seguramente, nesse marco de prioridades, a missão que estava mais ao alto era o combate à corrupção.
Porque quando se combate a corrupção, você defende a saúde, a segurança pública, a capacidade do povo de sonhar. A corrupção tira isso do povo. Tira sua capacidade de sonhar porque além de retirar os recursos materiais do povo, que é desviado em proveito próprio dessas pessoas que estavam acostumadas a se esbaldar nas tetas do governo, além da falta desses recursos, tira a credibilidade do povo. O povo para de acreditar nas instituições. Para de acreditar nas pessoas. E para de acreditar que é capaz de haver mudanças. Consciente disso, nós decidimos que a nossa passagem pelo Ministério Público teria essa como a maior bandeira a ser levantada. Porque combatendo a corrupção, você está defendendo todos os demais direitos indisponíveis do cidadão rondoniense. E nós desenvolvemos esse trabalho.
Não foi fácil, mas ninguém disse que seria. E nós também não estávamos atrás de facilidades, sabíamos da dificuldade, mas a enfrentamos. A enfrentamos e, ao longo desses quatro anos, foram dezesseis operações do Ministério Público. Algumas com a Polícia Federal, outras com a Polícia Civil e também com a Polícia Rodoviária Federal, mas operações em que o Ministério Público estava na Presidência, sendo o artífice das investigações. Foram dezesseis ao todo! Fizemos combate a núcleos tidos como poderosos neste Estado. Núcleos até então tido como inatingíveis, inacessíveis. E nós mostramos que com seriedade, coragem, de forma destemida e responsável se pode sim combater a corrupção como fizemos no nosso Estado durante aqueles quatro anos.
Políticos com medo de roubar
RD – Políticos estão mais acanhados na hora de cometer algum tipo de crime? O senhor sente diferença entre o antes e o depois desse combate mais intenso à corrupção?
HA – Eu sinto. Eu sinto e ouvi isso de políticos. [Ouvi políticos] Dizendo que a atuação do Ministério Público corroborou com isso. E o Ministério Público vem atuando, pois fizemos os trabalhos ao longo dos quatro anos e você me pergunta o que nós fizemos quando eu estava em frente à administração. Mas o Ministério Público continua fazendo seu trabalho, seu papel. O MP Estadual nunca se furtou a cumprir seu papel de vigilante da ordem. Naquele período em que nós lá estivemos, essa foi a prioridade. Mas ao longo da história do Ministério Público, a instituição nunca se furtou disso. E em razão disso, houve sim um acanhamento.
As pessoas ruins, os mal feitores, temem a ação do Estado. O mal feitor teme a ação da Justiça. Ele quer facilidade. E quando ele sabe que aquele mal feito, sabe que seu ato de lesar o erário, o recurso público e o povo, terá uma consequência repressiva dos órgãos de Estado, do Ministério Público, da Polícia, do Judiciário, ele se acanha. Ele se acanha! E há sim uma diminuição [nesses atos]. Nós testemunhamos durante e após uma mudança de comportamento.
Testemunhamos isso, a exemplo do que vem acontecendo no cenário nacional. Isso é um fato positivo, mas o que é de vital importância, e este é um momento interessante pra falar sobre isso, de nada adiantará o Ministério Público fazer inúmeras operações, colocando inúmeros poderosos na cadeia, sequestrar bens e bloquear contas, se o povo não tomar conhecimento do poder que tem de escolher seus representantes. Essa convivência do povo com o corrupto é deletéria para a sociedade! O povo tem de conhecer a importância de uma depuração desse sistema de se fazer política. A política é vital, é importante.
Sócrates, na antiguidade, já escrevia sobre a importância de se fazer política, vital à democracia. O que não pode são os desvios de conduta dos políticos. E é esse desvio de conduta dos políticos que o povo deve julgar com rigor. E o malhete de sentença do povo é o voto! O povo há de analisar quem é candidato, qual a história dele, o que essa pessoa fez em benefício da sociedade. Porque ele está lá para representar o povo e não para se esbaldar, para sua satisfação pessoal.
Ele tem um mandato do povo e o povo precisa saber cobrar isso. Porque se assim for [não haver mudanças nesse sentido] de nada vai adianta essas inúmeras operações que o Ministério Público já fez, as dezesseis que nós fizemos e as outras que o Dr. Airton [Pedro Marin Filho, atual procurador-geral de Justiça] vem fazendo à frente da instituição e nem as anteriores. De nada adiantará nem mesmo a Lava Jato se o povo não tiver consciência de que é o momento de se resgatar os princípios éticos e morais desta nação. Isso é de vital importância.
Candidatura em 2018
RD – Afinal, o senhor será candidato ao Governo de Rondônia em 2018?
HA – Eu venho recebendo já há um determinado tempo propostas nesse sentido. Hoje, como membro do Ministério Público, eu não tenho a cidadania plena. Um membro do Ministério Público pode votar, mas não pode ser votado. A sociedade está muito carente de representantes e essa carência faz com que se busquem novos nomes. Então isso é fato: tenho sido procurado, recebido algumas propostas de alguns partidos. No início do ano que vem eu fecho meu tempo no Ministério Público e teria condições de me aposentar. Eu não vou dizer a você que descarto essa possibilidade. Mas isso não é um projeto. Isso não é um projeto...
Só que por outro lado, o resgate à moral, à ética, à decência, à honestidade, está intimamente ligado com a minha essência. Nosso povo precisa de mudanças, precisamos mudar. Seria eu a mudança? Não sei. Mas precisamos do novo, isso é fato. Então o que é verdade disso que está circulando? É que eu tenho recebido convites. Agora, se eu decidirei enveredar pelo caminho político, é algo que tem de ser muito amadurecido. Eu amo o Ministério Público. Eu sou promotor de Justiça por ter escolhido ser promotor de Justiça. Foi o concurso que eu quis fazer. Entrei nesta instituição ainda como estagiário. Eu estou aqui desde a época da faculdade.
Largar o Ministério Público para iniciar uma nova fase da vida é algo que tem de ser muito amadurecido, pensado. É uma decisão dificílima. Então, se a pergunta é: “O senhor é candidato?” Não. Não sou candidato. “O senhor descarta a possibilidade?” Não. Eu não descarto nada ainda. Tenho sido procurado e consultado. Mas uma coisa é fato: o povo da minha terra merece mudança. O povo da minha terra não suporta mais a estrutura política que está montada, é fato.
Se o agente dessa mudança será o Héverton ou outro, não sei. O que eu sei, como ente do povo, é que precisa mudar. Precisamos resgatar a moralidade, a decência, a confiança, o sonho do povo! O povo tem de voltar a sonhar, acreditar em dias melhores, que as coisas irão melhorar, que há resultados, que existe sentido! Não podemos continuar a ouvir “Ah, tudo é a mesma coisa. Só irão mudar as coleiras, a cachorrada vai permanecer a mesma”. Isso é muito mais grave do que surrupiar o dinheiro do contribuinte através da corrupção, porque você está retirando do povo a esperança. Estamos ficando desencantados. E um povo desencantado começa a negligenciar seu futuro. Precisamos de mudança, isso é um fato.
RD – O senhor não teria receio de colocar sua reputação impecável como homem público ‘em xeque’ ao filiar-se a um partido político?
HA – Não tenha dúvida! O problema, e isso tem de ficar muito claro, não está na política. Está no político. A política é fundamental e essencial para a manutenção, fortalecimento e crescimento da sociedade. Sem política não se vive. A política é da essência da vida compartilhada. As pessoas quando vivem juntas, essa convivência é regida por política. Você tem política dentro de casa, tem política institucional, enfim, ela é fundamental. O problema não é a política, mas sim sua estrutura. O problema não está na política, está no político. O sistema é difícil, não tenha dúvidas! O sistema é difícil.
Mas se as pessoas de bem não tiverem coragem de trabalhar para a mudança disso nós estamos fadados à morte mesmo, acabou a sociedade brasileira. Porque nós não aceitamos mais o modelo que está. Não aceitamos mais a estrutura dos políticos que aí estão. Mas nós também não temos como renovar isso porque outras pessoas com receio de macularem sua imagem, sua conduta, receiam entra na política. Porque pensam que a política é podre e eu digo: não é! O apodrecimento, repito, está no político. Está no desvio de conduta do agente, que foi eleito pelo povo para defender o povo. E depois que recebe seu mandato, que se diploma, que toma posse, vira as costas ao povo e passa a fazer política para si, para se beneficiar. Este é o grande erro!
Nós precisamos mudar, de pessoas boas, decentes e jovens. De pessoas jovens ou experientes. Mas que sejam pessoas que tenham na sua integridade moral o seu maior patrimônio. E tenham o compromisso de entrar na política e preservar o seu patrimônio moral, não financeiro. Este é um ponto fundamental para essa discussão. As pessoas consideram o patrimônio financeiro muito mais importante do que seu patrimônio moral. Essa inversão há de ser feita. O povo precisa, necessita de mudança. Em todo o canto que se vá se ouve isso. Ninguém aguenta mais esse sistema. Ninguém aguenta mais isso. E se não aguentamos, então vamos mudar! Vamos fazer diferente, certo?
Homens da lei: uma tendência?
RD – Se o panorama se concretizasse, com o senhor sendo candidato e restando eleito governador de Rondônia, teríamos no Estado dois personagens ligados ao MP em frentes de trabalho importantíssimas. Uma em Porto Velho, com Dr. Hildon Chaves (PSDB), promotor aposentado, e outra no Estado, com o senhor na condição de chefe do Executivo. O senhor acredita que estaria comprovada, então, uma nova tendência ao relação ao eleitorado?
HA – Eu acredito... Acredito sem dúvida nenhuma que pode ser isso. O povo quer um novo modelo. Todos nós reconhecemos que o atual modelo está falido. Falido moralmente. Todos sabem disso. O povo quer mudanças... O povo quer mudanças! Pode sim [ser que esteja sendo criada uma nova tendência]. É possível.
RD – Depois da Dominó, por conta da repercussão e até mesmo dos vídeos expostos à população, a Termópilas foi a operação que mais mexeu com as estruturas político-sociais em Rondônia e no Brasil. Na sua visão, qual foi o saldo desta operação, promotor? E em relação à primeira célula de corrupção encontrada no mandato inaugural da atual gestão estadual, é possível dizer que fora extirpada de vez?
HA – A corrupção precisa de um combate permanente. Ela tem uma capacidade regenerativa extraordinária. Você combate a corrupção, corta aquele eixo criminoso e, se não ficar vigilante, ele se regenera. Não creio que se tenha exterminado isso. Não creio. Até mesmo porque outras operações que vieram depois da Termópilas pegaram outros órgãos, outros pontos do Executivo. Um exemplo claro, nós tivemos aqui a Operação Ludus, do Espaço Alternativo, Operação Zagreu...
RD – Plateias...
HA – Sim, Plateias e tantas outras. Então a corrupção precisa ter um combate permanente, incessantemente. A Operação Termópilas trouxe sim mudanças significativas. Já temos algumas condenações, outras tantas ainda estão saindo. Mas houve uma mudança. O próprio parlamento sinalizou mudanças radicais. E o interessante, é importante que se diga isso, na Operação Termópilas nenhum ato ilício era pratico dentro do parlamento. Ou seja, o então presidente [Valter Araújo] comandava um esquema de corrupção no Executivo. Mas no parlamento, na gestão do parlamento, não havia nenhum problema. Nenhuma ação foi voltada ao parlamento. Apenas aos parlamentares que estavam naquele núcleo que nós conseguimos exterminar naquela época.
RD – Mas não envolvia recursos do Legislativo?
HA – Não envolvia. Era só do Executivo. Era a atuação do Legislativo no Executivo. Olha que coisa mais perigosa ainda: a capacidade de transcender o seu Poder. Mas isso é fato, ocorreu. E depois dessa operação, porque a Termópilas era uma de um total de cinco operações envolvendo a Assembleia Legislativa (ALE/RO), o parlamento estadual ficou muito mais zeloso. As gestões que vieram depois foram muito mais zelosas com a coisa pública, com pessoas preocupadas com isso. Por isso que eu te falei agora há pouco que ouvi depoimentos de deputados preocupados com isso, preocupados com situações e com medo de praticar alguma coisa errada e acabar sendo alvo de alguma investigação nossa. Então, só isso, só neste aspecto pedagógico, poderia lhe dizer que a operação foi extremamente positiva.
Termópilas: operação histórica
RD – No final de 2012, o senhor concedeu entrevista dizendo que a Termópilas havia inaugurado um precedente em termos de tempo de condenação. Em menos de um ano, cinco pessoas já haviam sido sentenciadas. Esse fato histórico ocorreu mesmo? Por que as coisas foram tão rápidas neste caso?
HA – Sim, aconteceu. Quando nós deflagramos a Operação Termópilas, em razão do que nós já havíamos produzido em termos de provas, já tínhamos as minutas das denúncias prontas. Os réus ainda estavam presos quando nós ajuizamos as ações e o Poder Judiciário, é importante ressaltarmos isso, nosso povo precisa ter a consciência de que temos o Poder Judiciário mais ágil do País. A nossa Justiça é extraordinária, digna de todos os aplausos. O Poder Judiciário dá respostas muito rápidas às demandas e nós conseguimos, em um ano da deflagração da operação, obter cinco condenações. E ao longo dos anos, tantas outras condenações foram saindo.
Uma operação como essa dá, usando um termo que nós costumamos utilizar, não é um termo técnico, elas dão muitas ‘crias’. Você está investigando e aí encontra alguma outra coisa, que faz nascer um novo processo e essa investigação já desemboca em outra investigação, que acaba em outro processo. Então ela vai dando ‘crias’. Mas a Operação Termópilas, sem dúvida alguma, fez com que nós demonstrássemos ao Brasil uma efetividade da Justiça. Foi um trabalho exemplar que a Polícia Federal fez na parte do inquérito e o Ministério Público acompanhando todo esse desenvolvimento de investigações. Propusemos as ações penais pertinentes, as medidas cautelatórias pertinentes e, em um ano, o Poder Judiciário já tinha condenado cinco dos envolvidos na Operação Termópilas.
Corrupto tem cura?
RD – A ciência diz que não há cura para estupradores. A opinião é geral entre especialistas. Mas o corrupto tem conserto, promotor? Ele pode voltar à vida pública e não roubar mais mesmo tendo acesso direto ao erário?
HA – Pode. Mas o processo é muito mais delicado. Porque o corrupto precisa expurgar a corrupção moral de dentro dele. Ele precisa reencontrar os princípios éticos e morais para que se mantenha distante da corrupção ético-moral, que é a corrupção mais grave. A corrupção moral, da ética. Às vezes ele está ‘regenerado’ porque está longe do recurso público. “Não, eu não meto mais a mão no recurso público, desde que não me deixe perto”. Ou seja, a corrupção ainda está dentro dele.
Se a pessoa promover mudanças em si, e o ser humano é capaz de mudanças, o ser humano se reinventa, uma capacidade extraordinária que nós temos de nos reinventarmos, reescrevermos e reprogramarmos, é capaz disso ocorrer. Se ele verdadeiramente estiver arrependido e procurar dentro de si os resquícios desses princípios éticos e morais que blindam a chegada da corrução, encontrando esse valores internamente, acho perfeitamente possível essa regeneração. Agora, se ele continuar divorciado de princípios éticos e morais, continuará corrupto.
RD – O senhor conhece algum caso efetivo?
HA – Conheço. Conheço situações de pessoas que efetivamente mudaram.
RD – E estão na vida pública?
HA – Não, não estão mais na vida pública. Mas conheço. São situações em que a pessoa realmente reconheceu que aquele não era o melhor caminho. Eu acho que o abalo que ele sentiu foi significativamente intenso e o levou à procurar dentro de si esses resquício. Porque só comete a corrupção quem está divorciado desses princípios. Quem tem a ética e a moral como norteadoras de sua conduta não se corrompe, não se corrompe!
Violência contra a mulher
RD – Ano passado o senhor se destacou também por capitanear campanha louvável em favor das mulheres. “O verdadeiro homem cuida, ama e protege. Não à violência contra a mulher”. Qual foi a repercussão desta campanha e quais os resultados práticos na inibição da prática de violência contra a mulher, especificamente aqui no Estado de Rondônia?
HA – Aquela campanha atingiu o objetivo que nós almejávamos. O objetivo primeiro era conseguir trazer este tema às pautas de discussões. Tirar este tema debaixo dos tapetes. Existem muitos tabus em relação à violência contra a mulher. Uma sociedade extremamente machista. E não são apenas os homens os machistas. As mulheres são muito machistas também. Quem é que educa os filhos? A maior parte da responsabilidade educacional é da mulher.
Então se o menino é machista é porque ele foi criado de forma machista. Por quem? Pela mulher. Nós queríamos trazer este tema para as pautas de discussões e conseguimos isso. Esse tema passou a ter prioridade em várias pautas e as pessoas começaram a falar sobre isso. Eu precisava mostrar a realidade trágica que a mulher brasileira vive. A sociedade brasileira trava uma guerra contra as mulheres. Guerra! E posso dizer por que eu uso essa expressão. Você pode dizer: “Não, mas essa expressão é impactante demais!”. Mas é sim uma guerra. Em quatro anos de guerra na Síria, guerra civil, morreram 4.200 mulheres. Todas vítima da guerra. Vítimas de tiro, de bombas, de granadas, de fuzis, de mísseis, em suma, morreram 4.200 mulheres em quatro anos de guerra na Síria! No Brasil entre março de 2015 e março de 2016 foram mortas mais de 3.200 mulheres.
RD – Mas as brasileiras são mortas por seus companheiros e por serem mulheres, não?
HA – Sim, mortas por seus companheiros sejam maridos, sejam namorados, amantes, enfim. Proporcionalmente, nós ganhamos da Síria em violência contra a mulher. E a violência contra a mulher na Síria não era dirigida à mulher por ser mulher. O número é total de mulheres mortas no conflito. A nossa violência é contra a mulher por ela ser mulher. Isso é extremamente grave. Uma criança que cresce em um ambiente de violência doméstica, estudos da OMS [Organização Mundial de Saúde] apontam que essa criança tende a fazer uma repetição do padrão de conduta vivenciado. E em razão disso nós passamos a ter uma sociedade essencialmente violenta.
Quando você vê um ato de violência na sociedade, pensa: “Nossa, que absurdo! Por que tanta violência?”. Você vai fazer a anamnese, procurar o que ocorreu e perceber que aquele ser violento viveu ou vive em ambiente de violência doméstica. Isto é extremamente grave. O Brasil é o quinto país do Mundo mais violento contra a mulher. Só estamos atrás de El Salvador, Guatemala, Rússia e Colômbia. É o quinto país mais violento contra a mulher! Essa história de que o brasileiro é um povo pacífico, isso é conversa. Não somos pacíficos. Se mata neste País cerca de 60 mil pessoas por ano. Então nós não somos um povo pacífico. Mas contra a mulher a violência tem sido cada vez mais grave.
RD – E em Rondônia?
HA – Sim, você me perguntou [como está a situação] em Rondônia. Bem, lamentavelmente nós não temos presenciado em Rondônia, em Porto Velho, políticas de acolhimento e proteção da mulher vítima. Não temos presenciado isso. O que nós temos aqui é a Promotoria de Justiça denunciando, a Delegacia da Mulher que tem delegadas magníficas, extraordinárias, abnegadas, levando como sacerdócio o que fazem, tentando proteger a mulher dentro dos parcos recursos estruturais que são disponibilizados a elas. Temos a Promotoria, onde só eu, no ano passado, ofereci mais de 1.200 denúncias. O Judiciário? Resposta imediata! Mas isso é repressão e nós precisamos de política de proteção, de acolhimento para se evitar que isso ocorra. E essas políticas são políticas estatais, do poder público, estadual e municipal.
E lamentavelmente não se vê nada efetivo quanto a isso. Se fala muito, se discursa muito, mas na prática nós não temos isso. Hoje, há o projeto da Casa da Mulher Brasileira, que é um projeto do governo federal, ainda do governo anterior, que é uma casa de acolhimento e empoderamento da mulher. Lá a mulher será acolhida, protegida, preparada e empoderada para romper esse ciclo de violência em que ela está envolvida e iniciar uma nova vida se esta for a sua vontade. Esse projeto vinha se arrastando a muito anos e só conseguiu andar agora e avançamos muito, graças a interferência do senador Valdir Raupp (PMDB) e da deputada Marinha Raupp (PMDB). Porque não andava! Anos esse projeto se arrastando.
Hoje nós já temos um espaço, o projeto evoluindo, as coisas caminhando e bem. Mas se não fosse a interferência desses dois parlamentares estaríamos até sem essa possibilidade de, no futuro, termos a Casa de Acolhimento. Se não houver comprometimento, conscientização do poder público, das autoridades de que é de vital importância proteger a mulher dessas violência, esse ciclo não irá se romper. E quanto mais violência contra a mulher existir, mais violência social se reproduz. Porque a família é a célula-mãe da sociedade. Se a violência está na família ela também irá para a sociedade. Passamos a ser uma sociedade violenta em razão da desestrutura familiar. E nada de política pública de acolhimento, de empoderamento. Então, nesse particular, estamos precisando de muito apoio ainda.
RD – E o que pode ser feito enquanto as políticas públicas não vêm?
HA – Enquanto elas não vêm nós continuamos a fazer nosso trabalho. Outras campanhas para este ano estão em andamento. Nós temos outros projetos. Um deles, por exemplo, que está tomando corpo e quem está à frente é o vice-governador, é instituirmos a Patrulha Maria da Penha, ou seja, um núcleo da Polícia Militar voltado exclusivamente a atuar em casos de violência doméstica.
Mas é de vital importância que haja essa conscientização e aquela campanha que nós fizemos tinha esse propósito: discutir isso, fazer com que esse tema fosse discutido na sociedade e nós conseguimos. Hoje esse tema é pauta, tanto é pauta que nesse nosso encontro você traz esse tema na sua pauta. Fazendo essas análise eu posso dizer: a campanha foi exitosa, alcançamos aquilo que queríamos despertando o interesse para um tema que é tão grave e precisa ser enfrentado pela sociedade brasileira. E no nosso caso, numa análise caseira, pela sociedade rondoniense.
A fala inadequada da deputada
RD – Falando em mulheres machistas, nós temos uma deputada em Rondônia que considera que as mulheres, ao sentir diferenças no tratamento em relação aos demais membros da sociedade, é porque elas mesmas se vitimizam. Foi uma frase dita em público e um tanto quanto...
HA – Inadequada, né?
RD – Sim, inadequada. Como o senhor enxerga essas opiniões que encontram força num senso comum raso?
HA – Como falei agora há pouco, são posições inadequadas. Desprovidas de amparo teórico e técnico. [A pessoa que expõe essa visão] Não tem conhecimento do problema. Isso é formação machista. Talvez essa parlamentar acredite que a mulher seja estuprada por culpa dela, que ela, a mulher, provocou o estuprador. Talvez pense nisso, porque é um posicionamento extremamente machista. “Mas ela estava usando roupas curtas!”. E ela não pode? Ela não pode usar roupa curta? Onde é que está dito isso? Está na Constituição Federal que você não é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada que não esteja proibido na lei. Tem algum lugar dizendo que é proibido usar roupa curta? Não tem. Então ela pode usar.
O problema não está na roupa que a mulher veste, não está no corpo da mulher que veste a roupa. Está nos olhos de quem vê. O homem tem de ter a capacidade de se controlar, controlar seus instintos. Se ele não tiver capacidade de controlar seus instintos tem de ser retirado do seio social. Ele tem de ser ergastulado. Ele tem de saber se controlar. Porque se disserem, nessa concepção machista, que a mulher por usar uma roupa curta, um short curto ou uma saia curta estimulou o estupro, temos de entender também que se você for roubado no semáforo dentro do seu carro a culpa também é sua. Porque se não tivesse um veículo você não estaria ali. Se você não estivesse ali, não teria sido roubado. Então se você estava no seu carro ali a culpa é sua! Oras, não seria uma inversão total de valores?
Você vai começar a achar que eu fui roubado e a culpa é minha. Eu estou com minha bolsa e o cara a levou, logo a culpa é minha. Porque se não tivesse com minha bolsa ali eu não teria sido roubado. É o mesmo raciocínio quando você tenta levar isso a uma mulher que foi estuprada e acabam colocando a culpa nela. Isso é um absurdo, é uma concepção machista! Porque nós fomos educados, e a sociedade é machista, entendendo que o homem tem posse sobre a mulher. E quando se fala em posse você coisifica a mulher, passa a trata-la como uma coisa. No Direito Civil em que capítulo nós estudamos Direito das Coisas? No ramo do Direito da Propriedade, não é isso? É essa concepção. Essa concepção é equivocada, completamente equivocada. Criminosamente equivocada e isso tem de ser mudado.
RD – Quero ser otimista e tentar acreditar que a fala da deputada estava voltada mais a questões sociais do que à violência contra a mulher...
HA – É possível. É possível... Eu não conheço o contexto.
RD – E essas outras discrepâncias vivenciadas pela mulher como questão salarial, tratamento corporativo e tantas outras, existem na sociedade brasileira ou as pessoas estão fantasiando?
HA – Existem e muito! É muito alta ainda a diferença. Tem mudado... E vem mudando numa velocidade interessante. Mas ainda é. A mulher é sub-remunerada em relação ao homem nas corporações. A mulher ainda tem uma carga de trabalho maior do que a do homem. “Mas como isso?”. A mulher tem o terceiro turno. A mulher trabalha de manhã e à tarde no seu expediente laboral. Quando ela chega em casa tem roupa pra lavar, criança pra cuidar, jantar pra preparar e ainda tem de estar arrumada, bonitinha e cheirosa para o marido! Então, neste caso, figurando o terceiro turno de trabalho.
Eu já ouvi alguns absurdos, a exemplo do que costuma ser dito acerca da questão da Reforma da Previdência. “Por que não há direitos iguais? Por que a mulher se aposenta com menos idade?”. Porque ela trabalha mais! A mulher trabalha mais do que o homem e isto é fato.
Quando nós chegamos em nossas casas, trocamos de roupas, tomamos um banho e damos uma relaxada. A mulher está preparando o jantar, indo cuidar da criança, preparando a roupa e sempre fazendo algo a mais. Ela não para de trabalhar, portanto tem três turnos. Isso precisa ser considerado. Os papéis são diferentes. Então isso precisa ser considerado. A mulher ainda tem uma subcolocação na sociedade, mas isso está sendo vencido. O que não pode, a meu sentir, é se trocar o machismo pelo feminismo. Nós vamos só inverter papéis.
RD – Estamos buscando equidade...
HA – Exatamente! Este é o ponto... A harmonização social. Essa equidade traduz essa harmonização social. Homens e mulheres convivendo socialmente de forma harmônica, com respeito aos seus direitos e obediência a seus deveres. Essa harmonização social é que nós precisamos e não trocar modelos. Trocar modelos do machismo para o feminismo? Não! Se isso acontecer amanhã haverá a subjugação dos homens e nós teremos uma nova história para contar no futuro. E nós não queremos isso. A sociedade tem de evoluir a este ponto. Precisamos viver harmoniosamente e aqui entra a situação dos homoafetivos.
Na mesma concepção de harmonização entre pessoas e não de criar grupos que irão ficar se digladiando perante a sociedade. A sociedade, de uma maneira geral, tem de conviver como uma península e não como arquipélago, onde grupos são separados prontos para guerrear uns com os outros. Isso é um equivoco, faz mal à sociedade. A evolução da sociedade traz exatamente isso. É preciso dar ênfase ao respeito. É gay? Sim, é gay. Paciência. “Mas eu não gosto”. Ótimo, ele haverá de respeitar o seu não gostar e o senhor haverá de respeitar o gostar dele. Isso é harmonização! Você vive a sua vida e ele vive a dele. Respeite a vida dele e ele haverá de respeitar a sua vida.
E esta harmonização e não ficar criando grupos e castas para ficar se digladiando. Hoje nós ainda temos muito disso. Os grupos vão se formando e se preparam para o embate, um contra o outro. Isso é bobagem, a sociedade não irá chegar a lugar algum sem harmonização. Então é isso que precisamos buscar sempre, a harmonização na convivência social. Este é nosso maior desafio!
Apocalipse
RD – Embora o Ministério Público tenha deixado a Operação Apocalipse, o nome do senhor foi citado por conta de interceptações telefônicas obtidas com autorização da Justiça. O telefone do deputado Hermínio Coelho, então presidente da ALE/RO, foi grampeado e o senhor exposto numa das conversas com ele. O que ocorreu neste episódio?
HA – A Operação Apocalipse foi iniciada e gestada tanto pelo Ministério Público quanto pela Polícia Civil. Começamos aqui. Trabalhávamos juntos naquilo. Em determinado momento da investigação, do jeito que estava sendo conduzida a coisa, o MP entendeu que era melhor deixar que a polícia fizesse sozinha porque não estávamos nos entendendo sobre determinados aspectos em relação a providências que deveriam ser tomadas. E a Polícia Civil tocou sozinha a operação a partir daí. Quando houve a deflagração, na manhã da operação, o deputado Hermínio Coelho, então presidente, me ligou. Ele já tinha me ligado três vezes. Ele ligou às 06h e eu não atendi, pois já sabia do que se tratava e que a operação estava ocorrendo. Mais ou menos por volta das 06h e pouco ele voltou a ligar para mim e de novo não atendi.
Por que não atendi? Porque era o momento em que a operação estava ainda sendo desenvolvida. Nada tinha a ser dito. Ele insistiu de novo e isso já era umas 07h e pouco. Já havia passado mais de uma hora de operação. Era o presidente de um Poder ligando para o procurador-geral. Ele falou e quem tem a gravação sabe muito bem o teor da conversa: “Dr. Héverton...” e eu “Pois não, deputado”. Ele seguiu: “Dr. Héverton, a polícia está na minha casa, prenderam meu filho. Isso é do Ministério Público?”. E eu: “Não, é da Polícia Civil”. “Do que se trata”. “Não sei, não tenho maiores detalhes”. “E o que eu faço Dr. Héverton?”. “No seu lugar, eu voltaria para Porto Velho”. Eu fiz a sugestão porque ele estava fora do Estado. Ou seja, regressando ele poderia, pessoalmente, tratar dessa situação. Avisei que eu estava indo ao Ministério Público naquele momento e disse que lá saberia de maiores detalhes.
RD – Mas o senhor já sabia de todos os detalhes da operação...
HA – Claro, já sabia de toda a operação desde quando ela começou. Mas o teor da conversa foi exatamente esse. O que está gravado deixa claro que não houve favorecimento. E quem me conhece sabe que eu jamais faria qualquer tipo de favorecimento a quem quer que seja. Prova do que estou falando é que meses depois ajuizei ação contra esse mesmo ex-presidente por questões de quando era ainda vereador por Porto Velho. Não há nenhum tipo de protecionismo, jamais faria isso.
Resumidamente, sobre a conversa, sugeri ao deputado que retornasse ao local da operação, não disse a ele para fugir. Isso foi explorado por quem queria desestruturar o Ministério Público. Havia, já naquele momento, em razão das inúmeras operações envolvendo muitas pessoas, uma vontade, uma política de abalar as estruturas do Ministério Público e do procurador-geral à época. Isso foi vencido. As coisas depois foram esclarecidas. Se tem muito respeito pela Polícia Civil.
O trabalho da Polícia Civil é muito sério. Apenas, naquele episódio, quem estava à frente da situação talvez não tenha se comportado adequadamente no tocante a essa situação. Talvez. Mas foi o que originou o fato de o MP ter se afastado daquela investigação. Sobre a utilização daquele áudio, foi uma situação contingencial, que já passou e está resolvida.
RD – A Operação Apocalipse naufragou?
HA – Depois que a operação é deflagrada ela tem de vir para o Ministério Público, obrigatoriamente. Porque quem propõe as ações é o Ministério Público. Do que nós acompanhamos daquilo, não houve sucesso [nos resultados da operação]. Uma parte ainda tramita, outra me parece que não. Não tenho maiores detalhes sobre isso porque ela correu no primeiro grau. Havendo desmembramento, tirando-se os detentores de foro por prerrogativa de função, que seriam os deputados, os demais vieram para o primeiro grau e os promotores que estavam atuando na época tocaram. Mas me parece que parte dela não foi muito exitosa. As operações são assim, nem sempre se consegue aquilo que se almeja. Produzir a prova... O ônus da prova é do acusador. Mas o trabalho deve ser feito sempre, né? O que não se pode é esmorecer diante da dificuldade. Há de se ter coragem, força e determinação e acima de tudo compromisso com a verdade para fazer o trabalho necessário.
RD – O senhor acha que por conta de equívocos nas investigações pessoas que efetivamente cometeram crimes sairão incólumes?
HA – Eu não creio que tenha havido equivoco na investigação. Só houve equivoco, a meu ver, naquele episódio da ligação do então presidente para mim e como aquilo foi interpretado. Esse foi o equivoco. Quanto a investigação, não sei se houve equívocos, mas talvez não se tenha conseguido produzir a prova robusta, consubstanciada o suficiente para embasar um decreto condenatório. Talvez. Não sei, apenas os colegas que estão cuidando da operação na Vara Criminal podem falar sobre ela com maior autoridade. Depois daquele momento em que o MP saiu da parceria na investigação e quando vieram os requerimentos para as medidas cautelares que seriam deflagradas no dia da operação, eu mandei isso para um procurador, e esse procurador fez o parecer de acordo com seu entendimento jurídico. A partir de então eu não tive mais contato com a operação, que passou a ser tocada por esse procurador, depois por outro e, logo adiante, houve o desmembramento e a situação voltou para o primeiro grau onde os promotores que atuam na Vara Criminal prosseguiram.
RD – A Apocalipse foi tida como operação política. O senhor acredita nisso?
HA – Eu não tenho elemento básico para afirmar isso. Eu ouvi muito isso em razão de posições de quem estava à frente da Polícia Civil à época, em razão de quem estava á frente do Poder Legislativo à época. Ouvi muita coisa, mas não tenho nenhum embasamento para criar esse conceito ou fazer qualquer afirmação nesse sentido. Não tenho.
Operação Plateias: o que cabe a Confúcio Moura
RD – Em 2014, outra operação mexeu com as hostes governamentais. A Operação Plateias gerou repercussão imediata principalmente após a condução coercitiva impetrada contra o governador Confúcio Moura (PMDB). Qual o saldo desta operação especifica e quais as alegações que recaem sobre o gestor peemedebista?
HA – Gostaria imensamente de poder aprofundar a nossa conversa sobre essa operação. Mas a Operação Plateias, em razão de envolver o governador do Estado, tramita no STJ [Superior Tribunal de Justiça] e parte dela está sob sigilo judicial. Então não seria adequado que eu fizesse qualquer comentário de uma operação que parte das investigações estão sob sigilo no STJ. A Operação Plateias foi o desmembramento, o segundo turno da Operação Termópilas. Está aí o porquê do nome. Na história grega, quando o exército de Xerxes avançou sobre a Grécia, na garganta de Termópilas, trezentos soldados espartanos contiveram o exército invasor enquanto o exército grego se reunia. Então foi a primeira batalha, a Batalha dos Trezentos. Nós batizamos a primeira operação de Termópilas porque foram usados trezentos policiais federais para cumprir os mandados. Então, em razão dessa situação, os trezentos policiais nos remeteu a isso e daí surgiu a Termópilas, a primeira batalha. Com o que foi apurado na Operação Termópilas, houve um indicativo de que havia outro núcleo criminoso agindo no Estado, que estaria no Executivo.
RD – Então a Plateias, como o senhor disse anteriormente, seria uma ‘cria’ da Termópilas?
HA – Exato! E em razão de ter sido citado o nome do governador o caso subiu para o STJ. Foi para o STJ. Por que Operação Plateias? Na história grega, depois da Batalha de Termópilas, em que os trezentos espartanos conseguiram conter o avanço da tropa inimiga até que o exército grego se organizasse, depois que os trezentos foram mortos o exército invasor avançou. Este, por sua vez, encontrou o exército grego preparado para enfrentamento e foi a grande batalha, que foi a segunda, chamada Batalha de Plateias.
Então foi a batalha que veio depois da Batalha de Termópilas, isso dentro da história grega. Daí o porquê do nome Plateias, porque seria a segunda operação decorrente da primeira. Mas os detalhe dessa operação, embora nós tenhamos acompanhado ela de ponta a ponta, mesmo depois de ter ido para o STJ nós continuamos trabalhando com ela por determinação da relatora. Houve a deflagração dela, algumas medidas foram tomadas, pessoas foram presas e outras conduzidas. E voltou ao STJ estando ainda sob sigilo. E isso me impede de tecer qualquer tipo de comentário sobre ela. E hoje, especialmente por estar há dois anos fora da Procuradoria-Geral, eu perdi o contato, já não sei mais como as coisas estão ocorrendo. Não sei como estão andando as coisas lá por Brasília, mas a Operação Plateias está por lá.
O semblante exorta alegria ao falar sobre hobbies e esportes
Foto.: Gregory Rodrigues (Rondônia Dinâmica)
A paixão pelo motociclismo
RD – Na vida particular as pessoas reconhecem sua paixão pelo motociclismo, que é escancarada. O senhor poderia falar um pouco a respeito deste amor e apresentar à sociedade seus demais interesses fora do ofício?
HA – Motociclismo é uma paixão mesmo.
RD – Dá pra ver até no sorriso...
HA – [Risos] É de fato uma paixão. [Aponta para o monitor do computador de ofício] Ao fundo, isso é o Equador e aqui nós temos o vulcão chamado Chimborazo, uma viagem extraordinária. O motociclismo te dá essa sensação de liberdade, provoca e tem uma certa magia. Quando você está na estrada com sua motocicleta há uma fusão entre você e a máquina. Você é a moto. A moto é você. Naquele momento em que você está ali cruzando as estradas da vida tem a oportunidade de se sentir integrante daquela paisagem. Você faz as suas viagens mentais, pensa e vai refletindo. O motociclismo te proporciona emoções extraordinárias, te leva a lugares maravilhosos.
E faz com que essa paixão fique cada vez mais ardente. Então é fato: viajar de moto é algo que faz muito bem. E é um hobby que tem crescido muito. E crescido significativamente. Encontramos na estrada inúmeros grupos de motociclistas correndo o mundo e isso me faz muito bem. Agora, recentemente, eu cheguei tem dez dias, fizemos uma viagem indo pelo Peru; do Peru fomos à Bolívia; da Bolívia à Argentina, depois ao Chile. Conhecemos o Deserto do Atacama, do Salar de Uyuni, que é o maior deserto de sal do mundo, com 12.840 km² de deserto de sal. Também conhecemos o deserto de sal da Argentina. A Bolívia também é extraordinária, o Vale dos Vulcões e por aí vai. Tudo isso o motociclismo te proporciona. É algo de fato, e você classificou muito bem, uma paixão. Uma paixão muito, muito grande.
RD – E o que mais, promotor?
HA – Antes do motociclismo tenho meus esportes, né? Eu pratico Taekwondo desde os treze anos de idade, peguei faixa preta ainda muito cedo. Eu, Walber Sweldes Gomes Donato e Aminadabe Pires Tavares, fomos os três primeiros atletas de Rondônia a pegar a faixa preta no Estado. Os outros faixas preta que aqui tinham vieram de fora. Os três primeiros daqui fomos nós. Na época, o nosso professor, que hoje já é mestre, Jair Queiroz, estava à frente de nosso treinamento e o Taekwondo foi uma forma de viver durante muitos anos. Durante muitos anos! Participei de muitas competições. E paralelamente a isso eu gosto do ciclismo. Faço ciclismo, o ciclismo de estrada, não o off-road. Gosto do ciclismo speed e assim a gente vai levando a vida. Adoro música e costumo dizer que sou movido a música. Eu ouço músicas constantemente. Adoro música velha. Adoro flashback. Tenha encantamento por flashback. No meu Facebook são as maiores publicações. Se você for lá vai ver um monte de flashback. Adoro postar músicas românticas. Sou um homem romântico, essa é que é a verdade. Sou um homem romântico, apaixonado. Me apaixono pelas coisas, me apaixono fácil. E vou levando a vida. Tenho uma vida humilde, tranquila. Não sou de esbanjar, fico muito em casa, sou muito caseiro. Sou feliz da forma que vivo. Sou um rondoniense feliz, realizado.
RD – Muito obrigado, promotor.
HA – Foi um prazer.
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Autor / Fonte: Rondoniadinamica
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